A arbitragem é um instrumento geral de resolução de conflitos, vulgar no âmbito do direito
internacional público e também no âmbito do direito interno. Trata-se de um negócio jurídico processual
através do qual as partes atribuem legitimidade para resolver conflitos a
tribunais sem natureza permanente, constituídos ad hoc. Assim, a arbitragem é uma expressão da participação
dos cidadãos no exercício das suas funções estatais. É um verdadeiro direito
fundamental, um corolário do direito de acesso à justiça e à tutela jurisdicional
de acordo com arts.20º/1 e 268º/4 CRP.
Existem varias modalidades de arbitragem: a não institucional e a institucional.
A primeira é uma arbitragem não permanente, pelo que se extingue com a
resolução do litígio. Esta forma de arbitragem encontra a sua base legal na Lei
da Arbitragem Voluntária (LAV).
A segunda já é uma arbitragem permanente, em que a resolução de
litígios se desenvolve numa instituição permanente, como resulta do art.187º do
Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA).
Pode distinguir-se a arbitragem voluntária da arbitragem necessária,
sendo que a primeira é aquela que depende da vontade das partes, e a segunda é
imposta por lei, ficando as partes impedidas de recorrer aos tribunais
judiciais. É sobre a primeira que me vou focar nesta análise.
A Constituição autoriza os tribunais arbitrais a luz do art.209º/2,
pelo que pode dizer-se que não vigora em Portugal uma reserva de jurisdição
estadual no que concerne aos litígios que envolvem a Administração Pública A
CRP não se limita a “assumir a admissibilidade do recurso à arbitragem como uma
forma normal de resolver conflitos jurídicos, mas vai mais longe, consagrando,
de modo inequívoco, a natureza jurisdicional dos tribunais arbitrais, da
atividade que eles são chamados a desempenhar e, portanto, das decisões que por
eles são proferidas”. Portanto, isto Significa que os tribunais administrativos
não são apenas os tribunais permanentes do Estado, previstos na lei, mas são
também os tribunais (administrativos) arbitrais que venham a ser constituídos
para dirimir litígios jurídico-administrativo.
Os tribunais
arbitrais têm inúmeras vantagens do ponto de vista do estímulo da actividade
privada, designadamente da económica. A arbitragem tem hoje um papel fundamental
em matéria administrativa que surgiu pela necessidade de a resolução de litígios
complexos emergentes de relações jurídico-administrativas que manifestarem um
certo grau dificuldade para os juízes administrativos do Estado, à qual melhor
responderiam melhor os tribunais arbitrais, com juízes especializados nas
matérias que vão julgar, permitindo assim alcançar uma decisão adequada ao
litígio concretamente em apreço. Além disto, os árbitros também procedem à
gestão da marcha do processo, com o acordo e por vezes até colaboração das
partes, pelo que à uma decisão mais célere do concreto litígio.
Esta via de resolução
esta consagrada no art. 180 do Código do Processo nos Tribunais Administrativos
(CPTA) O acordo entre as partes pode ter por objecto um litígio já existente,
caso em que se chama compromisso arbitral ou um litígio que possa emergir
potencialmente, caso em que se chama cláusula compromissória. Através deste
acordo, as partes podem conformar os poderes de decisão do tribunal. Com
efeito, as partes podem atribuir aos tribunais arbitrais o poder de decidir de
acordo com a equidade. Se assim não for, os tribunais arbitrais devem aplicar o
direito como o fariam os tribunais comuns.
Apesar de a
constituição dos tribunais arbitrais pressupor um acordo entre as partes
interessadas, a arbitragem tem natureza jurisdicional e não contratual. O
acordo é apenas o pressuposto para o acesso ao exercício pelos particulares de
uma função (jurisdicional) cuja origem o transcende.
MEIOS NÃO JURISDICIONAIS
Da resolução de
conflitos jurisdicionais através dos tribunais arbitrais deve distinguir-se
criteriosamente a resolução de conflitos através de instituições que não são
tribunais. O n.º 4 do art. 202 da CRP permite a criação destas instituições
pois que deixa claro que a lei ordinária poderá institucionalizar instrumentos
e formas de composição não jurisdicional de conflitos. Os conflitos que são
resolvidos através destas instituições não são jurisdicionais, pelo que os
mesmos não fazem parte da justiça administrativa em sentido material e as
entidades em causa não integram a justiça administrativa em sentido orgânico.
Não estamos, portanto, perante meios alternativos de justiça mas sim perante
mecanismos de conciliação, de mediação e de transacção.
A lei permite que os conflitos relacionados
com determinadas matérias de direito administrativo sejam compostos através
destes meios não jurisdicionais. Nesta conformidade, os poderes de conciliação,
mediação ou consulta no âmbito de procedimentos de impugnação administrativa de
que podem dispor, por força do n.º 3 do art. 187, os centros de arbitragem não
são jurisdicionais.
OS LIMITES
CONSTITUCIONAIS E LEGISLATIVOS DA COMPETÊNCIA DOS TRIBUNAIS ARBITRAIS
O tribunal arbitral
exprime e concretiza o direito de acesso à justiça e à tutela jurisdicional dos
particulares que o criam. Como direito fundamental que é, a constituição de
tribunais arbitrais é livre, ficando, no entanto, sujeita aos limites expressos
e implícitos decorrentes da CRP. A CRP não prevê limites expressos à
competência dos tribunais arbitrais. Mas isso não significa que o direito dos
cidadãos se possa exercer numa zona livre de disciplina jurídica ou seja, que
não existam condicionamentos constitucionais ao exercício respectivo.
