sexta-feira, 14 de dezembro de 2018

A relevância dos contrainteressados


Em que medida é que terceiros, titulares de direitos subjetivos, podem aceder aos tribunais administrativos?





Primeiramente, é fulcral determinar a natureza jurídica de terceiros, particularmente se estes são detentores de um direito subjectivo próprio ou de um interesse legitimo. 

No caso de existir um direito subjectivo:
- Freitas do Amaral considera que existe uma proteção direta e imediata, e o particular pode exigir da Administração um comportamento que satisfaça esse seu interesse; por outro lado, no interesse legítimo, essa protecção é de “segunda linha”, uma vez que o interesse que está a ser protegido é um interesse público.
- O Prof. Vasco Pereira da Silva não concorda com esta distinção, argumentando que todas as posições de vantagem dos privados em relação à Administração devem ser consideradas como direitos subjectivos. 
⇨ No fundo, o que se pretende saber é se uma norma protege um particular, atribuindo-lhe uma situação de vantagem, ou se o objectivo é proteger o interesse público. 




Temos também de ter em atenção a exigência de chamar ao processo estes terceiros contra-interessados quando os mesmos possuam interesses opostos ao autor da ação (art. 57º e art. 68º/2, CPTA) 

A ausência da identificação e citação dos contra-interessados ➞ causa de ilegitimidade passiva, que obsta ao conhecimento da causa (art.89º/1 alínea f CPTA)). 
                                                             
              Mas qual é a justificação para esta obrigatoriedade da intervenção processual destes terceiros
O primeiro fundamento desta intervenção processual passa pelos princípios constitucionais, salientando: 
- Os princípios constitucionais de acesso à justiça (art.268º, nº4, CRP)
- os princípios constitucionais de respeito pelos direitos e interesses legalmente protegidos dos administrados (art.266º/1 CRP), no sentido de que a prossecução do interesse público não pode descurar os interesses legítimos dos administrados.
- os princípios processuais do contraditório e da igualdade das partes. 

⇨ Este princípios basicamente vêm defender a ideia de que o contra-interessado que não foi chamado ao processo (sendo que deveria ter sido), não pode ser prejudicado pela respectiva decisão pois não teve a possibilidade de participar no mesmo. 

No entanto, esta obrigatoriedade levanta alguns problemas: 
- prevê uma excessiva oneração do autor, pois obriga-o a demandar todos os titulares de direitos subjectivos contrapostos ao seu, sendo que, por vezes, não é fácil determinar todos os titulares de posições subjectivas legítimas. 
- a demanda de todos os contra-interessados pode levantar graves problemas em relação aos efeitos das sentenças, pois em alguns casos o número de contra-interessados pode ser tão elevado, que se torna inviável a sua identificação, o que se pode revelar na ineficácia das sentenças jurisdicionais.


Em jeito de conclusão, quando nos debruçamos sobre a figura dos contra-interessados não estamos perante terceiros, titulares de direitos subjectivos ou interesses legítimos que careçam de tutela, mas sim perante verdadeiras partes do processo, que formam um litisconsórcio necessário passivo, nos termos do art.10º/1 CPTA. 



BIBLIOGRAFIA:
Aulas lecionadas pelo Professor Vasco Pereira da Silva, no âmbito da cadeira de Contencioso Administrativo;

Silva, Vasco Pereira da. "O contencioso administrativo no divã da psicanálise: ensaio sobre as ações no novo processo administrativo." 2ª edição, Almeida, Lisboa (2009) 



Inês Espírito Santo nº 149118701










A Cumulação de Pedidos no Contencioso Administrativo


A Cumulação de Pedidos no Contencioso Administrativo

 No final dos anos 90, os Tribunais Administrativos de Círculo (TAC) deixavam cerca de 61% dos processos sem resposta, ficando alguns simplesmente com decisões formais proferidas em fases iniciais do processo. Por essa razão, com o passar dos anos foram suscitadas variadíssimas questões quanto ao modelo adotado pelo CPTA, tendo este sofrido uma profunda revisão no ano de 2002 - alteração aprovada pela Lei nº 15/2002, de 22 de fevereiro. Com a chegada desta Lei, vieram também várias alterações relativas ao domínio do regime da cumulação de pedidos, sendo revelada uma aproximação à legislação processual civil. Importa então entender que o legislador, com esta profunda revisão, tinha como objetivo oferecer às partes “a opção pela possibilidade de concentração num só processo de todas as pretensões materialmente conexas”, ou seja, uma livre cumulação de pedidos. 

 Segundo a Professora Cecília Anacoreta Correia, o regime da cumulação de pedidos constitui uma das faces mais visíveis da “revolução coperniciana” que o CPTA veio realizar no plano da justiça administrativa. A opção pela possibilidade de concentração num só processo de todas as pretensões materialmente conexas está hoje na livre disponibilidade das partes, o que se deve a uma vontade verdadeiramente reformadora do legislador.
  
 A cumulação de pedidos encontra-se prevista nos artigos 4º e 5º do CPTA e está assente em princípios de celeridade, gestão, agilização e simplificação processual, ou seja, a cumulação de pedidos no procedimento administrativo tem como vantagens a celeridade e economia processuais, facilitando assim o cumprimento do objetivo do autor. Está então relacionada com o princípio da tutela jurisdicional efetiva ou interesses legalmente protegidos dos administrados, que encontra a sua consagração no artigo 268º nº4 da CRP e nos artigos 2º e 3º do CPTA. Importa também dizer que, perante a consagração do princípio da livre cumulabilidade de pedidos, é possível um conjunto de várias posições jurídicas subjetivas, que apresentem entre si uma relação de conexão material, serem objeto de um único processo.

 A cumulação de pedidos por parte do autor está enquadrada no CPTA de uma forma muito mais ampla do que no Código de Processo Civil, sendo esta possível a partir do preenchimento de requisitos materiais relativos, e não a partir do preenchimento de requisitos formais inerentes à forma do processo dos vários pedidos. Podemos então afirmar que, em princípio, o a cumulação de pedidos no contencioso do direito administrativo é uma faculdade que tende a assistir ao interessado, sendo ele, portanto, livre de optar por exercer, ou não, tal direito.

 Posto isto, importa agora olhar aos critérios de cumulação estabelecidos no artigo 4º do CPTA e às regras gerais relativas à cumulação. Para a cumulação operar é necessária uma conexão entre os mesmos pedidos, de duas formas possíveis: existindo uma única causa de pedir; ou uma relação de prejudicialidade ou dependência, nomeadamente por se inscreverem no âmbito da mesma relação jurídica material. Quando a causa de pedir é diferente, a procedência da cumulação de pedidos fica dependente da verificação dos seguintes fatores: Apreciação, essencialmente, dos mesmos factos; ou interpretação e aplicação dos mesmos princípios ou regras de direito.

