domingo, 2 de dezembro de 2018

Contestação - Contrainteressados

Contestação

Processo n.º: XXX

Exmo. Senhor Dr. Juiz de Direito
do Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa



Associação de Moradores das Avenidas Novas, pessoa coletiva nº 8321799, sito rua Agnes Blanco, nº4, 5º Esquerdo, 1000-134 Lisboa
e
Associação de Moradores de Alvalade, pessoa coletiva nº 0057275, sito rua Aroso de Almeida, nº6, 1º Direito, 1700-202 Lisboa

Vêm apresentar a sua Contestação,

Como contrainteressados, nos termos dos artigos 10º nº1 e 57º do Código de Processo dos Tribunais Administrativos, na ação de impugnação movida pela

Lisboa é um Estaleiro, Lda., com o nº de pessoa coletiva 543 845 834, com sede na Rua Pedro Nunes, nº 863 2º DTO, em Lisboa, representada pelos mandatários judiciais da Sociedade de Advogado Guardanapo, Papel & Associados, com sede na Rua Professor Doutor Vasco Pereira da Silva, nº163, 5º Andar, Porta C, Lisboa.

Nos termos e com os seguintes fundamentos:

I - DOS FACTOS:

Aceitam-se como verdadeiros os factos alegados pelo autor nos pontos 1º, 2º, 4º, 8º e 12º da petição inicial (doravante PI).
A 28 de Março de 2003, a Feira Popular foi encerrada, tendo ficado os respetivos terrenos desocupados.
Inicialmente, os terrenos foram deixados ao abandono, tendo servido como depósito de lixo, palco de “prostituição”, habitação de inúmeras espécies de animais, tais como ratazanas, baratas e mosquitos.
Atualmente, apesar dos terrenos terem sido selados ao público, continuam a servir de depósito de lixo e, em períodos de chuva, a transformar-se num autêntico “lamaçal a céu aberto”.

O estado em que se encontram os terrenos constituí um perigo para a saúde pública dos moradores das Avenidas Novas e de Alvalade e para o público em geral.

A poluição que resulta do lixo depositado põe em risco a qualidade do ar, das águas e do solo, causando danos graves ao ambiente.

Os terrenos foram colocados em hasta pública duas vezes anteriormente, sem que aparecessem interessados que preenchessem as condições necessárias.

A situação descrita na PI prende-se com a última colocação em hasta pública dos terrenos da antiga Feira Popular, para dar início à “Operação Integrada Entrecampos”.

A “Operação Integrada Entrecampos” pretende a criação de 700 fogos de habitação acessíveis em regime de renda livre, de um centro de serviços de referência internacional, e pretende assegurar a oferta de comércio de qualidade e de equipamentos culturais.

10º
O aumento da oferta de equipamentos sociais, nomeadamente creches, jardins de infância, unidades de cuidados continuados, lares e outros serviços de apoio domiciliário, e a criação de espaços abertos ao público, nomeadamente pela criação de um novo “pulmão verde” no centro da cidade.

11º
A referida colocação em hasta pública foi discutida e votada favoravelmente a 24 de julho de 2018.

12º
Por deliberação unânime da Assembleia Municipal de Lisboa, tomada a 2 de maio de 2018, teve lugar uma audição pública sobre a alienação dos terrenos da antiga Feira Popular no dia 7 de junho de 2018, aberta a todos os interessados e amplamente divulgada (Anexo E).

13º
Rejeita-se, por esta razão, o ponto 3º da PI pois, ao contrário do alegado pelo A., o executivo da Câmara propôs e realizou uma discussão pública relativa à “Operação Integrada Entrecampos”.

14º
Contestamos os pontos 5º e 6º da PI, uma vez que a previsão de acontecimentos futuros dos quais não existem quaisquer indícios prováveis de ocorrência, não constituem factos que fundamentam a posição de A.
15º
No que toca ao ponto 7º da PI, discordamos da posição do A. pois a realização da hasta pública que o autor pretende impugnar iria pôr fim à “lixeira a céu aberto” e não iria prolongar esta situação alarmante.
16º
Consideramos lamentável o facto de o A. alegar que a bancada do PSD tem um suposto conhecimento de eventuais irregularidades, quando as mesmas não existem, e mesmo que fosse esse o caso, que tenha votado a favor da proposta.

