A presente exposição teatral, crítica e amadora vem relatar a mudança relativa ao atual artigo 4ºETAF que na sua mais simples concretização vem regular o âmbito de jurisdição dos tribunais administrativos.
Através do Decreto-Lei nº 214-G/2015, de 2 de Outubro foram introduzidas várias alterações dentro das quais aquelas feitas a este mesmo artigo, que por si só merecem oito valores e meio dos nove valores com que ironicamente poderíamos classificar esta revisão no seu todo. Importa então fazer uma análise breve a alguns preceitos considerados relevantes.
Exmo. Sr. Legislador,
Antes de mais começo por o saudar entusiasticamente porque com este novo artigo 4º conseguiu superar um dos traumas da infância difícil do contencioso administrativo: O facto de este ter um âmbito muito limitado e deixar de fora questões decisivas do quadro da administração pública que tinham de ser julgadas, mas que não encontravam tribunal algum com competência para as julgar. Assim, mostrava-se urgente uma mudança que abrangesse toda a função administrativa e este diploma veio delimitar o âmbito da jurisdição administrativa ao artigo 4º, e graças a si Sr. legislador, encontramos agora um contencioso administrativo que abrange toda a função administrativa.
Primeiramente, ao escrever-lhe esta carta decidimos por começar pela alteração relativa ao desaparecimento da expressão “nomeadamente”.
Aquilo que a nossa intuição, seus fiéis interpretes, nos levaria a dizer é que o Sr. legislador quis eliminar o caráter exemplificativo deste artigo, e passar a uma enumeração taxativa. Mas será assim tao claro? Tentemos antes criticá-lo pela positiva:
Em 2004 foram estabelecidas noções amplas onde eram conglobados todos os critérios. Em geral tudo cabia no contencioso. O que aconteceu foi que em 2015 essa lógica se transformou, o legislador ao tirar o nomeadamente quis reduzir os critérios. Sim estamos de acordo. Mas! Continuam a estar incluídas todas as realidades que cabem dentro destes critérios de que falamos. Ou seja, este artigo é muito amplo e por isso não tem cabimento concluir que desapareceu o caráter exemplificativo, até porque, caríssimos, quando o Sr. Legislador disse “questões relativas a” no seu preceito não só acabou de deixar claro o caráter amplo da nova norma como introduziu aqui várias outras cláusulas gerais que confirmam o principio da não tipicidade. Para comprovar isto podemos ainda olhar de forma atenta para a alínea o) do articulado neste preceito:
Ora vejamos:
Esta alínea na sua essência aponta para litígios relativos às relações jurídicas administrativas e fiscais que não digam respeito às matérias previstas nas alíneas anteriores ao preceito. Então, daqui se deduz a manutenção da amplitude e do caráter exemplificativo deste artigo, ou seja, podem ainda caber relações que não estejam neste preceito.
Para além disso, antes desta sua reforma tínhamos de recorrer ao artigo 212º CRP e ao 4º1 para delimitar uma tao grande abrangência. Atualmente, graças ao artigo nº1 apenas temos de recorrer ao art.4º para averiguar o âmbito da jurisdição.
Então, uma vez superada a dor de uma aparente mudança esquizofrénica vamos mais uma vez aplaudir o legislador e dar-lhe 8 valores e meio pela sua prestação neste articulado:
Quanto à alínea a)
Aqui nada obsta a dizer senão bravo Sr. Legislador! Para além de provar uma grande amplitude que caracteriza este articulado, esta alínea é também expressão da tutela dos direitos fundamentais e outros direitos e interesses legalmente protegidos. Os juízes administrativos são “juízes da constitucionalidade” das formas de atuação administrativa e como não podiam deixar de ser; garantes da tutela dos direitos das pessoas neste que é o domínio próprio da jurisdição administrativa.
Alínea e)
Não deixo de sentir uma certa angustia, Sr. Legislador. Porquê um passo atrás na cura de uma doença psicopática?
“interpretação, validade e execução de contratos administrativos”;
aquilo que nos deixa entender com as suas melhores intenções é que, à parte daqueles contratos celebrados no regime de contratação pública, os contratos de direito privado celebrados pelas entidades publicas ficam, em geral, fora da jurisdição administrativa.
Vamos diretos ao assunto: quando neste preceito quis forçosamente reforçar a existência daquela ambígua figura “contrato administrativo” o que pretendia?
Nós, os seus mais sérios leitores não pudemos deixar de pensar que tudo isto aparenta ser, arrisco dizer, um pouco contraditório. Ora, sr. Legislador, porquê manter uma noção ampla, mas com esta expressão restringir o âmbito de aplicação aos contratos administrativos? Parece-nos escusado. Mas também não nos parece motivo de repreensão dramática e, por isso, prosseguiremos:
Na alínea k) Volta a deixar claro este caráter protetor da jurisdição administrativa: Bravo! Aqueles seus leitores ainda mais implicativos vão dizer que deixou de fora as situações a que se refere o art. 37º 3 CPTA (em que um particular intenta uma ação contra outro particular por violação de deveres jurídico-administrativos). Mas nós, que o saudamos com alegria na redação deste artigo dizemos: Não se preocupem caríssimos. Podem então recorrer ao artigo 1º a) deste mesmo preceito para resolver os vossos problemas.
Quanto à alínea l) Sr. Legislador. Inicialmente, concordamos que em 2004 tinham sido criadas formulas que eram muito amplas neste domínio, mas ainda assim parece-nos que deixou ficar alguns de fora. Afinal, vamos averiguar porquê:
Tudo aponta para que continuem excluídos do âmbito da jurisdição administrativa a generalidade dos litígios relativos a processos de contra-ordenação, desde logo, aqueles da responsabilidade das entidades administrativas independentes com funções de regulação e supervisão, para os quais existe o tribunal da concorrência, é verdade. Mas também lhe digo, Sr. Legislador, os problemas de determinação do tribunal competente não ficam inteiramente resolvidos (salvo quanto à Autoridade da Concorrência), pois nem todas as decisões e atuações daquelas entidades se resumem aos processos de contraordenação. e nós, os seus mais astutos intérpretes, ainda notamos que, a norma não refere nem as sanções acessórias nem as medidas cautelares. As primeiras, associando-se à aplicação de coimas, incluem-se no enunciado, que diz menos do que quereria dizer. As segundas não pressupõem um procedimento sancionatório, mas não deixam por isso de ser imposições típicas do poder de autoridade pública, cujo controlo jurisdicional se inscreve no âmbito da jurisdição administrativa.
E então, pedimos lhe para fazer atenção a este pormenor se algum dia pensar em chegar aos nove valores, isto porque, Sr. Legislador, continua a ter muitas razoes para levantar uma plateia.
Por fim, despedimos-nos mas não sem antes deixar clara a nossa opinião Sr.Legislador, de que está de parabéns por todas as supressões que fez a expressões traumáticas que marcavam os resquícios da nossa infância difícil, que optamos por não enumerar exaustivamente nesta carta que lhe escrevemos, porque nós, seus fieis leitores conhecemos este seu novo preceito, que, depois de analisado tem claramente um balanço próspero e promissor. Também não o quero agora reprimir por outros detalhes que possa ter deixado ambíguos porque, Sr. legislador, depois de esta breve exposição critica a alguns aspetos que me entusiasmaram no âmbito do contencioso administrativo, quero mais uma vez felicitá-lo por, com a redação deste novo preceito, ter atingido oito valores e meio de vinte valores de uma reforma que tem muito que falar.
Saudações cordiais,
Os seus fiéis intérpretes
Isabel Rebello de Andrade
140115097
Sem comentários:
Enviar um comentário