 Relativamente às classificações das cumulações, segundo o Professor Miguel Teixeira de Sousa e a Professora Cecília Anacoreta Correia, existem várias classificações no que diz respeito à cumulação de pedidos, sendo que o artigo 4º, nº 1 do CPTA permite a distinção com base no critério da estrutura da cumulação. Assim sendo distingue entre cumulação simples, em que o autor pretende a procedência de todos os pedidos realizados por si e consequentemente a produção dos seus efeitos , a cumulação alternativa (artigo 47º nº 1 do CPTA), onde o autor pretende a procedência de todos pedidos, mas só quer a satisfação da prestação que o demandado escolher, e, por fim, a cumulação subsidiária (artigos 32º nº9 e 47º nº4 do CPTA) em que com a apresentação do pedido principal, o autor apresenta também um pedido subsidiário.

 Relativamente aos requisitos e olhando ao artigo 1º do CPTA, a lei de processo civil é aplicada supletivamente ao contencioso administrativo, devem assim ser aplicados à cumulação de pedidos os requisitos exigidos para a cumulação de pedidos no processo civil, que são os seguintes: Compatibilidade substantiva entre os pedidos que irão ser cumulados, conexão objetiva entre os pedidos formulados e compatibilidade processual entre os referidos pedidos.

 O CPTA regula, ainda, o critério geral para a fixação do valor da causa no caso de cumulação de pedidos. Nos termos do Artigo 32º nº7, estipula-se que o valor da causa corresponde à soma dos valores de todos os pedidos cumulados, mas que cada um deles é considerado em separado par o efeito de determinar se a sentença pode ser objeto de recurso. Porém, no caso de pedidos alternativos, atende-se unicamente ao pedido de valor mais elevado e, no caso de pedidos subsidiários, ao pedido formulado em primeiro lugar, segundo o Artigo 32º nº9. Por fim, o código esclarece que na fixação do valor se atende, somente, aos interesses já vencidos, nos termos do Artigo 33º nº8.

 Para além da possibilidade de cumulação no início do processo jurisdicional, o CPTA possibilita a cumulação sucessiva de pedidos. Esta possibilidade está especialmente regulada no âmbito da ação administrativa especial, cujo objeto processual o legislador permite que seja ampliado à impugnação de novos atos que venham a ser praticados no âmbito do mesmo procedimento em que se insira o ato originariamente impugnado.

 Concluindo, e indo ao encontro da ideia estabelecida pela Professora Cecília Anacoreta Correia, a cumulação de pedidos veio fazer com que o tribunal possa evitar a proposição de várias ações com o mesmo fundamento e veio também diminuir as custas processuais do autor. Ou seja, permite evitar que o sistema de administração de justiça tenha de lidar com processos duplicados, aliviando assim o trabalho dos juízes.

Bibliografia:

- Correia, Cecília Anacoreta. “O principio da cumulação de pedidos no Código de Processo nos Tribunais Administrativos, em especial em sede executiva.” Estudo em homenagem ao Prof. Doutor Jorge Miranda. Coimbra Editora, 2012. 219-241.

- Sousa, Miguel Teixeira de. “Cumulação de Pedidos e Cumulação Aparente no Contencioso Administrativo.” Cadernos de Justiça Administrativa Julho/Agosto de 2002.



Francisco Calheiros - 140115143


Os Tribunais Administrativos

       Atualmente existem quatro categorias de tribunais na ordem jurídica portuguesa: o Tribunal Constitucional, a Ordem dos Tribunais Judiciais, os Tribunais Administrativos e Fiscais, e o Tribunal de Contas (artigo 209.º da Constituição da República Portuguesa). Nos artigos 210.º e seguintes a CRP regula cada uma destas jurisdições.
O artigo 212.º/1 estabelece que “O Supremo Tribunal Administrativo é o órgão superior da hierarquia dos tribunais administrativos e fiscais, sem prejuízo da competência própria do Tribunal Constitucional”.
Importa ainda referir o artigo 57.º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais que nos diz que “os juízes da jurisdição administrativa e fiscal formam um corpo único e regem-se pelo disposto na Constituição da República Portuguesa, por este Estatuto e demais legislação aplicável e, subsidiariamente, pelo Estatuto dos Magistrados Judiciais, com as necessárias adaptações.”.
            Os tribunais administrativos e fiscais encontram-se organizados em três ordens de tribunais, os tribunais de primeira instância, os tribunais de segunda instância (Tribunais Centrais Administrativos) e o Supremo Tribunal Administrativo.      
Os tribunais administrativos e fiscais de primeira instância são regulados separadamente, uma vez que julgam em matérias distintas (artigos 8.º/1, e 39.º a 50.º do ETAF). Contudo, por determinação do Ministro da Justiça, os tribunais administrativos de círculo foram agregados a tribunais tributários, adotando a designação de tribunais administrativos e fiscais. Existe, contudo, uma exceção a esta agregação, pois o tribunal administrativo de círculo de Lisboa e tribunal tributário de Lisboa são os únicos que não funcionam agregados.  
Em relação aos tribunais administrativos e fiscais de segunda instância, denominados tribunais centrais administrativos Norte e Sul, são atualmente dois, sediados no Porto e em Lisboa.
         Relativamente ao âmbito da jurisdição dos tribunais administrativos e fiscais, o artigo 212.º/3 da Constituição da república Portuguesa dispõe o seguinte: “Compete aos tribunais administrativos e fiscais o julgamento das ações e recursos contenciosos que tenham por objeto dirimir os litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais.”, ou seja, administrar a justiça nos litígios cuja resolução depende da aplicação de normas de Direito Administrativo ou de Direito Fiscal. A distribuição de competências dos tribunais é feita em razão da hierarquia. Assim, o Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais estabelece o quadro das competências da secção de contencioso administrativo do Supremo Tribunal Administrativo - artigos 24.º e 25.º -, da secção dos Tribunais Centrais Administrativos - artigo 37.º - e dos tribunais administrativos de primeira instância - artigo 44.º. 


Beatriz Branco, 140115056







Análise ao artigo publicado pelo jornal Público a 23 de Novembro de 2018

Análise ao artigo publicado pelo jornal Público23 de Novembro de 2018.


