Transcrição da entrevista ao legislador, no dia 01 de Fevereiro de 2001:
Entrevistador (E): Boa tarde, doutor Luís Lei. Em sede de
um projecto de lei que está a ser elaborado para a Reforma que se avizinha, vínhamos
aqui pedir-lhe uns esclarecimentos para os nossos leitores que, embora muito
curiosos, não entendem as implicações desta reforma. Avançamos já que sabemos
que o Doutor foi dos primeiros a sugerir estas alterações, já desde os anos 80.
Se calhar começo por lhe dar um exemplo, e o Doutor explica-nos como é que o
Direito actual não é adequado.
Legislador (LL): Antes de mais, boa tarde senhor
Entrevistador. Agradeço que me tenha convidado para discutir esta Reforma, que
é dos momentos mais relevantes deste novo século.
Entrevistador (E): Muito obrigada. Ora, suponhamos que um
particular (para efeitos desta entrevista, chamemos-lhe José da Silva) é
obrigado pela Administração a realizar obras num prédio seu, que arrenda a
inquilinos, por força do estado devoluto do imóvel. José da Silva, ao ser
notificado desta situação, revolta-se e diz “Eu? Não devo nada a ninguém, era o
que mais me faltava”. José decide então consultar a lei, mais especificamente o
CPTA, para aferir se tem a possibilidade de impugnar esta ordem. Mas por muito
que José folheie e folheie, nada encontra sobre ser um sujeito no Contencioso
Administrativo. José entra então em cólera e diz “Quer dizer, já me obrigam a
fazer obras que eu nem quero fazer, e depois nem me tratam como uma pessoa, só
como um objecto! Eu nem tenho direitos! Isto é um ultraje!”. Como é que o
senhor Lei responderia a estas acusações?
LL: A cólera do senhor da Silva é muitíssimo justificada.
À data, a figura dos sujeitos simplesmente não é uma questão de contencioso
administrativo. O particular não é parte porque não é
um sujeito de direito, e a administração não é parte porque a administração e o
juiz pertencem à mesma parte do estado. Tanto a administração como os juízes pretendem
que haja a aplicação da lei e a realização do direito e do interesse público no
caso concreto. Portanto José da Silva está correcto: não há sujeitos
processuais! O acto é a única realidade com que se lida no contencioso
administrativo.
Na altura em que se determinou isto, a preocupação foi
arranjar forma de regular o acesso à justiça porque o contencioso não podia
estar aberto a tudo e todos. Qual é que foi então a solução? Foi objectivar o
processo e usar o critério da legitimidade. Neste caso então, o senhor da Silva
teria de demonstrar que tem um interesse fáctico. Este interesse tinha de ser
directo, pessoal e legítimo.
Ser o senhor da Silva ou qualquer outra pessoa é
irrelevante para os tribunais administrativos. Isto realmente é uma
objectivação que nem faz sentido, porque se desliga de um conceito base do
Direito: o direito deve ser criado para as pessoas.
E: Doutor Lei, devo admitir que estou ligeiramente
confuso com a sua resposta. Disse-me que o particular tem de ter um interesse directo,
pessoal e legítimo para poder reagir contra uma actuação da Administração,
correcto?
LL: Correcto.
E: Mas ter um interesse pessoal e legítimo não é o
equivalente a ter um direito?
LL: Ora aí está! Quaisquer opositores desta Reforma responderiam:
“Nada disso senhor Entrevistador, são alhos e bugalhos. A legitimidade é uma
realidade única e distinta, independente de quaisquer relações que impliquem
direitos”. Mas isto é uma ficção ainda maior que os filmes de Star Wars! Se o interesse é pessoal e legítimo, vai
corresponder a um direito do particular. Por isso falha-se na intenção de não
reconhecer a existência de direitos do particular.
E: Realmente parecia-me que ambos eram a mesma coisa. Ora
e diga-me agora, como é que a nossa recente integração da União Europeia afecta
esta concepção do contencioso administrativo português?
LL: Com esta reforma, vamos ter de construir o
contencioso à imagem e semelhança do modelo constitucional e europeu. Não só
vamos ter de começar a reconhecer os particulares enquanto verdadeiros sujeitos
com direitos, mas também vamos reconhecer as relações jurídicas subjacentes ao
processo. Só com este modelo é que conseguiremos respeitar tanto o artigo 211º,
número 3, como o artigo 268º, números 4 e 5, da nossa bela Constituição.
A legitimidade vai necessariamente ter de deixar de ser
vista como uma realidade única independente da relação substantiva, e passar a
ser vista como um verdadeiro pressuposto processual que chama ao processo os
sujeitos da relação material controvertida. Estas alterações vão
certamente ser do agrado do senhor José da Silva e de todos os particulares que
se sentiram negligenciados pelo nosso modelo até agora.
E: Certamente que sim! Pode elaborar então qual é que vai
ser o nosso quadro jurídico após esta Reforma, em termos mais específicos?
LL: Com todo o gosto. A partir desta Reforma, tudo vai
mudar. A legitimidade processual estar ligada à qualidade de sujeito
processual. O particular tem direitos e deveres no quadro de uma relação
jurídica, e vai ser este particular que vai estar em juízo. Passa-se a
reconhecer uma relação substantiva e uma relação processual, naquilo que
pretendemos que sejam os futuros artigos 9º e 10º do CPTA. Avizinham-se tempos
muito positivos para o Direito português.
E: Muito obrigada pelo seu tempo, Doutor Lei. Agora sim
os nossos leitores saberão com o que contar com esta Reforma. E diga-nos, já se
sabe quando entrará em vigor esta Reforma?
LL: Pois senhor Entrevistador, infelizmente essa é a
única falha deste projecto. Ele estará pronto já para o ano que vem, mas neste
mundo liderado por políticas, já prevejo que teremos de esperar uns aninhos
para toda a gente se ambientar a estas mudanças radicais. Enfim, mais vale
tarde que nunca!
Beatriz San Payo (140114080)
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