O caso “Blanco”
O caso de Agnès Blanco representou um dos eventos mais importantes da história do Direito Administrativo. Este caso revelou-se um dos maiores traumas associados ao nascimento do Contencioso Administrativo - um marco notável que acabou por ter sequelas no próprio Contencioso Administrativo português. Descrevamos os seus termos:
O caso reporta-se a 1872 quando uma criança de 5 anos, Agnès Blanco, que vivia em Bordéus, foi atropelada por um vagão da Companhia Nacional da Manufatura do Tabaco, uma empresa pública, em Bordéus. O vagão era guiado por quatro funcionários e, em virtude do atropelamento, Agnès sofreu uma lesão violentíssima no fémur, o que obrigou a que uma das suas pernas fosse amputada.
Os pais da criança, após este trágico acidente, dirigiram-se ao tribunal de Bordéus para pedir uma indemnização. O pai de Agnès, Jean Blanco, instaurou a 24 de Janeiro de 1872 no tribunal de justiça uma ação de indemnização contra o Estado, alegando a responsabilidade civil deste pela atuação dos funcionários responsáveis pelo vagão da Companhia Nacional da Manufatura do Tabaco, entidade pública.
O tribunal de Bordéus, posteriormente, declarou-se incompetente porque o que estaria em causa era um problema de responsabilidade civil entre a administração pública e particulares, entidades distintas, e a responsabilidade civil só poderia ser aplicada entre iguais segundo o código de Napoleão. Contudo, o tribunal de Bordéus apresentou outro motivo para não julgar o caso concreto, isto é, o tribunal declarou que mesmo que quisesse resolver o caso, interpretando a vontade do legislador não o podia fazer porque este não previa aquele caso, o código de Napoleão regulava apenas as relações entre iguais, entidades iguais, ou seja, não havia direito aplicável ao caso concreto.
Perante a recusa do tribunal de Bordéus, os pais da criança recorreram à justiça administrativa. Contudo, não era o Conselho de Estado a decidir pois este era apenas um órgão de recurso - quem decidia primeiramente era o Presidente da Câmara, le Maire. Isto é um exemplo perfeito da promiscuidade entre administrar e julgar, outro dos traumas de infância do contencioso administrativo. O maire vem dizer o mesmo que foi dito anteriormente pelo tribunal judicial de Bordéus: não podiam decidir o caso concreto, não estava em causa um ato administrativo – leia-se, uma decisão voluntária da administração -, estava sim em causa um ato material da administração, uma atuação informal. Declarou-se, então, incompetente, e acrescentou ainda que mesmo que quisesse decidir não havia direito aplicável ao caso concreto.
Após os dois órgãos jurisdicionais terem-se declarado incompetentes, foi pedido a um terceiro tribunal para decidir quem tinha a competência para julgar o caso concreto – o Tribunal de Conflitos. Contudo, o Tribunal de Conflitos acabou por reafirmar a ideia que tanto o tribunal de Bordéus como o Presidente da Câmara não tinham competência, não existia direito aplicável a este caso. Era preciso decidir o caso concreto e para isso o Tribunal de Conflitos propôs uma votação. Este Tribunal era composto por 4 membros de cada jurisdição. Tristemente, da votação resultou um empate: 4 votos contra 4 votos. Era preciso desempatar, recorreu-se então ao presidente do Tribunal de Conflitos e Ministro da Justiça: Jules Dufaure. Este, utilizou a sua prerrogativa do voto de minerva. Jules Dufaure votou a favor da jurisdição administrativa, ou seja, da competência do Conselho de Estado.
O Tribunal de Conflitos concluiu que era necessário criar um direito privativo da administração. O Conselho de Estado acabou por apreciar o caso e conceder uma pensão vitalícia a Agnès Blanco.
O Tribunal de Conflitos concluiu que era necessário criar um direito privativo da administração. O Conselho de Estado acabou por apreciar o caso e conceder uma pensão vitalícia a Agnès Blanco.
Este acórdão ficou para a história do direito administrativo. Pela primeira vez na história do contencioso administrativo sentiu-se a necessidade de criar um direito privativo que regulasse as relações entre a administração e os particulares.
O que é que se poderá concluir, posto tudo isto? Pode-se afirmar que o acórdão Blanco constituiu um inicio bastante traumático para o direito administrativo, sendo considerado um dos traumas mais profundos da infância do contencioso administrativo. Como disse o Excelentíssimo Professor VASCO PEREIRA DA SILVA nas nossas aulas: “um ramo de direito que nasceu para negar uma indeminização a uma criança de 5 anos não poderia ter uma infância mais traumática”. Cabe assim à justiça administrativa resolver os casos de responsabilidade civil da administração. Em 1872 não existia norma aplicável ao caso concreto, mas este caso demonstrou a necessidade que existia de haver normas aplicáveis aos casos de responsabilidade civil entre duas entidades diferentes, estado e particulares.
Alguns autores consideram o caso de Agnès Blanco como o embrião do direito administrativo, foi a primeira vez que o Conselho de Estado francês teve a determinação de criar um direito exclusivo aplicável à administração pública, ou seja, um direito privativo da administração pública.
P.S.: Façamos uma breve nota conclusiva. Este caso não foi pioneiro em matéria de responsabilidade civil extracontratual do Estado. Há um caso que data de 1855 – o caso Rothschild - que expõe a imprescindibilidade do estado responsabilizar-se pelos danos causados aos cidadãos no exercício da sua atividade.
Bibliografia:
Aulas lecionadas pelo Excelentíssimo professor Vasco Pereira da Silva no âmbito da cadeira de Contencioso Administrativo – turma 1- ano letivo 2018/2019;
Silva, Vasco Pereira da. "O contencioso administrativo no divã da psicanálise: ensaio sobre as acções no novo processo administrativo." 2ª edição, Almedina, Lisboa (2009).
Inês Sofia Marques Alfacinha- 140115073
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