            No dia 23 de Novembro de 2018, o jornal Público publicou um artigo no qual o Primeiro-Ministro Português- António Costa afirmou que não havia evidências de Responsabilidade Civil do Estado relativamente à queda da Estrada n.º 255 em Borba.        
O Primeiro-Ministro constatou ainda que o caso era diferente da realidade que se tinha passado em Entre-os-Rios, ou seja, a ponte de Entre-os-Rios era uma infraestrutura do Estado e não do município, pelo contrário a estrada nº255 em Borba seria da competência da autarquia e não do Estado. Contudo, posteriormente, acabou por admitir responsabilidades se se apurar uma falha do Estado.

            Ora vejamos, a estrada municipal que faz a ligação entre Borba e Vila Viçosa no distrito de Évora abateu no dia 19 de novembro de 2018 junto a uma pedreira. Isto poderá ter sido causado pelas deslocações de terra muito propicias em locais como o indicado. Este desabamento provocou danos, incluindo acabou por tirar a vida a várias pessoas que circulavam na estrada pública nesse preciso momento.

            Questionado sobre se o Estado iria assumir as responsabilidades causadas na esfera dos particulares, mais concretamente nas vítimas, o Primeiro Ministro António Costa concluiu, passo a citar: “Como é sabido a estrada [255, que liga Borba a Vila Viçosa] não é uma estrada da gestão do Estado desde 2005”,O primeiro ministro António Costa referiu ainda que a estrada de Borba deixou de ser uma infraestrutura do Estado em 2005, e não lhe competia apurar a responsabilidade do município enquanto titular da estrada. 
            Acabou, no entanto, por concluir que, passo a citar:Se houver uma falha do Estado, com certeza que assumiremos o dever de indemnizar, como fizemos até agora. Se a responsabilidade for de outrem, o Estado não se deve substituir e deve- se respeitar a autonomia do poder local”.

            Ora vejamos, primeiramente, é inadmissível que em pleno século XXI, um troço que liga duas localidades no distrito de Évora caia sem qualquer razão justificativa.
            Relativamente às declarações do Primeiro-Ministro António Costa, por muito que se diga que a estrada é da competência da Autarquia Local ou do Estado, há uma situação de responsabilidade objetiva da administração pública, ou seja, não interessa neste caso, a competência em específico. Podemos então afirmar que existe responsabilidade por parte do Estado. 

            Há responsabilidade por parte do Presidente da Câmara, ou seja, da Autarquia Local porque não foram asseguradas as condições de circulação que deveriam ter sido asseguradas, não foram previstas determinadas situações, nem foram tomadas as medidas de segurança respetivas.

            Há responsabilidade por parte do Estado, contrariamente ao que o Primeiro Ministro António Costa afirma porque, quer o Ministério da Administração Interna, quer o Ministério do Ambiente autorizaram o funcionamento das pedreiras quando não deviam ter autorizado, assim como não fiscalizaram o funcionamento das mesmas quando assim o deviam ter feito. Ou seja, existe responsabilidade pública.

            Também podemos afirmar que houve responsabilidade das entidades privadas, mais concretamente dos donos das pedreiras.

            Existe aqui um concurso de responsabilidades. Ou seja, é preciso lembrar que no quadro do direito Português existe responsabilidade objetiva e esta tem de ser atribuída. Como o professor Vasco Pereira da Silva disse em aula, uma coisa é saber se existem culpados- responsabilidade subjetiva; outra coisa é um caminho público como a estrada de Borba cair- responsabilidade objetiva. 
            Ou seja, as autoridades públicas, perante um troço público como é o caso, quer seja gerido pela Câmara Municipal ou pela Junta Autónoma da Estrada, tem de ser assegurado o pleno funcionamento e as condições de segurança. É por isso que é um caminho público. Estas questões de responsabilidade do Estado vêm desde o célere caso de Agnès Blanco, que marca um dos traumas do direito administrativo. 


Bibliografia:

https://www.publico.pt/2018/11/23/sociedade/noticia/costa-indemnizacoes-borba-ponte-entreosrios-infraestrutura-estado-nao-municipio-1852272

Aulas lecionadas pelo Excelentíssimo professor Vasco Pereira da Silva no âmbito da cadeira de Contencioso Administrativo – turma 1- ano letivo 2018/2019
Inês Sofia Marques Alfacinha- 140115073


Silva, Vasco Pereira da. "O contencioso administrativo no divã da psicanálise: ensaio sobre as acções no novo processo administrativo." 2º edição, Almedina, Lisboa (2009).



