terça-feira, 11 de dezembro de 2018

O fim do regime dualista da Ação Administrativa Comum/Especial


O fim do regime dualista da Ação Administrativa Comum/Especial

 Na reforma do Contencioso Administrativo levada a cabo em 2002-2004, o legislador, na construção e organização dos meios processuais que permitiam a defesa dos direitos levados a juízo, optou por manter uma distinção, quanto aos processos não urgentes, baseada na suposta especificidade dos atos típicos de exercício do poder administrativo. Surge então, por um lado, a Ação Administrativa Especial, destinada à impugnação de atos e regulamentos administrativos, bem como à condenação da Administração na prática de atos, e também regulamentos, legalmente devidos, e, por outro, a Ação Administrativa Comum, para todas as ações que não respeitem aquela forma de atuação administrativa e, consequentemente, aquela forma de processo.

Se olharmos para os processos especiais, para além dos urgentes, tudo se reduzia à dicotomia ação comum/ação especial. O que significava que o legislador tinha optado pelo modelo francês ou latino de organização administrativa e tinha concentrado em dois meios processuais todo o Contencioso Administrativo, admitindo que fossem apresentados todos os pedidos e que as sentenças tivessem o conteúdo desses pedidos.

A distinção entre ação comum e ação especial, como meios processuais genéricos, não estava relacionada com o pedido nem era determinada por razões de ordem processual, sendo que esta distinção era, para o Professor Vasco Pereira da Silva, um disparate. O legislador adotava, na versão originária, uma redação que se aproximava do direito civil, sendo que adotava então dois critérios distintos: critério da ação comum e critério da ação especial.

Não faria então sentido estabelecer uma diferenciação de meios processuais com base em razões substantivas, pois tal significaria que o legislador estaria a adotar critérios que dependeriam apenas de uma realidade de natureza substantiva e que condicionaria as escolhas processuais. Existia então aqui outro problema, que era o da inadequação das expressões “especial” e “comum”. Estas expressões tinham uma marca psicanalítica muito intensa, na medida em que se dizia que a ação era especial porque o juiz estava limitado nos seus poderes. A partir do momento em que já não é assim, e em que as ações especiais admitiam pedidos de condenação e simples apreciação ao lado dos pedidos de anulação, então não havia qualquer razão para ser chamado de comum e especial. Existe, por um lado, a questão da lógica algo esquizofrénica, em distinguir os meios processuais, não com base em critérios de natureza processual, mas sim substantiva e uma desadequação entre o nome e a natureza da coisa.

Como sabemos, os pedidos relativos a atos e regulamentos dão origem à maior parte dos litígios no quadro do Contencioso Administrativo e se, para além disso, ainda houvesse uma norma em que era dito que havia pedidos relativos ao ato e pedidos relativos ao regulamento em cumulação, na dúvida, utilizar-se-ia a ação administrativa especial, sendo que esta ação iria transformar-se num meio adequado. Ou seja, sempre que houvesse uma cumulação com um pedido de ato ou regulamento, a ação administrativa especial era o meio adequado.

Outro inconveniente da utilização deste sistema era o de que o legislador, na versão de 2004 do CPTA, só tinha regulado a tramitação da ação especial e remetia a tramitação da ação comum para o processo civil e tal não fazia sentido.

 Aquilo que existia em 2004 era, para o Professor Vasco Pereira da Silva, um completo contrassenso. Faz sentido que todas as ações possam gerar todo o tipo de sentenças e que os pedidos sejam admitidos em termos generalizados, mas não faz sentido fazer uma distinção artificial que não se baseia em critérios processuais, mas sim em critérios substantivos.
 Em 2015, verificaram-se algumas mudanças, na medida em que existiu uma unificação das ações, acabando com a distinção artificial entre ação comum e ação especial. Esta nova ação administrativa, como meio principal não urgente, permite a tutela de todos os direitos, o que implica a formulação de todos os pedidos e dá origem à existência de todo o tipo de sentenças por parte dos tribunais administrativos. Este novo meio processual garante então a tutela plena e efetiva dos direitos dos particulares, e não introduz distinções esquizofrénicas.

Mas, apesar de tudo isto, o Professor Vasco Pereira da Silva mantém uma crítica, na medida em que, no momento em que o legislador unificou os meios processuais, passa a existir, efetivamente, uma única ação administrativa, mas nas normas que regulam essa ação administrativa, chega-se á conclusão que o legislador continua a distinguir, dentro da ação administrativa especial, subespécies de ações, determinadas não apenas por razões processuais mas pelas mesmas razões substantivas, designadamente o recurso às formas de atuação administrativa, e tal é errado na lógica de um código de processo.

O legislador criou então um único meio processual e quatro diferentes subespécies determinadas por razões de natureza substantiva. A realidade unitária é assim mais aparente do que real, sendo que o legislador não unificou os meios processuais como pretendia.



Bibliografia:  Vasco Pereira da Silva, “O Contencioso Administrativo no Divã da Psicanálise”, 2ª edição, Almedina, 2009.


Francisco Calheiros - 140115143

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