Martim Moniz Entalado Outra Vez…
Para Contextualizar os eventuais leitores, a Praça do Martim Moniz voltou a
ser alvo de notícias quando a empresa que explora a concessão do comércio da
praça e a Câmara de Lisboa anunciaram um novo projeto de requalificação.
A posição dos moradores e interessados ficou bem assinalada quando numa
audiência prévia dos interessados organizada pela Junta de Santa Maria Maior
alguns moradores e uma associação de moradores deixaram bem patente aos
responsáveis da câmara e da empresa convidados, que caso o projeto não fosse
refeito, intentariam uma ação de anulação da concessão por diversas
ilegalidades que foram descritas e que não interessam para agora. Cabe ainda dizer,
que a junta é um órgão que não tem competência em relação à concessão em causa
e por isso, também não tem competências para organizar a audiência, apenas o
fez por princípio de transparência e de informação aos seus fregueses.
Assim sendo, certamente nem todos os moradores que têm vontade de impugnar
a concessão sabem que figura jurídica podem usar para protegerem os seus
interesses difusos que este projeto viola, como a qualidade de vida, a saúde
pública e a preservação do património cultural. Neste sentido, este breve
artigo será uma breve exposição do direito de ação popular.
A ação popular está prevista nos artigos 20º e 52º nº 3 da CRP e pode ser
definida como uma ação judicial que tem como objetivo a tutela de interesses
que estejam em causa por parte de apenas indivíduos, conjuntos ou mesmo
associações de defesa desses interesses. Esta figura é, portanto, uma arma de
defesa dos administrados a nível individual e coletivo.
Em relação ao regime da ação popular, a Constituição, no seu artigo 52º/3,
refere que “…nos casos e termos previstos na Lei …”. Como tal, podemos defender
que o legislador ordinário se encontra obrigado a densificar o modelo
constitucional de ação popular. Tal dever foi cumprido pela Lei 83/95, de 31 de
agosto. Essa remissão, encontra-se também prevista no artigo 9º/2 do CPTA.
Nos termos do artigo 12º da referida Lei 83/95, podemos considerar a
existência de duas espécies de ação popular, consoante a sua natureza; ação popular administrativa, que deve ser
instaurada nos tribunais administrativos, e que consubstancia uma expressão dos
litígios emergentes de relações jurídico-administrativos, litígios este que
estão submetidos à reserva de competência dos tribunais administrativos, e a
ação popular civil, a instaurar nos tribunais civis e que pode revestir
qualquer uma das formas prevista no Código de Processo Civil. Neste caso,
estamos a falar do primeiro tipo de ação popular.
Já no que toca à legitimidade ativa concedida nos termos desta Lei,
analisamos que quanto à ação individual, têm legitimidade para a desencadear “…
quaisquer cidadãos no gozo dos seus direitos civis e políticos …” (artigo
2º/1/2ª parte). Assim sendo, constatamos que não se exige um elemento de
conexão de uma situação de apropriação individual do interesse lesado como
critério relevante para assegurar o exercício do direito de ação popular por um
cidadão.
Quanto à ação popular coletiva, a lei concede legitimidade às associações e
fundações defensoras dos interesses do artigo 52º/3 da Constituição (e outros
interesses difusos que tal), desde que as mesmas cumpram os requisitos do
artigo 3º da Lei 83/95 (esses requisitos são a personalidade jurídica, a
inclusão da proteção desses interesses nos respetivos estatutos ou atribuições
e o não-exercício de qualquer tipo de atividade profissional concorrente com
empresas ou profissionais liberais) (artigo 2º/1/3ª parte).
A Lei concede também legitimidade às autarquias locais, quanto “… aos
interesses de que sejam titulares residentes na área da respetiva circunscrição.”
(artigo 2º/2). Assim sendo a própria freguesia goza de direto de ação popular
neste nesta situação caso entenda que todos os residentes da área de Santa
Maria Maior sejam prejudicados, coisa que, pessoalmente estou de acordo.
A legitimidade processual define as pessoas que podem intentar uma ação
para defesa de um interesse, seja eu subjetivo, legalmente protegido ou difuso,
e as pessoas contra quem as ações devem ser instauradas ou seja, a câmara.
Assim, a legitimidade exerce uma função concretizadora, até porque a mesma se
reporta às condições que definem que determinada pessoa pode ser parte passiva
numa causa, pelo que com a legitimidade está relacionada a determinação dessas
condições e a delimitação de certas pessoas ou entidades. Será que essa função
concretizadora da legitimidade processual se verifica no âmbito da defesa dos
interesses difusos em causa já referidos, isto é, na ação popular?
Há quem defenda que não, porque a defesa jurisdicional destes interesses
pode ser concedida a todo e qualquer sujeito e, portanto, não é suscetível de
ser concretizada em pessoas ou entidades determinadas.
No entanto, há quem defenda, como nós a posição de que os interesses
difusos se podem concretizar em direitos subjetivos e que, mesmo como interesses
difusos, podem ter uma expressão local, regional ou nacional e que a tutela
desses interesses pode ser concedida a entes não individuais, como associações
ou fundações.
No campo da representação processual na ação popular, todos os titulares de
direitos ou interesses cuja defesa seja prosseguida na ação popular se
consideram automaticamente representados pelo efetivo autor da ação salvo se
algum dos cidadãos titulares exercer o seu direito de auto-exclusão previsto no
artigo 15º da Lei (isto resulta do artigo 14º da mesma). Neste sentido, é de
afirmar que existe uma inversão do funcionamento do modelo tradicional de
representação processual, uma vez que, apenas os que se querem excluir do
processo têm de declarar essa vontade, valendo o seu silêncio como aceitação da
representação pelo ator popular. A confirmar esta inversão temos o artigo 19º
da Lei, que se refere ao efeito de caso julgado da sentença resultante da ação
popular.
Por fim, após esta breve análise ao regime em causa, entendemos que tanto
os moradores a nível individual, como coletivo (associações de moradores e
Junta de Freguesia) gozam de legitimidade ativa para intentar uma ação popular
anulatória sobre a concessão da Praça do Martim Moniz contra a Câmara. É caso
para dizer que a história se volta a repetir e que, de facto, o futuro do
Martim Moniz está entalado.
Lourenço Paour
140115172
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