Inês Sofia Marques Alfacinha- 140115073

A Arbitragem enquanto meio jurisdicional


A arbitragem é um instrumento geral de resolução de conflitos, vulgar no âmbito do direito internacional público e também no âmbito do direito interno. Trata-se de um negócio jurídico processual através do qual as partes atribuem legitimidade para resolver conflitos a tribunais sem natureza permanente, constituídos ad hoc. Assim, a arbitragem é uma expressão da participação dos cidadãos no exercício das suas funções estatais. É um verdadeiro direito fundamental, um corolário do direito de acesso à justiça e à tutela jurisdicional de acordo com arts.20º/1 e 268º/4 CRP.
Existem varias modalidades de arbitragem: a não institucional e a institucional. A primeira é uma arbitragem não permanente, pelo que se extingue com a resolução do litígio. Esta forma de arbitragem encontra a sua base legal na Lei da Arbitragem Voluntária (LAV).
A segunda já é uma arbitragem permanente, em que a resolução de litígios se desenvolve numa instituição permanente, como resulta do art.187º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA).
Pode distinguir-se a arbitragem voluntária da arbitragem necessária, sendo que a primeira é aquela que depende da vontade das partes, e a segunda é imposta por lei, ficando as partes impedidas de recorrer aos tribunais judiciais. É sobre a primeira que me vou focar nesta análise.
A Constituição autoriza os tribunais arbitrais a luz do art.209º/2, pelo que pode dizer-se que não vigora em Portugal uma reserva de jurisdição estadual no que concerne aos litígios que envolvem a Administração Pública A CRP não se limita a “assumir a admissibilidade do recurso à arbitragem como uma forma normal de resolver conflitos jurídicos, mas vai mais longe, consagrando, de modo inequívoco, a natureza jurisdicional dos tribunais arbitrais, da atividade que eles são chamados a desempenhar e, portanto, das decisões que por eles são proferidas”. Portanto, isto Significa que os tribunais administrativos não são apenas os tribunais permanentes do Estado, previstos na lei, mas são também os tribunais (administrativos) arbitrais que venham a ser constituídos para dirimir litígios jurídico-administrativo.
Os tribunais arbitrais têm inúmeras vantagens do ponto de vista do estímulo da actividade privada, designadamente da económica. A arbitragem tem hoje um papel fundamental em matéria administrativa que surgiu pela necessidade de a resolução de litígios complexos emergentes de relações jurídico-administrativas que manifestarem um certo grau dificuldade para os juízes administrativos do Estado, à qual melhor responderiam melhor os tribunais arbitrais, com juízes especializados nas matérias que vão julgar, permitindo assim alcançar uma decisão adequada ao litígio concretamente em apreço. Além disto, os árbitros também procedem à gestão da marcha do processo, com o acordo e por vezes até colaboração das partes, pelo que à uma decisão mais célere do concreto litígio.
Esta via de resolução esta consagrada no art. 180 do Código do Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA) O acordo entre as partes pode ter por objecto um litígio já existente, caso em que se chama compromisso arbitral ou um litígio que possa emergir potencialmente, caso em que se chama cláusula compromissória. Através deste acordo, as partes podem conformar os poderes de decisão do tribunal. Com efeito, as partes podem atribuir aos tribunais arbitrais o poder de decidir de acordo com a equidade. Se assim não for, os tribunais arbitrais devem aplicar o direito como o fariam os tribunais comuns.
Apesar de a constituição dos tribunais arbitrais pressupor um acordo entre as partes interessadas, a arbitragem tem natureza jurisdicional e não contratual. O acordo é apenas o pressuposto para o acesso ao exercício pelos particulares de uma função (jurisdicional) cuja origem o transcende.
MEIOS NÃO JURISDICIONAIS
Da resolução de conflitos jurisdicionais através dos tribunais arbitrais deve distinguir-se criteriosamente a resolução de conflitos através de instituições que não são tribunais. O n.º 4 do art. 202 da CRP permite a criação destas instituições pois que deixa claro que a lei ordinária poderá institucionalizar instrumentos e formas de composição não jurisdicional de conflitos. Os conflitos que são resolvidos através destas instituições não são jurisdicionais, pelo que os mesmos não fazem parte da justiça administrativa em sentido material e as entidades em causa não integram a justiça administrativa em sentido orgânico. Não estamos, portanto, perante meios alternativos de justiça mas sim perante mecanismos de conciliação, de mediação e de transacção.
 A lei permite que os conflitos relacionados com determinadas matérias de direito administrativo sejam compostos através destes meios não jurisdicionais. Nesta conformidade, os poderes de conciliação, mediação ou consulta no âmbito de procedimentos de impugnação administrativa de que podem dispor, por força do n.º 3 do art. 187, os centros de arbitragem não são jurisdicionais.
OS LIMITES CONSTITUCIONAIS E LEGISLATIVOS DA COMPETÊNCIA DOS TRIBUNAIS ARBITRAIS
O tribunal arbitral exprime e concretiza o direito de acesso à justiça e à tutela jurisdicional dos particulares que o criam. Como direito fundamental que é, a constituição de tribunais arbitrais é livre, ficando, no entanto, sujeita aos limites expressos e implícitos decorrentes da CRP. A CRP não prevê limites expressos à competência dos tribunais arbitrais. Mas isso não significa que o direito dos cidadãos se possa exercer numa zona livre de disciplina jurídica ou seja, que não existam condicionamentos constitucionais ao exercício respectivo.
A criação de tribunais arbitrais deve respeitar a reserva de competência legislativa relativa da Assembleia da República - art.165º/1-p) CRP. Significa isto que embora o direito de livre constituição de tribunais arbitrais seja um direito fundamental dos cidadãos, este só pode ser exercido dentro de um quadro de legalidade definido pela norma parlamentar ou diploma equivalente (arts.165º/1-p) e 2).
Para além disto, existem limites explícitos e implícitos à competência dos tribunais arbitrais. No que concerne aos implícitos, da ordem jurídica constitucional não resulta outro limite à liberdade de constituição de tribunais arbitrais que não seja o da própria natureza das coisas, nos termos da qual não podem constituir-se tribunais arbitrais no âmbito de relações jurídicas sobre as quais as partes não podem dispor ou seja, no âmbito de direitos e interesses indisponíveis. O interesse público prevalece aqui sobre os interesses privados em confronto na autodiceia exigindo a intervenção de um tribunal qualificado na composição do conflito. Não são assim possíveis tribunais arbitrais para o julgamento de questões de inconstitucionalidade ou de ilegalidade de normas. Tais questões constituem reserva de competência dos tribunais estatais.
 A constituição e funcionamento destes tribunais devem respeitar as disposições da LAV (art.181º CPTA), embora normas especiais sobre a disciplina da arbitragem no âmbito administrativo prevaleçam sobre as normas da LAV. É aliás exigida lei especial para a constituição do tribunal arbitral. Está aqui presente a regra segundo a qual a lei especial prevalece sobre a lei geral.
Deste modo, arbitragem tem de ser vista como uma forma de exercício da função jurisdicional tão digna como aquela que é exercida pelos tribunais do Estado, o que se compreende desde logo pelo facto de o art.209º CRP não fazer uma distinção destes dois.
Isto significa que, para além de os tribunais arbitrais exercerem uma função judicial, não constituindo como tal uma forma de exercício de justiça privada, sobre os árbitros recaem garantias de isenção e independência análogas às dos juízes do Estado, pois estes não são árbitros de parte.
Outro limite retira-se do art.185º CPTA: a arbitragem está excluída para a responsabilidade civil por prejuízos decorrentes do exercício da função política e legislativa ou da função jurisdicional. Esta matéria é da exclusiva competência dos tribunais administrativos – art.4º/1-f) Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF). Além destes, encontram-se outros limites explícitos, quanto à execução da sentença dos tribunais administrativos, alguns casos de contratos administrativos (art.313º/3 Código dos Contratos Públicos) e atos administrativos (art.180º/1-a) CPTA que não permite a arbitrariedade de atos administrativos pré-contratuais), cuja competência está reservada aos tribunais estaduais
     ´
O REGIME JURÍDICO DA ARBITRAGEM
De acordo com o n.º 1 do art. 181 do CPTA, o tribunal arbitral funciona nos termos da lei sobre a arbitragem voluntária. No entanto, deve entender-se que as normas especiais sobre a disciplina da arbitragem no âmbito administrativo prevalecem sempre sobre as normas da LAV. Com efeito, a lei especial prevalece sempre sobre a geral
De acordo como n.º 1 do art. 1 desta lei, os litígios podem ser cometidos pelas partes à decisão de árbitros, mediante convenção de arbitragem. Esta  pode consistir num compromisso arbitral ou numa cláusula compromissória, consoante o litígio seja actual ou eventual, respectivamente
É, todavia, certo que o regime da arbitragem no direito administrativo comporta certas especialidades, como não podia deixar de ser, que, aliás, o CPTA acautela. Assim se compreende que a outorga do compromisso arbitral por parte do Estado deva ser objecto de despacho do ministro da tutela, nos termos do n.º 1 do art. 184 do CPTA, despacho esse que compete, tratando-se de outras pessoas colectivas públicas, ao presidente do respectivo órgão dirigente ou ao governo regional e ao órgão autárquico que desempenha funções executivas, como rezam os n.os 2 e 3 do mesmo artigo. Sem aquele despacho não há compromisso arbitral.
Da sentença arbitral há recurso, nos termos do n.º 2 do art. 186 do CPTA e convem referir que só não há recurso se as partes convencionaram que o tribunal arbitral decidisse segundo a equidade, pois que os tribunais de recurso apenas conhecem do direito. Tal recurso para os tribunais está por vezes excluído por norma especial.
 As decisões dos árbitros podem ser anuladas pelo TCA, de acordo com o n.º 1 do art. 186, nos termos gerais em que um tribunal judicial pode anular as decisões arbitrais ou seja, nos termos do art. 27 da LAV.
Para a execução das sentenças dos tribunais arbitrais que versem sobre matérias da competência dos tribunais administrativos, são competentes estes últimos de acordo com o processo aí aplicável conforme o art. 30 da LAV. Deste modo, não há, portanto, arbitrabilidade da execução de sentenças, mesmo que dos tribunais arbitrais. Neste domínio há uma verdadeira reserva de competência dos tribunais estatais.



