Em 2004, o CPTA introduziu o novo modelo de contencioso
administrativo. Este modelo constitui o modelo do estado pós-social.
Este modelo traz a superação de dois dos principais
traumas originários do contencioso administrativo – contencioso privativo da
administração é superado, torna-se de plena jurisdição; e o direito já não
protege a administração, antes os direitos e interesses legítimos dos
particulares. Consagra-se assim um contencioso de natureza subjectiva.
Eram concebíveis duas vias para construir este novo
modelo. Uma opção era criar meios processuais, no sentido de a cada direito
corresponder uma acção, tirando inspiração do modelo germânico. A outra
possibilidade era concentrar em um ou dois meios processuais todos os pedidos que
pudessem ser feitos em sede do contencioso administrativo, permitindo que as
sentenças produzissem todos os efeitos possíveis. Esta última via é
influenciada pelo modelo francês/latino, e foi a que vingou no Direito
Português.
O artigo 268º da CRP, nos seus números 4 e 5, estabeleceu
uma revolução copernicana. Com base nestas disposições, os particulares podem
dirigir-se ao tribunal com vista a defender todo e qualquer direito, e o juiz
tem todos os poderes para providenciar tal tutela. Agora todos os direitos são susceptíveis de ser tutelados, todos os pedidos
podem ser deduzidos, e todos os pedidos podem ser cumulados.
Antes da Reforma de 2002/2004, distinguia-se entre dois
modelos: a acção comum e a acção especial. Distinguia-se entre ambos em razão
da forma da actuação da Administração.
O acto e o
regulamento, independentemente do pedido em causa, davam origem a acção
especial. A acção administrativa especial era o meio para reagir contra actos e
regulamentos, mas também para quando houvesse uma cumulação de pedidos nos
termos do art. 5º. Assim sendo, quase todos os processos recaíam neste tipo de
acção, e a acção especial era, na prática, a acção comum. Esta divisão
baseava-se em critérios substantivos e correspondia a lógica do administrador-juiz
e do juiz que só tinha poderes de condenação.
Outro problema que surgia era que o
legislador administrativo só regulava a acção especial. A acção comum era
regulada pelo processo civil. Mas as normas de processo administrativo devem
ser autónomas, porque o Contencioso Administrativo é um ramo autónomo do Processo
Civil.
Desde a Reforma de 2004, há só um modelo: a acção
administrativa. A este novo modelo associa-se a ideia das “acções de
guarda-chuva” (leia-se, de amplo espectro), pois há uma única acção de amplo
efeito, à qual pode corresponder qualquer um dos três tipos de sentença (acção
de condenação, acção constitutiva ou acção de simples apreciação positiva ou
negativa). Isto resulta do artigo 2º, número 2 do CPTA, que dispõe que a todo o
direito corresponde a tutela adequada. Assim, consagra-se uma tutela efectiva através de um meio
processual completo e eficaz destinado à tutela efectiva dos direitos do
particular.
Contudo, ao criar esta nova figura, o legislador não recorreu
a critérios correctos ou sequer a uma aplicação uniforme dos critérios incorrectos.
À acção administrativa correspondem hoje quatro subacções
autónomas com regras específicas relativas ao objecto, aos poderes do juiz, à marcha
do processo e aos pressupostos processuais. Ou seja, em bom rigor, estamos
perante quatro acções diferentes. A acção administrativa
desdobra-se em:
·
Sub-acção de impugnação (critério processual) de actos administrativos
(critério substantivo)
·
Subacção de condenação (critério processual) à prática de actos devidos (critério
substantivo)
·
Subacção da
impugnação de normas regulamentares
·
Subacção de
condenação da Administração Pública à emissão de normas
Pergunta-se então: o que é que o legislador deveria ter feito para obviar a
esta realidade?
Em primeiro lugar, o legislador deveria ter juntado todos
os pedidos de simples apreciação relativos a qualquer forma de actuação da
Administração (actos, regulamentos, contratos, etc.) e ter criado normas comuns
a esses pedidos; repetindo esta técnica legislativa quanto aos pedidos de
condenação e aos pedidos de anulação. Não tendo seguido este caminho, o
Contencioso Administrativo prevê hoje formalmente uma acção para pedidos
diferentes.
Para além disto, o critério que devia ter sido usado era
o do tipo de pedido. Se o legislador não achasse
correcto usar este critério, podia ter recorrido ao critério das formas de actuação administrativa. Embora este
não fosse porventura o melhor, seria coerente admitir para cada tipo de
actuação uma acção.
A solução perfeita teria sido o uso só de critérios
processuais, acrescido de uma aplicação coerente dos mesmos.
Aquilo que foi muito positivo (a unificação dos meios
processuais) acaba por ser ofuscado por um mau estratagema legislativo. O legislador não levou
até ao fim a mudança ao criar indirectamente subacções que são verdadeiras
acções, e que são determinadas com uma mistura promíscua de critérios
processuais e substantivos.
Beatriz San Payo (140114080)
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