quinta-feira, 6 de dezembro de 2018

Martim Moniz Entalado Outra Vez...





Martim Moniz Entalado Outra Vez…







Para Contextualizar os eventuais leitores, a Praça do Martim Moniz voltou a ser alvo de notícias quando a empresa que explora a concessão do comércio da praça e a Câmara de Lisboa anunciaram um novo projeto de requalificação.

A posição dos moradores e interessados ficou bem assinalada quando numa audiência prévia dos interessados organizada pela Junta de Santa Maria Maior alguns moradores e uma associação de moradores deixaram bem patente aos responsáveis da câmara e da empresa convidados, que caso o projeto não fosse refeito, intentariam uma ação de anulação da concessão por diversas ilegalidades que foram descritas e que não interessam para agora. Cabe ainda dizer, que a junta é um órgão que não tem competência em relação à concessão em causa e por isso, também não tem competências para organizar a audiência, apenas o fez por princípio de transparência e de informação aos seus fregueses.

Assim sendo, certamente nem todos os moradores que têm vontade de impugnar a concessão sabem que figura jurídica podem usar para protegerem os seus interesses difusos que este projeto viola, como a qualidade de vida, a saúde pública e a preservação do património cultural. Neste sentido, este breve artigo será uma breve exposição do direito de ação popular.

A ação popular está prevista nos artigos 20º e 52º nº 3 da CRP e pode ser definida como uma ação judicial que tem como objetivo a tutela de interesses que estejam em causa por parte de apenas indivíduos, conjuntos ou mesmo associações de defesa desses interesses. Esta figura é, portanto, uma arma de defesa dos administrados a nível individual e coletivo. 

Em relação ao regime da ação popular, a Constituição, no seu artigo 52º/3, refere que “…nos casos e termos previstos na Lei …”. Como tal, podemos defender que o legislador ordinário se encontra obrigado a densificar o modelo constitucional de ação popular. Tal dever foi cumprido pela Lei 83/95, de 31 de agosto. Essa remissão, encontra-se também prevista no artigo 9º/2 do CPTA.

Nos termos do artigo 12º da referida Lei 83/95, podemos considerar a existência de duas espécies de ação popular, consoante a sua natureza;  ação popular administrativa, que deve ser instaurada nos tribunais administrativos, e que consubstancia uma expressão dos litígios emergentes de relações jurídico-administrativos, litígios este que estão submetidos à reserva de competência dos tribunais administrativos, e a ação popular civil, a instaurar nos tribunais civis e que pode revestir qualquer uma das formas prevista no Código de Processo Civil. Neste caso, estamos a falar do primeiro tipo de ação popular.

Já no que toca à legitimidade ativa concedida nos termos desta Lei, analisamos que quanto à ação individual, têm legitimidade para a desencadear “… quaisquer cidadãos no gozo dos seus direitos civis e políticos …” (artigo 2º/1/2ª parte). Assim sendo, constatamos que não se exige um elemento de conexão de uma situação de apropriação individual do interesse lesado como critério relevante para assegurar o exercício do direito de ação popular por um cidadão.

Quanto à ação popular coletiva, a lei concede legitimidade às associações e fundações defensoras dos interesses do artigo 52º/3 da Constituição (e outros interesses difusos que tal), desde que as mesmas cumpram os requisitos do artigo 3º da Lei 83/95 (esses requisitos são a personalidade jurídica, a inclusão da proteção desses interesses nos respetivos estatutos ou atribuições e o não-exercício de qualquer tipo de atividade profissional concorrente com empresas ou profissionais liberais) (artigo 2º/1/3ª parte).

A Lei concede também legitimidade às autarquias locais, quanto “… aos interesses de que sejam titulares residentes na área da respetiva circunscrição.” (artigo 2º/2). Assim sendo a própria freguesia goza de direto de ação popular neste nesta situação caso entenda que todos os residentes da área de Santa Maria Maior sejam prejudicados, coisa que, pessoalmente estou de acordo.

A legitimidade processual define as pessoas que podem intentar uma ação para defesa de um interesse, seja eu subjetivo, legalmente protegido ou difuso, e as pessoas contra quem as ações devem ser instauradas ou seja, a câmara. Assim, a legitimidade exerce uma função concretizadora, até porque a mesma se reporta às condições que definem que determinada pessoa pode ser parte passiva numa causa, pelo que com a legitimidade está relacionada a determinação dessas condições e a delimitação de certas pessoas ou entidades. Será que essa função concretizadora da legitimidade processual se verifica no âmbito da defesa dos interesses difusos em causa já referidos, isto é, na ação popular?
 
Há quem defenda que não, porque a defesa jurisdicional destes interesses pode ser concedida a todo e qualquer sujeito e, portanto, não é suscetível de ser concretizada em pessoas ou entidades determinadas.

No entanto, há quem defenda, como nós a posição de que os interesses difusos se podem concretizar em direitos subjetivos e que, mesmo como interesses difusos, podem ter uma expressão local, regional ou nacional e que a tutela desses interesses pode ser concedida a entes não individuais, como associações ou fundações. 

No campo da representação processual na ação popular, todos os titulares de direitos ou interesses cuja defesa seja prosseguida na ação popular se consideram automaticamente representados pelo efetivo autor da ação salvo se algum dos cidadãos titulares exercer o seu direito de auto-exclusão previsto no artigo 15º da Lei (isto resulta do artigo 14º da mesma). Neste sentido, é de afirmar que existe uma inversão do funcionamento do modelo tradicional de representação processual, uma vez que, apenas os que se querem excluir do processo têm de declarar essa vontade, valendo o seu silêncio como aceitação da representação pelo ator popular. A confirmar esta inversão temos o artigo 19º da Lei, que se refere ao efeito de caso julgado da sentença resultante da ação popular.

Por fim, após esta breve análise ao regime em causa, entendemos que tanto os moradores a nível individual, como coletivo (associações de moradores e Junta de Freguesia) gozam de legitimidade ativa para intentar uma ação popular anulatória sobre a concessão da Praça do Martim Moniz contra a Câmara. É caso para dizer que a história se volta a repetir e que, de facto, o futuro do Martim Moniz está entalado.

Lourenço Paour
140115172



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