Catarina Barbosa 140115037



A Responsabilidade civil no âmbito do contencioso administrativo

A Responsabilidade civil no âmbito do contencioso administrativo


                 Este post vai incidir sobre a responsabilidade civil no âmbito do contencioso administrativo. Podemos perguntar-nos: O que é a responsabilidade civil? Em que consiste a responsabilidade civil? Podemos delinear de forma simplificada a responsabilidade civil como a obrigação de responder pelos danos causados. 
                  João Caupers determina este conceito jurídico como a “ideia de sujeição às consequências de um comportamento”. E a responsabilidade da administração? Diogo Freitas do Amaraldefine a responsabilidade da administração como“a obrigação jurídica que recai sobre qualquer pessoa coletiva pública de indemnizar os danos que esta tiver causado aos particulares, seja no exercício da função administrativa, seja no exercício de atividades de gestão privada.” 

                  O que é que podemos retirar daqui? Podemos retirar que a administração publica não só é responsável pelos atos e omissões praticados ao abrigo da gestão pública como também por aqueles praticados ao abrigo da gestão privada.
                  Uma das patologias esquizofrénicas que ainda hoje persegue o contencioso administrativo é a diferenciação, sem qualquer cabimento entre os atos de gestão pública e os atos de gestão privada que vamos esclarecer de seguida. 
                A responsabilidade civil pelos atos de gestão privada da administração é disciplinada pelo código civil. 
                  Já a responsabilidade civil pelos atos de gestão pública pode ser de dois tipos como acontece no direito privado: pode ser contratual ou extracontratual. A responsabilidade civil contratual vai ser pautada pelos códigos dos contratos públicos, já a extracontratual vai ser regulada por um ato de gestão pública- regulada pela 67/2007, de 31 de Dezembro retificado pela Lei n.º 31/2008, de 17/07.
Ou seja, quando o estado causa um dano aos particulares este não vai estar sujeito às regras gerais da responsabilidade civil, mas a um estatuto especial presente na lei 67/2007, de 31 de Dezembro,retificada pela Lei n.º 31/2008, de 17/07.

                  A responsabilidade do Estado no ordenamento jurídico português está presente na Constituição da República Portuguesa no artigo 22º- Responsabilidade das entidades públicas- esta norma tem de conjugada com o artigo 271º da CRP sobre a responsabilidade dos funcionários e agentes do Estado. 
                  Contudo as duas normas versam sobre diferentes perspetivas, o artigo 22º tem em conta a figura máxima do Estado e as entidades públicas que atuam em representação deste, visto que o Estado pode atuar interferindo na esfera jurídica de outrem; já o artigo 271º versa sobre aqueles que se encontram vinculados às entidades estatais, e que em seu nome agiram e tomaram decisões, ou seja, vão ser responsabilizados pelas suas ações.
                  
                  Contudo, a responsabilidade do Estado no ordenamento jurídico português não está apenas presente na CRP. Existe um diploma que regula grande parte desta matéria que foi mencionado acima- 67/2007, de 31 de Dezembro - Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e demais Entidades Públicas. 
                  Podemos, no entanto, verificar que existem diversas normas que se assemelham ao regime civil. Isto fez com que durante muito tempo houvesse uma confusão no ordenamento jurídico português, por interpretação discordante com o espírito da lei ou mesmo pela tentativa de aplicação de um regime mais favorável. Vamos agora aprofundar as alterações/modificações que foram feitas ao longo dos anos subjacente a esta matéria.

EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO

                   A responsabilidade civil da administração pública é um assunto relativamente recente, é uma realidade que tem vindo a sofrer alterações ao longo do tempo, nomeadamente na sua aplicação ao Estado e às entidades públicas. 
                  Durante muito tempo, o Estado não teve nenhum estatuto específico de responsabilidade- “O Estado não podia errar”.Ou seja, quem é que podia errar neste caso? Somente aquelas pessoas que estavam a cargo do estado, essas sim podiam ser responsabilizadas pela prática de atos ilegais. O Estado não era responsável perante qualquer dano que provocasse aos privados, ou seja, mesmo que o Estado provocasse danos na esfera do privado (exemplo caso de Agnès Blanco), este não era responsável, não tinha assim de pagar os danos que tinha causado ao privado.

                  Contudo, o constitucionalismo moderno trouxe algumas inovações em relação a esta matéria. Uma das inovações foi a limitação por lei da atuação de todos os órgãos do estado, ou seja, estes tinham de respeitar o famoso princípio da legalidade.  A ideia errónea de que o “Estado não podia errar e consequentemente não era alvo de responsabilidades”,foi alterada radicalmente com a Revolução Francesa de 1789.

                  Contudo, em Portugal esta situação prolongou-se até mais tarde concretamente até à constituição de 1822. Na constituição de 1822 já estavam presentes várias indicações relativamente à responsabilidade dos funcionários do reino pelos danos ilícitos cometidos no exercício das suas funções públicas- por exemplo: artigo 6º do título I- ou seja, em relação a matérias respeitantes ao direito de propriedade e o artigo 14º relativamente à responsabilidade dos funcionários/empregados públicos.
Embora já tenha estado presente a responsabilidade por erro judiciário no código de 1867 mais concretamente no seu artigo 2403º, só mais tarde, concretamente, com a reforma do código civil feita em 1930 (artigo 2399º) e com o código administrativo de 1936(Relativamente à responsabilidade das autarquias locais- artigos 366º e 367º) - viria a ser consagrada a responsabilidade civil extracontratual das entidades públicas.

