terça-feira, 11 de dezembro de 2018


Acerca do Procedimento Administrativo

Com o fim da visão ato-cêntrica já só nos finais do século XIX e inícios do século XX, que acompanhou a passagem do Estado Liberal para o Estado Social, o procedimento administrativo ganhou novo destaque e foi-lhe reconhecido progressivamente o seu valor autónomo e papel fulcral na tomada de qualquer decisão administrativa. A prova de que o seu estatuto foi crescendo ao longo dos tempos está bem presente no facto de se ter criado o Código de Procedimento Administrativo, que como o nome indica resultou da intenção de codificar o procedimento.
A tentativa em Portugal, nos anos 80, de se codificar o procedimento, motivada por um movimento codificador que abrangeu toda a Europa da altura, acabou por resultar na criação não apenas de um Código de Procedimento mas de um verdadeiro Código Administrativo, dado que o CPA contém não só normas processuais mas também normas substantivas, que dizem respeito a todas as fases da tomada de qualquer decisão administrativa.
Não obstante este resultado final abrangente do CPA, a verdade é que a intenção originária de codificar o procedimento ficou patente pelo facto de logo no artigo 1º o procedimento ser definido em termos claros. Consagra-se que procedimento é a sucessão ordenada de atos e formalidades relativos à formação, manifestação e execução da vontade dos órgãos da Administração Pública.
Como já vimos, tendo o procedimento um valor autónomo, desempenha por si mesmo funções essenciais na atuação administrativa. Mas quais são as suas funções afinal, para esta figura merecer assim tanto destaque?
1. O procedimento introduz uma nova fonte de legitimação administrativa. De facto, a partir do momento em que as regras de procedimento exigem que todos os particulares tenham não só o direito mas mesmo o ónus de ser chamados a manifestar-se acerca de determinada decisão administrativa antes de esta ser tomada; quando esta entra em vigor está legitimada pela intervenção particular. O direito de audiência está constitucionalmente consagrado no artigo 267º, é um princípio fundamental, pelo que nenhuma decisão ou autoridade administrativa pode tornar-se efetiva sem estar legitimada por esta regra de procedimento.
Conclui-se, assim, que a audiência dos particulares na tomada de decisões administrativas é uma verdadeira fonte de legitimação destas decisões e tem que se verificar por imperativo constitucional, sob pena de a decisão ser nula ou, segundo o entendimento da jurisprudência, anulável.

2. Introduz função racionalizadora. A partir do momento em que o procedimento ganha relevância e peso na tomada de decisões administrativa, estas passam a ter que ser bem estudadas e fundamentadas, a fim de se garantir que a decisão tomada é a melhor possível. Para além desta maior fundamentação das decisões, o procedimento vem ainda exigir que a Administração esteja bem organizada segundo critérios racionais. E uma coisa leva a outra, melhor organização leva a maior racionalidade que conduz consequentemente e decisões mais eficazes e com melhores resultados para todos.

3. Cria ligação entre interesses públicos e privados. A exigência de audição dos particulares na tomada de qualquer decisão administrativa tem por finalidade estas serem tomadas depois de ponderados todos os interesses em causa. O procedimento dita que é necessário não só coordenar as diferentes visões de qual o interesse público que está ali em causa, por forma a determinar qual é, de facto, o interesse público prevalecente; mas é preciso também ponderá-lo com o interesse privado. Uma decisão que pondere não só os interesses públicos em causa mas também os interesses privados afetados, é uma decisão suscetível de ser melhor do que uma que não passasse por esta ponderação. E é o procedimento que permite e impõe tal lógica. Nunca se pode não atender a esta lógica de ponderação dos interesses em jogo na tomada de uma qualquer decisão administrativa, sob pena de esta ser ilegal.

4. Tutela das posições jurídicas dos particulares. O procedimento, ao obrigar a que os particulares envolvidos sejam ouvidos antes da tomada da decisão final e que os seus interesses sejam tomados em conta e ponderados pela Administração, conduz a que os particulares sejam afetados por decisões o mais benéficas ou, pelo menos, o menos gravosas para eles possível.

Concluímos que o procedimento assume-se como sendo multifuncional e absolutamente necessário. Hoje, face a esta evolução do pensamento administrativo no sentido de dar maior relevância ao procedimento, não há nenhuma decisão administrativa que seja tomada sem prévia audiência dos particulares envolvidos. Isto resultou em decisões com maior legitimidade e mais eficazes para todos. O procedimento assume-se como um instrumento de legitimação uma vez que permite esta participação ativa dos particulares na tomada de decisões; um instrumento de racionalização da organização administrativa, um instituto que serve para coordenar os vários interesses públicos e privados e ainda para tutelar as posições jurídicas dos particulares. 

Leonor Cid (140115087)


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