17º
Contesta-se o ponto 10º da PI, uma vez que a previsão de uma área de 20% destinada à habitação não viola as disposições do Plano Diretor Municipal e as decisões dos órgãos autárquicos.

18º
Questiona-se a congruência do ponto 11º da PI, uma vez que os terrenos da antiga Feira Popular localizam-se precisamente entre a avenida 5 de outubro, a avenida das forças armadas, a avenida da república e a rua da cruz vermelha.
19º
Não se tem por assente o facto descrito no ponto 13º da PI, uma vez que, como se verifica no Anexo C, foi realizado um parecer ambiental.

     20º      
Concordamos com o ponto 14º da PI na parte em que se diz que é obrigatória a existência de um parecer da Autoridade Nacional de Aviação Civil.

21º
No entanto, discordamos na parte em que o A. alega que não existe nenhum parecer da Autoridade Nacional de Aviação Civil.

22º
Damos como provado o facto de ter sido feita uma petição online, tal como resulta do ponto 16º da PI.
23º
Contudo, ao contrário do alegado, foi realizada uma audição pública prévia dos interessados, especificamente para os moradores, e, por essa razão, esta petição online não tem fundamento e deve-se apenas a negligência deste grupo de “moradores”, uma vez que a informação foi disponibilizada ao público e o tema amplamente divulgado pelas respetivas associações de moradores e meios de comunicação.

II - DO DIREITO:

A. DA LEGITIMIDADE:

24º
As associações de moradores das Avenidas Novas e de Alvalade são partes legítimas na ação, como contrainteressados, com fundamento nos artigos 10º nº1 e 57º do Código de Processo dos Tribunais Administrativos (doravante CPTA).

25º
Relativamente ao artigo 10º nº1 CPTA, os contrainteressados têm legitimidade passiva, pois têm interesses contrapostos aos do autor, neste caso específico que a hasta pública tenha lugar.

26º
Segundo o artigo 57º CPTA, “(…) os contrainteressados (…) que tenham legítimo interesse na manutenção do ato impugnado e que possam ser identificados em função da relação material em causa ou dos documentos contidos no processo administrativo são obrigatoriamente demandados.

27º
São partes legítimas na ação aqueles que não sofrem prejuízos resultantes diretamente da declaração de nulidade, mas que, ainda assim, têm interesse legítimo na manutenção do ato visto que, se assim não for, veriam a sua esfera jurídica ser negativamente afetada.

28º
Isto evidencia que o conceito de contrainteressado está indissociavelmente associado ao prejuízo que poderá advir da procedência da ação impugnatória para todos aqueles que, de algum modo, estiveram envolvidos na relação material controvertida.

29º
O interesse legítimo das associações de moradores deriva do artigo 265º nº1 alínea a) da Constituição da República Portuguesa (doravante CRP), na medida em que estas tutelam os interesses dos moradores.

30º
Nesta ação de impugnação, o interesse dos contrainteressados deriva diretamente de direitos fundamentais constitucionalmente protegidos, entre os quais o direito ao ambiente e qualidade de vida (artigo 66º CRP), direito à saúde (artigo 64º nº 4 CRP), e direito à habitação (artigo 65º CRP).

31º
A procedência do pedido de A. lesará estes direitos e causará prejuízos aos contrainteressados, cujos direitos têm vindo a ser postos em causa desde o encerramento da Feira Popular.

32º
O direito ao ambiente e à qualidade de vida resulta dos artigos 9º alínea d) e 66º Constituição da República Portuguesa e dos artigos 5º e 6º e 7º Lei de Bases do Ambiente.

33º
Os cidadãos podem pessoal ou coletivamente defender os bens ou interesses ambientais em procedimento administrativo, através do exercício do direito de participação procedimental (artigo 267º nº4 CRP).
34º
Resulta deste direito que todos têm direito a um ambiente sadio e ecologicamente equilibrado.

35º
O facto dos terrenos da antiga Feira Popular estarem ao abandono, poluídos, e, durante o período das chuvas, ficarem inundados levanta questões sanitárias e ecológicas, pondo em risco não só o ambiente, como a qualidade de vida dos moradores das zonas circundantes.

36º
A formulação constitucional do direito à saúde, nomeadamente do artigo 64º nº2 alínea b) CRP, permite concluir que uma das formas de realização do direito à saúde é a criação de condições que garantam a qualidade de vida das populações.