O artigo 8º, número 17 da Constituição de 1933 já consagrava entre os direitos dos cidadãos, o da reparação de toda a lesão efetiva. Contudo este artigo muitas vezes foi interpretado de forma errónea, ou seja, quem saia prejudicado era os particulares e não o Estado.

Posteriormente, o decreto-lei nº48.051 de 21 de Novembro alargou o âmbito à administração pública, fixando o quadro legal da responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais pessoas coletivas públicas por atos de gestão pública. O artigo 1º afirmava que a responsabilidade civil extracontratual do estado e as pessoas públicas no domínio da gestão pública regiam-se por esse decreto-lei se não estivesse previsto em leis especiais. Já o seu artigo 3º focava-se na responsabilidade civil extracontratual dos titulares dos órgãos administrativos do estado e das demais pessoas coletivas públicas perante terceiros quando estivessem perante atos ilícitos que ofendessem os direitos dos terceiros ou as disposições legais destinadas a proteger os seus interesses- por exemplo, quando tivessem excedido os limites das suas funções, ou se houvesse dolo quando as praticassem.

                  Contudo, só com a constituição de 1976 é que se deu a completa afirmação deste princípio- artigo 22º da CRP. No entanto, um dos passos mais importantes em relação a esta matéria deu-se com a lei nº67/2007 de 31 de Dezembro, retificada posteriormente pela lei nº 31/2008 de 17 de Setembro.    Esta é a lei reguladora da responsabilidade civil pública. Esta lei vai ser inovadora em Portugal, visto que é a primeira a consagrar um regime da responsabilidade civil pública que abrange todos os poderes do Estado regulando não só a responsabilidade civil do exercício da função administrativa como também o exercício da função legislativa e jurisdicional; também é inovadora porque acaba por instituir a responsabilidade solidaria da administração pública- uma exigência constitucional.

                  Contudo, apesar de este diploma ter marcado um momento importante no quadro da evolução do contencioso da responsabilidade civil pública, estas normas não tiveram condições para resolver um dos problemas mais importantes do Contencioso Administrativo: o de acabar com a distinção esquizofrénica entre responsabilidade por atos de gestão pública e atos de gestão privada. Segundo o professor Vasco pereira da silva o regime acaba por ser equívoco, gerando duvidas hoje em dia. Os professores Marcelo rebelo de sousa e André salgado de matosconsideram que o legislador não afastou a distinção. 
                  No artigo 1º nº2 o legislador fala em prorrogativas de poder público, o que aponta para a manutenção da esquizofrenia. O professor Vasco Pereira da Silva concorda com os professores Marcelo Rebelo de Sousa André Salgado Matos relativamente à equivocação que o legislador provocou, contudo acaba por acrescentar que o legislador incorreu em responsabilidade civil por ato da função legislativa pois não regulou aquela única coisa que não podia deixar de regulamentar, o legislador tinha a obrigação de resolver esta esquizofrenia. 
                  No entanto, o professor Vasco Pereira da Silva encontra um sentido, e isto faz com que considere que os professores Marcelo Rebelo de Sousa e André Salgado Matos não tenham necessariamente razão, há um “ou” que diz respeito aos princípios de direito administrativo.
                  O artigo 2º nº 3 do CPA diz-nos que, “os princípios gerais da atividade administrativa e as disposições do presente código que concretizam preceitos constitucionais são aplicáveis a toda e qualquer atuação da Administração Pública, ainda que meramente técnica ou de gestão privada”.
                  Ou seja, podemos entender que esta remissão do artigo 1º/2 para os princípios de direito administrativo permite a unificação de toda a responsabilidade civil no âmbito de aplicação destas normas- o que está em causa é a responsabilidade civil decorrente da violação de disposições ou princípios de direito administrativo e estes, por sua vez, aplicam-se a atividades de gestão técnica e privada. Ou seja, o legislador tomou a opção adequada, mas de forma disfarçada.A jurisprudência, no entanto, tem-se mantido na logica da gestão púbica. 

Em 2015 deu-se a “reforma da reforma”, contudo esta não teve alterações significativas. O legislador estabeleceu em 2004 a obrigatoriedade de revisão ao fim de 4 anos do balanço do modo como os tribunais administrativos estavam a atuar e se era preciso efetuar algumas alterações à reforma de 2004. Esta reforma deveria ter sido realizada em 2008, no entanto só foi realizada em 2015. Contudo, não houveram alterações significativas, apenas algumas alterações a certas normas.



Bibliografia:

Aulas lecionadas pelo Excelentíssimo professor Vasco Pereira da Silva no âmbito da cadeira de Contencioso Administrativo – turma 1- ano letivo 2018/2019

Do Amaral, Diogo Freitas, and Lino Torgal. Curso de Direito Administrativo, Almedina, 2011.

Silva, Vasco Pereira da. "O contencioso administrativo no divã da psicanálise: ensaio sobre as acções no novo processo administrativo." 2º edição, Almedina, Lisboa (2009).


Inês Sofia Marques Alfacinha- 140115073

Intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias

Intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias


A intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias está regulada no art.º 109 e ss do Código do Processo nos Tribunais Administrativos (doravante CPTA).  

Este meio processual tem uma base constitucional, o art.º 20º, nº5 da Constituição impõe a consagração de procedimentos judiciais céleres e prioritários para os direitos, liberdades e garantias pessoais, de forma a que seja garantida uma tutela efetiva e em tempo útil contra lesões ou ameaça de lesão. 

O CPTA fez o quê? Ampliou o âmbito de tutela. Não falamos apenas de direitos liberdades e garantias pessoais consagrados na Constituição, mas qualquer categoria de direito, liberdade e garantia. Mais, aos Direitos, Liberdades e Garantias devem ser adicionados os direitos fundamentais análogos, sujeitos ao mesmo regime jurídico. Dito isto, importa dizer que, a Constituição não exige que a tutela dos direitos, liberdades e garantias pessoais seja feita necessariamente e exclusivamente por um meio processual ad hoc

Quando se verifica a necessidade deste meio processual? Só excepcionalmente é que se verifica a necessidade deste meio processual. A maioria das situações a tutela de direitos, liberdades e garantias é feita pelos mesmos meios processuais dos interesses legalmente protegidos ordinários. Os procedimentos judiciais céleres e prioritários a que se refere o art.º 20º, nº5 da Constituição podem ser os genericamente aplicáveis, desde que sejam úteis e com tutela efetiva. A justificação deste meio especial só se justifica quando o autor demonstre a necessidade urgente de tutela do direito, liberdade e garantia e a inexistência de outros meios processuais que confiram de modo efetivo a tutela. 

