sexta-feira, 14 de dezembro de 2018

A Arbitragem enquanto meio jurisdicional


A arbitragem é um instrumento geral de resolução de conflitos, vulgar no âmbito do direito internacional público e também no âmbito do direito interno. Trata-se de um negócio jurídico processual através do qual as partes atribuem legitimidade para resolver conflitos a tribunais sem natureza permanente, constituídos ad hoc. Assim, a arbitragem é uma expressão da participação dos cidadãos no exercício das suas funções estatais. É um verdadeiro direito fundamental, um corolário do direito de acesso à justiça e à tutela jurisdicional de acordo com arts.20º/1 e 268º/4 CRP.
Existem varias modalidades de arbitragem: a não institucional e a institucional. A primeira é uma arbitragem não permanente, pelo que se extingue com a resolução do litígio. Esta forma de arbitragem encontra a sua base legal na Lei da Arbitragem Voluntária (LAV).
A segunda já é uma arbitragem permanente, em que a resolução de litígios se desenvolve numa instituição permanente, como resulta do art.187º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA).
Pode distinguir-se a arbitragem voluntária da arbitragem necessária, sendo que a primeira é aquela que depende da vontade das partes, e a segunda é imposta por lei, ficando as partes impedidas de recorrer aos tribunais judiciais. É sobre a primeira que me vou focar nesta análise.
A Constituição autoriza os tribunais arbitrais a luz do art.209º/2, pelo que pode dizer-se que não vigora em Portugal uma reserva de jurisdição estadual no que concerne aos litígios que envolvem a Administração Pública A CRP não se limita a “assumir a admissibilidade do recurso à arbitragem como uma forma normal de resolver conflitos jurídicos, mas vai mais longe, consagrando, de modo inequívoco, a natureza jurisdicional dos tribunais arbitrais, da atividade que eles são chamados a desempenhar e, portanto, das decisões que por eles são proferidas”. Portanto, isto Significa que os tribunais administrativos não são apenas os tribunais permanentes do Estado, previstos na lei, mas são também os tribunais (administrativos) arbitrais que venham a ser constituídos para dirimir litígios jurídico-administrativo.
Os tribunais arbitrais têm inúmeras vantagens do ponto de vista do estímulo da actividade privada, designadamente da económica. A arbitragem tem hoje um papel fundamental em matéria administrativa que surgiu pela necessidade de a resolução de litígios complexos emergentes de relações jurídico-administrativas que manifestarem um certo grau dificuldade para os juízes administrativos do Estado, à qual melhor responderiam melhor os tribunais arbitrais, com juízes especializados nas matérias que vão julgar, permitindo assim alcançar uma decisão adequada ao litígio concretamente em apreço. Além disto, os árbitros também procedem à gestão da marcha do processo, com o acordo e por vezes até colaboração das partes, pelo que à uma decisão mais célere do concreto litígio.
Esta via de resolução esta consagrada no art. 180 do Código do Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA) O acordo entre as partes pode ter por objecto um litígio já existente, caso em que se chama compromisso arbitral ou um litígio que possa emergir potencialmente, caso em que se chama cláusula compromissória. Através deste acordo, as partes podem conformar os poderes de decisão do tribunal. Com efeito, as partes podem atribuir aos tribunais arbitrais o poder de decidir de acordo com a equidade. Se assim não for, os tribunais arbitrais devem aplicar o direito como o fariam os tribunais comuns.
Apesar de a constituição dos tribunais arbitrais pressupor um acordo entre as partes interessadas, a arbitragem tem natureza jurisdicional e não contratual. O acordo é apenas o pressuposto para o acesso ao exercício pelos particulares de uma função (jurisdicional) cuja origem o transcende.
MEIOS NÃO JURISDICIONAIS
Da resolução de conflitos jurisdicionais através dos tribunais arbitrais deve distinguir-se criteriosamente a resolução de conflitos através de instituições que não são tribunais. O n.º 4 do art. 202 da CRP permite a criação destas instituições pois que deixa claro que a lei ordinária poderá institucionalizar instrumentos e formas de composição não jurisdicional de conflitos. Os conflitos que são resolvidos através destas instituições não são jurisdicionais, pelo que os mesmos não fazem parte da justiça administrativa em sentido material e as entidades em causa não integram a justiça administrativa em sentido orgânico. Não estamos, portanto, perante meios alternativos de justiça mas sim perante mecanismos de conciliação, de mediação e de transacção.
 A lei permite que os conflitos relacionados com determinadas matérias de direito administrativo sejam compostos através destes meios não jurisdicionais. Nesta conformidade, os poderes de conciliação, mediação ou consulta no âmbito de procedimentos de impugnação administrativa de que podem dispor, por força do n.º 3 do art. 187, os centros de arbitragem não são jurisdicionais.
OS LIMITES CONSTITUCIONAIS E LEGISLATIVOS DA COMPETÊNCIA DOS TRIBUNAIS ARBITRAIS
O tribunal arbitral exprime e concretiza o direito de acesso à justiça e à tutela jurisdicional dos particulares que o criam. Como direito fundamental que é, a constituição de tribunais arbitrais é livre, ficando, no entanto, sujeita aos limites expressos e implícitos decorrentes da CRP. A CRP não prevê limites expressos à competência dos tribunais arbitrais. Mas isso não significa que o direito dos cidadãos se possa exercer numa zona livre de disciplina jurídica ou seja, que não existam condicionamentos constitucionais ao exercício respectivo.