A criação de
tribunais arbitrais deve respeitar a reserva de competência legislativa
relativa da Assembleia da República - art.165º/1-p) CRP. Significa isto que
embora o direito de livre constituição de tribunais arbitrais seja um direito
fundamental dos cidadãos, este só pode ser exercido dentro de um quadro de
legalidade definido pela norma parlamentar ou diploma equivalente
(arts.165º/1-p) e 2).
Para além disto, existem
limites explícitos e implícitos à competência dos tribunais arbitrais. No que
concerne aos implícitos, da ordem jurídica constitucional não resulta outro
limite à liberdade de constituição de tribunais arbitrais que não seja o da
própria natureza das coisas, nos termos da qual não podem constituir-se
tribunais arbitrais no âmbito de relações jurídicas sobre as quais as partes
não podem dispor ou seja, no âmbito de direitos e interesses indisponíveis. O
interesse público prevalece aqui sobre os interesses privados em confronto na
autodiceia exigindo a intervenção de um tribunal qualificado na composição do
conflito. Não são assim possíveis tribunais arbitrais para o julgamento de
questões de inconstitucionalidade ou de ilegalidade de normas. Tais questões
constituem reserva de competência dos tribunais estatais.
A constituição e funcionamento destes
tribunais devem respeitar as disposições da LAV (art.181º CPTA), embora normas
especiais sobre a disciplina da arbitragem no âmbito administrativo prevaleçam
sobre as normas da LAV. É aliás exigida lei especial para a constituição do
tribunal arbitral. Está aqui presente a regra segundo a qual a lei especial
prevalece sobre a lei geral.
Deste modo, arbitragem
tem de ser vista como uma forma de exercício da função jurisdicional tão digna
como aquela que é exercida pelos tribunais do Estado, o que se compreende desde
logo pelo facto de o art.209º CRP não fazer uma distinção destes dois.
Isto significa que,
para além de os tribunais arbitrais exercerem uma função judicial, não
constituindo como tal uma forma de exercício de justiça privada, sobre os
árbitros recaem garantias de isenção e independência análogas às dos juízes do
Estado, pois estes não são árbitros de parte.
Outro limite
retira-se do art.185º CPTA: a arbitragem está excluída para a responsabilidade
civil por prejuízos decorrentes do exercício da função política e legislativa
ou da função jurisdicional. Esta matéria é da exclusiva competência dos
tribunais administrativos – art.4º/1-f) Estatuto dos Tribunais Administrativos
e Fiscais (ETAF). Além destes, encontram-se outros limites explícitos, quanto à
execução da sentença dos tribunais administrativos, alguns casos de contratos
administrativos (art.313º/3 Código dos Contratos Públicos) e atos
administrativos (art.180º/1-a) CPTA que não permite a arbitrariedade de atos
administrativos pré-contratuais), cuja competência está reservada aos tribunais
estaduais
´
O REGIME JURÍDICO DA
ARBITRAGEM
De acordo com o n.º 1
do art. 181 do CPTA, o tribunal arbitral funciona nos termos da lei sobre a
arbitragem voluntária. No entanto, deve entender-se que as normas especiais
sobre a disciplina da arbitragem no âmbito administrativo prevalecem sempre
sobre as normas da LAV. Com efeito, a lei especial prevalece sempre sobre a
geral
De acordo como n.º 1
do art. 1 desta lei, os litígios podem ser cometidos pelas partes à decisão de
árbitros, mediante convenção de arbitragem. Esta pode consistir num compromisso arbitral ou
numa cláusula compromissória, consoante o litígio seja actual ou eventual,
respectivamente
É, todavia, certo que
o regime da arbitragem no direito administrativo comporta certas
especialidades, como não podia deixar de ser, que, aliás, o CPTA acautela.
Assim se compreende que a outorga do compromisso arbitral por parte do Estado
deva ser objecto de despacho do ministro da tutela, nos termos do n.º 1 do art.
184 do CPTA, despacho esse que compete, tratando-se de outras pessoas
colectivas públicas, ao presidente do respectivo órgão dirigente ou ao governo
regional e ao órgão autárquico que desempenha funções executivas, como rezam os
n.os 2 e 3 do mesmo artigo. Sem aquele despacho não há compromisso arbitral.
Da sentença arbitral
há recurso, nos termos do n.º 2 do art. 186 do CPTA e convem referir que só não
há recurso se as partes convencionaram que o tribunal arbitral decidisse
segundo a equidade, pois que os tribunais de recurso apenas conhecem do
direito. Tal recurso para os tribunais está por vezes excluído por norma
especial.
As decisões dos árbitros podem ser anuladas
pelo TCA, de acordo com o n.º 1 do art. 186, nos termos gerais em que um
tribunal judicial pode anular as decisões arbitrais ou seja, nos termos do art.
27 da LAV.
Para a execução das
sentenças dos tribunais arbitrais que versem sobre matérias da competência dos
tribunais administrativos, são competentes estes últimos de acordo com o
processo aí aplicável conforme o art. 30 da LAV. Deste modo, não há, portanto,
arbitrabilidade da execução de sentenças, mesmo que dos tribunais arbitrais.
Neste domínio há uma verdadeira reserva de competência dos tribunais estatais.
Catarina Barbosa 140115037
Catarina Barbosa 140115037
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