E porquê? Porque os meios disponíveis, nomeadamente as providências cautelares, são suficientes para o caso concreto, muitas vezes. 

A necessidade de decisão de mérito significa que a tutela a conferir aos Direitos, Liberdades e Garantias tem que ser uma tutela assegurada a título definitivo, ou seja, não basta a tutela provisória, concedida pelos meios da tutela cautelar. As providências cautelares aqui dão uma tutela provisória e precisamos de uma definitiva. E porque é que não basta a tutela provisória? Na maioria dos casos, deriva do caráter acessório. Ou seja, a tutela cautelar é uma tutela provisória e instrumental relativamente à tutela obtida pelo meio processual. Pode haver situações em que o particular necessite de tutela definitiva, tem que haver uma decisão definitiva. O juiz vai estatuir definitivamente sobre o mérito, em vez de decidir em termos meramente provisórios. Quando é que isto acontece? Nomeadamente, quando os direitos têm que ser exercidos em determinado momento temporalPortanto, a tutela através da intimação é uma tutela de mérito, definitiva, que se justifica quando seja insuficiente ou impossível uma tutela cautelar

Exercício em tempo útil? é necessário garantir o exercício em tempo útil dos Direitos, Liberdades e Garantias. É urgente garantir o exercício daquele direito. Para que possamos admitir a utilização da intimação para a proteção de Direitos, Liberdades e Garantias, a situação deve configurar-se em termos tais, que se recorresse a outros meios processuais, correr-se-ia o risco de irreversibilidade da situação ou inutilidade da decisão do juiz. 

Quando é que não existe direito? Se houver uma situação que lese um Direito, Liberdade e Garantia, mas que se tem vindo a prolongar no tempo, justificar-se-á recorrer à intimação? Isto provavelmente significa que não há requisitos de urgência que justifiquem a utilização da impugnação. Tem que haver, entre outros requisitos, uma situação de urgência tal que não possa ser satisfeita através de recurso a outros meios, incluindo as providências cautelares do artigo 134º.

O que é que leva o particular a preferir optar por estas intimações em vez de uma providência. O que é que o regime de intimações acrescenta? Há uma tutela definitiva. Qual é a designação deste pressuposto? Emissão urgente de uma decisão de mérito. A emissão urgente de uma decisão de mérito é um conjunto de pressupostos que depende a aplicação da intimação. Emissão urgente de uma decisão de mérito. Urgente porque de facto é necessário tutelar em termos céleres um direito, liberdade e garantia, mas essa tutela, tem de ser definitiva, de mérito, não se compadecendo com uma tutela meramente provisória. Quando é que isto acontece? Em poucos casos. 

Legitimidade processual: a letra da lei não exige que a intimação seja requerida pelo titular do Direito, Liberdade e Garantia. O que parece querer dizer, segundo alguns, que este meio estaria aberto à ação pública e popular. Será que é assim? Provavelmente não. Permitir que alguém que não o titular do Direito, Liberdade e Garantia recorresse à intimação, significava retirar a disponibilidade sobre os Direitos, Liberdades e Garantias ao titular. Uma das vertentes fundamentais do direito é a disponibilidade do titular sobre o mesmo. Em relação à legitimidade passiva, temos que ver o nº2.

Maria Margarida Nogueira
140115076

Procedimento cautelar - Uma necessidade do Contencioso

Foi uma necessidade do Contencioso Administrativo o surgimento dos processos cautelares de forma a “ assegurar a utilidade da sentença a proferir nesse processo” (art.112 nº1 CPTA). As providências cautelares visam precisamente impedir que, durante a pendência de qualquer ação, a situação de facto se altere de modo a em que a sentença nela proferida, sendo favorável, perca toda a sua eficácia ou parte dela. Pretende-se, deste modo, combater o periculum in mora (prejuízo da demora inevitável do processo), a fim de que a sentença não se torne uma decisão puramente platónica.  As providências cautelares identificam-se, então pela sua função, ou seja, aquilo para que servem – objetivo de garantir a utilidade da sentença futura da ação. É uma medida que visa revelar a situação de facto entre as partes de uma ação, de forma provisória, na pendência, estando a ação já proposta ou a propor, com o objetivo de garantir que a sentença final seja útil. O direito de ação é o direito a uma tutela jurisdicional efetiva ( art.º 20 da CRP) – não temos só o direito a obter uma sentença no final da ação, mas sim, a obter uma sentença que seja útil e que torne o direito efetivo.
Assim sendo, estas medidas cautelares surgem numa relação de instrumentalidade em relação ao processo principal.
       Com efeito, é com a reforma de 2002/2004 que em Portugal se vai instaurar estes mecanismos de tutela cautelar. Estes mecanismos são fundamentais para a defesa dos interesses dos particulares uma vez que permitem, a esses, o requerimento de uma medida judicial quando tiverem sério receio de uma lesão grave de forma a assegurar a efetividade do direito ameaçado. No artigo 112 do CPTA temos presente um Principio de Cláusula Aberta nos procedimentos cautelares – todos são possíveis para salvaguardar o efeito útil das sentenças. Temos no nº2, a título exemplificativo, mas que correspondem à maior parte das situações do contencioso em que se justifica uma medida provisória. Apesar de em larga medida este artigo ter sido bem recebido pela doutrina, na sequência de todas as transformações que ocorreram no contencioso, a alínea i) gerou alguma polémica. O professor Freitas do Amaral, na sua publicação Cadernos de Justiça Administrativa, elogia o legislador por ter aberto a realidade cautelar para o contencioso mas que essa alínea era um pouco excessiva visto que ponha em causa o sistema da justiça administrativa. Segundo essa alínea, há uma obrigação da Administração Pública ir a tribunal antes de tomar uma decisão de forma a garantir a eficácia das suas decisões. Contudo, o professor Vasco Pereira da Silva não concorda de todo com o argumento utilizado pelo professor Freitas do Amaral uma vez que peca pelo seu exagero. A alínea i) consiste num procedimento cautelar de natureza preventiva - antecipa-se ao comportamento da Administração Pública visto que há uma alegada contrariedade ou receio de contrariedade de uma norma jurídica. Se há no quadro do comportamento da AP uma ameaça de lesão ou receio de lesão efetiva do direito e mesmo que a lesão só aconteça no futuro, o particular pode adotar uma medida de forma a reagir contra essa eventual lesão. Essa alínea é rigorosa nos pressupostos que fixa – possibilidade de uma atuação preventiva mas perante uma situação séria de ameaça. De forma exemplificativa: um particular tem um fundado receio que a execução de um ato administrativo pela AP ponha em causa as disposições do PDM (plano diretor municipal), há uma ameaça de lesão pelo que a AP deve omitir esse ato administrativo. Há uma antecipação pela ameaça de lesão que só se concretizará no futuro mas também, há um fundado receio da existência dessa lesão. Assim, é perfeitamente plausível a adoção de medidas cautelares nestes casos de forma a evitar essas lesões. Salientar que estas medidas cautelares não põem em causa a AP, o que poderia por em causa seria a ocorrência da efetiva lesão num momento posterior. Encontramos assim uma lógica de procedimento cautelar alargada à tutela integral efetiva dos direitos particulares, defendida pelo princípio de cláusula aberta e pela enumeração exemplificativa.
      De seguida iremos fazer uma breve análise a alguns artigos do CPTA referentes ao procedimento cautelar. O processo cautelar pode ser apresentado antes da instauração do processo judicial, conjuntamente com a petição inicial ou ainda, já no decorrer do processo. Concluímos então que pode ser requerido a todo o tempo – art.º. 114. Há uma relação de dependência/instrumentalidade com a causa principal e tem uma tramitação autónoma – art.º 113. Há também várias regras em relação á caducidade das providências cautelares visto que há vários prazos a respeitar – art.º 123. Por exemplo, se apresentar a providência e não expor a petição inicial dentro do prazo, aquela caduca. Segundo o artigo 115 há a possibilidade de chamar a juízo outros particulares – os contrainteressados. Em relação aos critérios de decisão cautelar, a partir de 2015 houve uma alteração referente às regras que vigoravam desde 2002/2004. Antes estabelecia-se uma presunção de providência cautelar – o juiz atendia à gravidade da decisão para as partes e, se o procedimento acarretasse lesão grave para AP presumia-se uma ameaça para o interesse público. Esta presunção não fazia qualquer sentido uma vez que estamos perante uma questão de mérito. Em 2015 acabou-se com esta presunção e agora, o que o juiz faz é comparar os interesses dos particulares e da AP e adotando regras de proporcionalidade decidir quem tem razão e a quem causa mais prejuízo o procedimento, mas tendo sempre em conta critérios de proporcionalidade.
      Numa última análise, iremos fazer uma breve referência ao artigo 128 do CPTA. Segundo o professor Vasco Pereira da Silva este artigo é absurdo e carece de inconstitucionalidade por pôr em causa o artigo 268 da CRP. Concluímos pelo 128 nº1 que pode haver possibilidade de suspensão automática da execução. É estranho que seja automática uma vez que deve ser o juiz, dentro de um prazo, a decidir de pode executar ou não. Permitir que se possa discutir sobre um ato administrativo e só depois sobre a providência cautelar consubstanciará num procedimento ainda mais demorado.