A criação de tribunais arbitrais deve respeitar a reserva de competência legislativa relativa da Assembleia da República - art.165º/1-p) CRP. Significa isto que embora o direito de livre constituição de tribunais arbitrais seja um direito fundamental dos cidadãos, este só pode ser exercido dentro de um quadro de legalidade definido pela norma parlamentar ou diploma equivalente (arts.165º/1-p) e 2).
Para além disto, existem limites explícitos e implícitos à competência dos tribunais arbitrais. No que concerne aos implícitos, da ordem jurídica constitucional não resulta outro limite à liberdade de constituição de tribunais arbitrais que não seja o da própria natureza das coisas, nos termos da qual não podem constituir-se tribunais arbitrais no âmbito de relações jurídicas sobre as quais as partes não podem dispor ou seja, no âmbito de direitos e interesses indisponíveis. O interesse público prevalece aqui sobre os interesses privados em confronto na autodiceia exigindo a intervenção de um tribunal qualificado na composição do conflito. Não são assim possíveis tribunais arbitrais para o julgamento de questões de inconstitucionalidade ou de ilegalidade de normas. Tais questões constituem reserva de competência dos tribunais estatais.
 A constituição e funcionamento destes tribunais devem respeitar as disposições da LAV (art.181º CPTA), embora normas especiais sobre a disciplina da arbitragem no âmbito administrativo prevaleçam sobre as normas da LAV. É aliás exigida lei especial para a constituição do tribunal arbitral. Está aqui presente a regra segundo a qual a lei especial prevalece sobre a lei geral.
Deste modo, arbitragem tem de ser vista como uma forma de exercício da função jurisdicional tão digna como aquela que é exercida pelos tribunais do Estado, o que se compreende desde logo pelo facto de o art.209º CRP não fazer uma distinção destes dois.
Isto significa que, para além de os tribunais arbitrais exercerem uma função judicial, não constituindo como tal uma forma de exercício de justiça privada, sobre os árbitros recaem garantias de isenção e independência análogas às dos juízes do Estado, pois estes não são árbitros de parte.
Outro limite retira-se do art.185º CPTA: a arbitragem está excluída para a responsabilidade civil por prejuízos decorrentes do exercício da função política e legislativa ou da função jurisdicional. Esta matéria é da exclusiva competência dos tribunais administrativos – art.4º/1-f) Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF). Além destes, encontram-se outros limites explícitos, quanto à execução da sentença dos tribunais administrativos, alguns casos de contratos administrativos (art.313º/3 Código dos Contratos Públicos) e atos administrativos (art.180º/1-a) CPTA que não permite a arbitrariedade de atos administrativos pré-contratuais), cuja competência está reservada aos tribunais estaduais
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O REGIME JURÍDICO DA ARBITRAGEM
De acordo com o n.º 1 do art. 181 do CPTA, o tribunal arbitral funciona nos termos da lei sobre a arbitragem voluntária. No entanto, deve entender-se que as normas especiais sobre a disciplina da arbitragem no âmbito administrativo prevalecem sempre sobre as normas da LAV. Com efeito, a lei especial prevalece sempre sobre a geral
De acordo como n.º 1 do art. 1 desta lei, os litígios podem ser cometidos pelas partes à decisão de árbitros, mediante convenção de arbitragem. Esta  pode consistir num compromisso arbitral ou numa cláusula compromissória, consoante o litígio seja actual ou eventual, respectivamente
É, todavia, certo que o regime da arbitragem no direito administrativo comporta certas especialidades, como não podia deixar de ser, que, aliás, o CPTA acautela. Assim se compreende que a outorga do compromisso arbitral por parte do Estado deva ser objecto de despacho do ministro da tutela, nos termos do n.º 1 do art. 184 do CPTA, despacho esse que compete, tratando-se de outras pessoas colectivas públicas, ao presidente do respectivo órgão dirigente ou ao governo regional e ao órgão autárquico que desempenha funções executivas, como rezam os n.os 2 e 3 do mesmo artigo. Sem aquele despacho não há compromisso arbitral.
Da sentença arbitral há recurso, nos termos do n.º 2 do art. 186 do CPTA e convem referir que só não há recurso se as partes convencionaram que o tribunal arbitral decidisse segundo a equidade, pois que os tribunais de recurso apenas conhecem do direito. Tal recurso para os tribunais está por vezes excluído por norma especial.
 As decisões dos árbitros podem ser anuladas pelo TCA, de acordo com o n.º 1 do art. 186, nos termos gerais em que um tribunal judicial pode anular as decisões arbitrais ou seja, nos termos do art. 27 da LAV.
Para a execução das sentenças dos tribunais arbitrais que versem sobre matérias da competência dos tribunais administrativos, são competentes estes últimos de acordo com o processo aí aplicável conforme o art. 30 da LAV. Deste modo, não há, portanto, arbitrabilidade da execução de sentenças, mesmo que dos tribunais arbitrais. Neste domínio há uma verdadeira reserva de competência dos tribunais estatais.



Catarina Barbosa 140115037



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