37º
As condições em que se encontram atualmente os antigos terrenos da Feira Popular são um risco para a saúde pública.

38º
Uma “lixeira a céu aberto” numa zona de elevada densidade populacional e no centro da cidade de Lisboa tem efeitos nocivos na saúde da população, principalmente dos moradores.

39º
Existe um elevado risco de contaminação dos solos e da água que, a longo prazo, poderá ser responsável pelo aparecimento de determinadas doenças naqueles que mais contacto têm com os terrenos, ou seja, os moradores.
40º
O direito à habitação e urbanismo (artigo 65º CRP) garante que todos os cidadãos têm direito a uma habitação.
41º
É de conhecimento público que, atualmente, na cidade de Lisboa, os alojamentos são escassos e os preços elevados, pondo em causa este direito fundamental.

42º
A “Operação Integrada Entrecampos” prevê a criação de 700 fogos de habitação, nomeadamente com rendas acessíveis no centro da cidade de Lisboa.

43º
Este projeto vai ao encontro dos interesses dos contrainteressados, que terão acesso não só a mais habitações, como também a espaços verdes e equipamentos sociais e culturais, assim como, pela primeira vez em 15 anos, a uma vista diferente da de um terreno degradado.

44º
A impugnação desta hasta pública permitirá que os terrenos em causa permaneçam desocupados quando poderiam ser utilizados de forma a satisfazer as prementes necessidades de habitação dos cidadãos lisboetas e, principalmente, dos moradores da zona de Entrecampos.

B. DA EXCEÇÃO DILATÓRIA:

45º
Nos termos do artigo 78º nº2 alínea f) CPTA, o A. da ação impugnatória deve identificar, na PI, “(…) as partes, incluindo eventuais contrainteressados, indicando os seus nomes, domicílios ou sedes (…)”, tratando-se de um ónus do A.

46º
O A. não identificou os contrainteressados na PI.

47º
A falta de intervenção do contrainteressado consubstancia uma manifesta situação de indefesa, com total ablação dos seus direitos não só processuais (por referência ao processo concreto), como substantivos (efeitos do caso julgado), acarretando, para si, a preterição do princípio à tutela judicial efectiva.em consonância com o previsto nos artigos 20.º e 268.º, n.º 4, da Constituição” (Acórdão do Tribunal Central Administrativo do Sul, de 30 de abril de 2015).

48º
A consequência da falta de identificação dos contrainteressados, nos termos do artigo 89º nº4 alínea e) CPTA, é uma exceção dilatória.

49º
A exceção dilatória tem como consequência a absolvição do réu da instância, nos termos do disposto do artigo 89º nº2 CPTA, sem possibilidade de substituição da petição, nos termos do disposto no artigo 88 nº4 CPTA.

C. DA ILEGALIDADE PROCEDIMENTAL:

C.1. FALTA DE AUDIÇÃO PÚBLICA:

50º
De acordo com o artigo 121º CPTA, os interessados têm o direito fundamental de serem ouvidos no procedimento antes da tomada da decisão final.

51º
Esta audiência é também exigida de acordo com a Lei de Bases Gerais da Política Pública de Solos, de Ordenamento do Território e do Urbanismo, nos termos dos artigos 3º alínea g), 6º nº2 e 49º.

52º
Esta exigência não foi preterida uma vez que a 16 de junho de 2015 realizou-se uma audição pública sobre a alienação dos terrenos da antiga Feira Popular (Anexo E).

53º
Adicionalmente, a 17 de maio de 2018 a Câmara Municipal de Lisboa, no Aviso nº21/2018, anunciou a abertura de um novo período de discussão pública referente ao projeto operação de loteamento de iniciativa municipal a realizar nos terrenos da antiga Feira Popular.

C.2. FALTA DE PARECER AMBIENTAL:

54º
Resulta do artigo 3º nº1 alínea b) e nº2 alínea b) da Lei de Bases Gerais da Política Pública de Solos, de Ordenamento do Território e do Urbanismo que constitui um princípio geral das políticas públicas e atuações administrativas em matéria de solos, de ordenamento do território e de urbanismo o princípio da responsabilidade, de acordo com o qual se deve garantir a prévia avaliação das intervenções que possam ter um impacte relevante nestas áreas.

