quarta-feira, 12 de dezembro de 2018

Entrevista ao legislador


Transcrição da entrevista ao legislador,  no dia 01 de Fevereiro de 2001:

Entrevistador (E): Boa tarde, doutor Luís Lei. Em sede de um projecto de lei que está a ser elaborado para a Reforma que se avizinha, vínhamos aqui pedir-lhe uns esclarecimentos para os nossos leitores que, embora muito curiosos, não entendem as implicações desta reforma. Avançamos já que sabemos que o Doutor foi dos primeiros a sugerir estas alterações, já desde os anos 80. Se calhar começo por lhe dar um exemplo, e o Doutor explica-nos como é que o Direito actual não é adequado.

Legislador (LL): Antes de mais, boa tarde senhor Entrevistador. Agradeço que me tenha convidado para discutir esta Reforma, que é dos momentos mais relevantes deste novo século.

Entrevistador (E): Muito obrigada. Ora, suponhamos que um particular (para efeitos desta entrevista, chamemos-lhe José da Silva) é obrigado pela Administração a realizar obras num prédio seu, que arrenda a inquilinos, por força do estado devoluto do imóvel. José da Silva, ao ser notificado desta situação, revolta-se e diz “Eu? Não devo nada a ninguém, era o que mais me faltava”. José decide então consultar a lei, mais especificamente o CPTA, para aferir se tem a possibilidade de impugnar esta ordem. Mas por muito que José folheie e folheie, nada encontra sobre ser um sujeito no Contencioso Administrativo. José entra então em cólera e diz “Quer dizer, já me obrigam a fazer obras que eu nem quero fazer, e depois nem me tratam como uma pessoa, só como um objecto! Eu nem tenho direitos! Isto é um ultraje!”. Como é que o senhor Lei responderia a estas acusações?

LL: A cólera do senhor da Silva é muitíssimo justificada. À data, a figura dos sujeitos simplesmente não é uma questão de contencioso administrativo. O particular não é parte porque não é um sujeito de direito, e a administração não é parte porque a administração e o juiz pertencem à mesma parte do estado. Tanto a administração como os juízes pretendem que haja a aplicação da lei e a realização do direito e do interesse público no caso concreto. Portanto José da Silva está correcto: não há sujeitos processuais! O acto é a única realidade com que se lida no contencioso administrativo.  
Na altura em que se determinou isto, a preocupação foi arranjar forma de regular o acesso à justiça porque o contencioso não podia estar aberto a tudo e todos. Qual é que foi então a solução? Foi objectivar o processo e usar o critério da legitimidade. Neste caso então, o senhor da Silva teria de demonstrar que tem um interesse fáctico. Este interesse tinha de ser directo, pessoal e legítimo.
Ser o senhor da Silva ou qualquer outra pessoa é irrelevante para os tribunais administrativos. Isto realmente é uma objectivação que nem faz sentido, porque se desliga de um conceito base do Direito: o direito deve ser criado para as pessoas.

E: Doutor Lei, devo admitir que estou ligeiramente confuso com a sua resposta. Disse-me que o particular tem de ter um interesse directo, pessoal e legítimo para poder reagir contra uma actuação da Administração, correcto?

LL: Correcto.

E: Mas ter um interesse pessoal e legítimo não é o equivalente a ter um direito?

LL: Ora aí está! Quaisquer opositores desta Reforma responderiam: “Nada disso senhor Entrevistador, são alhos e bugalhos. A legitimidade é uma realidade única e distinta, independente de quaisquer relações que impliquem direitos”. Mas isto é uma ficção ainda maior que os filmes de Star Wars!  Se o interesse é pessoal e legítimo, vai corresponder a um direito do particular. Por isso falha-se na intenção de não reconhecer a existência de direitos do particular.

E: Realmente parecia-me que ambos eram a mesma coisa. Ora e diga-me agora, como é que a nossa recente integração da União Europeia afecta esta concepção do contencioso administrativo português?

LL: Com esta reforma, vamos ter de construir o contencioso à imagem e semelhança do modelo constitucional e europeu. Não só vamos ter de começar a reconhecer os particulares enquanto verdadeiros sujeitos com direitos, mas também vamos reconhecer as relações jurídicas subjacentes ao processo. Só com este modelo é que conseguiremos respeitar tanto o artigo 211º, número 3, como o artigo 268º, números 4 e 5, da nossa bela Constituição.
A legitimidade vai necessariamente ter de deixar de ser vista como uma realidade única independente da relação substantiva, e passar a ser vista como um verdadeiro pressuposto processual que chama ao processo os sujeitos da relação material controvertida. Estas alterações vão certamente ser do agrado do senhor José da Silva e de todos os particulares que se sentiram negligenciados pelo nosso modelo até agora.

E: Certamente que sim! Pode elaborar então qual é que vai ser o nosso quadro jurídico após esta Reforma, em termos mais específicos?

LL: Com todo o gosto. A partir desta Reforma, tudo vai mudar. A legitimidade processual estar ligada à qualidade de sujeito processual. O particular tem direitos e deveres no quadro de uma relação jurídica, e vai ser este particular que vai estar em juízo. Passa-se a reconhecer uma relação substantiva e uma relação processual, naquilo que pretendemos que sejam os futuros artigos 9º e 10º do CPTA. Avizinham-se tempos muito positivos para o Direito português.

E: Muito obrigada pelo seu tempo, Doutor Lei. Agora sim os nossos leitores saberão com o que contar com esta Reforma. E diga-nos, já se sabe quando entrará em vigor esta Reforma?

LL: Pois senhor Entrevistador, infelizmente essa é a única falha deste projecto. Ele estará pronto já para o ano que vem, mas neste mundo liderado por políticas, já prevejo que teremos de esperar uns aninhos para toda a gente se ambientar a estas mudanças radicais. Enfim, mais vale tarde que nunca!


Beatriz San Payo (140114080)

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