António Mendes
140115150

A Dúvida da Mafalda: Contencioso dos Procedimentos de Massa




A Dúvida da Mafalda: Contencioso dos Procedimentos de Massa



  O contencioso dos procedimentos de massa é um dos processos urgentes existentes no contencioso administrativo português, estando a meio caminho entre o procedimento cautelar e o processo principal e está regulado nos artigos 97º nº1 alínea b) e 99º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (doravante CPTA).

  Este procedimento destina-se aos casos em que estão em causa acções respeitantes à prática ou omissão de actos administrativos em certos domínios e em que existe uma multiplicidade de sujeitos a pretender impugnar essa mesma actuação ou omissão, nomeadamente mais de 50 participantes. Através deste meio processual pretende-se então adaptar o contencioso administrativo à litigância de massa.

  A sua finalidade principal é evitar a propositura de diversas acções em diversos tribunais, promovendo assim a uniformidade de jurisprudência, ao garantir um tratamento igual para situações iguais. Para tal, existe a concentração num único processo, que corre num único tribunal, designadamente no tribunal da sede da entidade demandada, tal como resulta do artigo 99º nº2 segunda parte CPTA, das várias pretensões dos participantes. Nos termos do artigo 99º nº4 CPTA, uma vez proposta a primeira acção, os demais interessados devem reagir judicialmente, apresentando as respectivas pretensões, nesse mesmo processo, existindo assim uma apensação obrigatória dos processos subsequentes ao que tiver sido instaurado em primeiro lugar.

  Trata-se de um processo urgente que pretende promover a celeridade processual das decisões judiciais, tendo por isso uma tramitação mais simples e prazos bastante reduzidos. De acordo com o artigo 99º nº2 primeira parte, nº5 e nº6 CPTA, estabelecem-se os seguintes prazos: o prazo de 1 mês para a propositura da acção, o prazo de 20 dias para a contestação, o prazo de 30 dias para a decisão do juiz ou do relator, ou para o despacho deste a submeter o processo a julgamento, o prazo de 10 dias para os restantes casos e, nos processos da competência de tribunal superior, o processo é julgado na primeira sessão após o despacho que submeta o processo a julgamento.

  Do artigo 99º nº1 CPTA resulta que este procedimento se aplica apenas a certos domínios, nomeadamente àqueles em que se presume que o litígio será “de massa”: 1) nos concursos de pessoal com mais de 50 participantes, 2) nos procedimentos de realização de provas com mais de 50 participantes e 3) nos procedimentos de recrutamento com mais de 50 participantes. 

  A Profª. Carla Amado critica este procedimento de massa, dizendo que, normalmente, em todos estes casos, se ultrapassa o referido limiar de 50 participantes, pelo que, no final de contas, o âmbito de aplicação deste procedimento abrange todo o contencioso da função pública, tratando-se de um alargamento excessivo que leva a que “quando tudo é urgente, nada é urgente”. O Prof. Vasco Pereira da Silva, por sua vez, não concorda com a crítica apontada, entendendo que se trata de processos relativamente restritos e em relação aos quais a urgência é justificada em razão da multiplicidade de sujeitos e da necessidade de uma decisão judicial.


  Por último, importa referir que este procedimento não se confunde com os processos em massa, também conhecidos por “processos de massinha”, que constam do artigo 48º CPTA. Estes processos têm lugar quando existam entre 10 e 50 participantes, existindo a realização de um único julgamento, em que se dá andamento prioritário a apenas um dos processos e suspendendo-se os demais até ser proferida uma sentença transitada em julgado relativamente ao primeiro processo. No final, pergunta-se aos sujeitos dos processos suspensos se pretendem aderir àquela sentença ou se preferem que o seu caso seja julgado autonomamente, nomeadamente por entenderem que o seu caso tem especificidades que não foram tidas em conta no primeiro processo. Estes processos distinguem-se dos procedimentos de massa uma vez que não são processos urgentes, apenas pretendem evitar a sobrecarga dos tribunais administrativos.

Madalena Costa
140114072