Acerca do Procedimento Administrativo
Com o fim da visão ato-cêntrica já só nos
finais do século XIX e inícios do século XX, que acompanhou a passagem do
Estado Liberal para o Estado Social, o procedimento administrativo ganhou novo
destaque e foi-lhe reconhecido progressivamente o seu valor autónomo e papel
fulcral na tomada de qualquer decisão administrativa. A prova de que o seu
estatuto foi crescendo ao longo dos tempos está bem presente no facto de se ter
criado o Código de Procedimento Administrativo, que como o nome indica resultou
da intenção de codificar o procedimento.
A tentativa em Portugal, nos anos 80, de se
codificar o procedimento, motivada por um movimento codificador que abrangeu
toda a Europa da altura, acabou por resultar na criação não apenas de um Código
de Procedimento mas de um verdadeiro Código Administrativo, dado que o CPA contém
não só normas processuais mas também normas substantivas, que dizem respeito a
todas as fases da tomada de qualquer decisão administrativa.
Não obstante este resultado final abrangente
do CPA, a verdade é que a intenção originária de codificar o procedimento ficou
patente pelo facto de logo no artigo 1º o procedimento ser definido em termos
claros. Consagra-se que procedimento é a sucessão ordenada de atos e
formalidades relativos à formação, manifestação e execução da vontade dos
órgãos da Administração Pública.
Como já vimos, tendo o procedimento um valor
autónomo, desempenha por si mesmo funções essenciais na atuação administrativa.
Mas quais são as suas funções afinal, para esta figura merecer assim tanto
destaque?
1. O
procedimento introduz uma nova fonte de legitimação administrativa. De
facto, a partir do momento em que as regras de procedimento exigem que todos os
particulares tenham não só o direito mas mesmo o ónus de ser chamados a
manifestar-se acerca de determinada decisão administrativa antes de esta ser
tomada; quando esta entra em vigor está legitimada pela intervenção particular.
O direito de audiência está constitucionalmente consagrado no artigo 267º, é um
princípio fundamental, pelo que nenhuma decisão ou autoridade administrativa
pode tornar-se efetiva sem estar legitimada por esta regra de procedimento.
Conclui-se, assim, que a audiência dos
particulares na tomada de decisões administrativas é uma verdadeira fonte de
legitimação destas decisões e tem que se verificar por imperativo constitucional,
sob pena de a decisão ser nula ou, segundo o entendimento da jurisprudência,
anulável.
2. Introduz
função racionalizadora. A partir do momento em que o procedimento ganha
relevância e peso na tomada de decisões administrativa, estas passam a ter que
ser bem estudadas e fundamentadas, a fim de se garantir que a decisão tomada é
a melhor possível. Para além desta maior fundamentação das decisões, o
procedimento vem ainda exigir que a Administração esteja bem organizada segundo
critérios racionais. E uma coisa leva a outra, melhor organização leva a maior
racionalidade que conduz consequentemente e decisões mais eficazes e com
melhores resultados para todos.
3. Cria
ligação entre interesses públicos e privados. A exigência de audição dos
particulares na tomada de qualquer decisão administrativa tem por finalidade
estas serem tomadas depois de ponderados todos os interesses em causa. O
procedimento dita que é necessário não só coordenar as diferentes visões de
qual o interesse público que está ali em causa, por forma a determinar qual é,
de facto, o interesse público prevalecente; mas é preciso também ponderá-lo com
o interesse privado. Uma decisão que pondere não só os interesses públicos em
causa mas também os interesses privados afetados, é uma decisão suscetível de
ser melhor do que uma que não passasse por esta ponderação. E é o procedimento
que permite e impõe tal lógica. Nunca se pode não atender a esta lógica de
ponderação dos interesses em jogo na tomada de uma qualquer decisão
administrativa, sob pena de esta ser ilegal.
4. Tutela
das posições jurídicas dos particulares. O procedimento, ao obrigar a que
os particulares envolvidos sejam ouvidos antes da tomada da decisão final e que
os seus interesses sejam tomados em conta e ponderados pela Administração,
conduz a que os particulares sejam afetados por decisões o mais benéficas ou,
pelo menos, o menos gravosas para eles possível.
Concluímos que o procedimento assume-se como
sendo multifuncional e absolutamente necessário. Hoje, face a esta evolução do
pensamento administrativo no sentido de dar maior relevância ao procedimento,
não há nenhuma decisão administrativa que seja tomada sem prévia audiência dos
particulares envolvidos. Isto resultou em decisões com maior legitimidade e
mais eficazes para todos. O procedimento assume-se como um instrumento de
legitimação uma vez que permite esta participação ativa dos particulares na
tomada de decisões; um instrumento de racionalização da organização
administrativa, um instituto que serve para coordenar os vários interesses
públicos e privados e ainda para tutelar as posições jurídicas dos
particulares.
Leonor Cid (140115087)
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