55º
Neste caso, existe uma obrigatoriedade de avaliação de impacto ambiental que advém do Decreto-Lei nº151-B/2013 e da Diretiva nº2011/92/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, nomeadamente do artigo 1º nº3 alínea a) que refere que estão sujeitos a avaliação de impacto ambiental os projetos tipificados no Anexo I do presente decreto-lei.

56º
Do Anexo II - 10 alínea b) do Decreto-Lei nº151-B/2013 resulta que as operações de loteamento urbano que ocupem uma área superior a 500 fogos e os parques de estacionamento com área superior a 2 ha necessitam de avaliação de impacto ambiental obrigatória.

57º
O total de fogos do loteamento de renda acessível é de 700 fogos, de acordo com a “Operação Integrada Entrecampos”, ultrapassando-se assim o requisito de 500 fogos.

58º
Existe um direito de acesso à informação sobre o ambiente, que resulta do artigo 6º nº1 da Lei nº19/2006, segundo o qual as autoridades públicas são obrigadas a disponibilizar ao requerente informações sobre o ambiente na sua posse, sem que o requerente tenha de justificar o seu interesse.

59º
Sendo obrigatória a existência de uma avaliação de impacte ambiental e tendo a mesma sido requerida, tal como foi supra mencionado no ponto 15º, não existe nenhuma ilegalidade procedimental.

C. 3. FALTA DE PARECER DA AUTORIDADE NACIONAL DA AVIAÇÃO CIVIL:

60º
De acordo com o ponto 2.1.1 alínea a) da Circular de Informação Aeronáutica, da Autoridade Nacional da Aviação Civil, existe a possibilidade de apresentação de um parecer prévio de viabilidade de construções a realizar com base em informação referente à localização e características físicas genéricas da mesma.

61º
A proximidade dos terrenos da antiga Feira Popular ao aeroporto parece exigir a necessidade deste parecer, apesar da formulação dúbia da regra em causa.

62º
Em todo o caso, este parecer foi efetivamente pedido pela Câmara Municipal e, por isso, não se verifica uma ilegalidade procedimental.

 D. DA ILEGALIDADE MATERIAL:

63º
De acordo com A., o projeto “Operação Integrada Entrecampos” viola as disposições do Plano Diretor Municipal e da Recomendação 2/77.

64º
Não resulta do Plano Diretor Municipal que é exigível uma área do terreno para habitação no mínimo de 25%.

65º
Relativamente à Recomendação 2/77, uma vez que esta data de 14 de julho de 2015, não é relativa à hasta pública em causa nesta ação, tendo, por isso, caducado e não sendo aplicável. 




   
Nestes termos e nos melhores de direito e com o sempre mui douto suprimento de V. Exa., em face do sobredito, deve a presente ação ser julgada totalmente improcedente por não provada e em consequência declarem-se válidos os atos praticados pela R.


Valor da causa: o da ação.

Junta:
Anexo A e B: procurações forenses
https://drive.google.com/file/d/1pMUe9XbYn5vWKBJAupUIE2SBIF-cqUvm/view?usp=sharing

Anexo C: parecer ambiental
https://drive.google.com/file/d/1PmuFzuD9OCbknWW4LYAuafI1XP9L4Hxn/view

Anexo D: planta “Operação Integrada Entrecampos”
http://www.cm-lisboa.pt/fileadmin/VIVER/Urbanismo/urbanismo/unidades/entrecampos/24_07_18/P02__Planta_Geral.PDF 

Anexo E: relatório da audiência pública
https://drive.google.com/file/d/1frbe71BVuGUlQu4nC_IrbgsnPG-PI6a8/view?usp=sharing


Prova testemunhal:

1.      Rita Miguel (Anabela Borges, Moradora);
2.     Margarida Nogueira (Josefa “Josélito”, filha do piloto da atração da principal da Feira Popular, o Poço da Morte);
3.      Catarina Melo (Vitória Verde, perita ambiental);

4.  Mafalda Romão Mateus (Graça Glória Garcia, Presidente da Associação de Moradores das Avenidas Novas).




As Advogadas,
Dr.ª Beatriz Lopes da Silva
Dr.ª Filipa Matos
Dr.ª Madalena Costa
Dr.ª Mariana Galante Afonso


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