O fim do
regime dualista da Ação Administrativa Comum/Especial
Na reforma do Contencioso Administrativo
levada a cabo em 2002-2004, o legislador, na construção e organização dos meios
processuais que permitiam a defesa dos direitos levados a juízo, optou por
manter uma distinção, quanto aos processos não urgentes, baseada na suposta
especificidade dos atos típicos de exercício do poder administrativo. Surge
então, por um lado, a Ação Administrativa
Especial, destinada à impugnação de atos e regulamentos administrativos, bem como
à condenação da Administração na prática de atos, e também regulamentos, legalmente
devidos, e, por outro, a Ação
Administrativa Comum, para todas as ações que não
respeitem aquela forma de atuação administrativa e, consequentemente, aquela
forma de processo.
Se olharmos para os processos especiais, para
além dos urgentes, tudo se reduzia à dicotomia ação comum/ação especial. O que
significava que o legislador tinha optado pelo modelo francês ou latino de
organização administrativa e tinha concentrado em dois meios processuais todo o
Contencioso Administrativo, admitindo que fossem apresentados todos os pedidos
e que as sentenças tivessem o conteúdo desses pedidos.
A distinção entre ação comum e ação especial,
como meios processuais genéricos, não estava relacionada com o pedido nem era determinada
por razões de ordem processual, sendo que esta distinção era, para o Professor
Vasco Pereira da Silva, um disparate. O legislador adotava, na versão
originária, uma redação que se aproximava do direito civil, sendo que adotava
então dois critérios distintos: critério da ação comum e critério da ação
especial.
Não faria então sentido estabelecer uma
diferenciação de meios processuais com base em razões substantivas, pois tal
significaria que o legislador estaria a adotar critérios que dependeriam apenas
de uma realidade de natureza substantiva e que condicionaria as escolhas
processuais. Existia então aqui outro problema, que era o da inadequação das expressões
“especial” e “comum”. Estas expressões tinham uma marca psicanalítica muito
intensa, na medida em que se dizia que a ação era especial porque o juiz estava
limitado nos seus poderes. A partir do momento em que já não é assim, e em que
as ações especiais admitiam pedidos de condenação e simples apreciação ao lado
dos pedidos de anulação, então não havia qualquer razão para ser chamado de
comum e especial. Existe, por um lado, a questão da lógica algo esquizofrénica,
em distinguir os meios processuais, não com base em critérios de natureza processual,
mas sim substantiva e uma desadequação entre o nome e a natureza da coisa.
Como sabemos, os pedidos relativos a atos e
regulamentos dão origem à maior parte dos litígios no quadro do Contencioso Administrativo
e se, para além disso, ainda houvesse uma norma em que era dito que havia
pedidos relativos ao ato e pedidos relativos ao regulamento em cumulação, na
dúvida, utilizar-se-ia a ação administrativa especial, sendo que esta ação iria
transformar-se num meio adequado. Ou seja, sempre que houvesse uma cumulação
com um pedido de ato ou regulamento, a ação administrativa especial era o meio
adequado.
Outro inconveniente da utilização deste
sistema era o de que o legislador, na versão de 2004 do CPTA, só tinha regulado
a tramitação da ação especial e remetia a tramitação da ação comum para o processo
civil e tal não fazia sentido.
Aquilo que existia em 2004 era, para o
Professor Vasco Pereira da Silva, um completo contrassenso. Faz sentido que
todas as ações possam gerar todo o tipo de sentenças e que os pedidos sejam admitidos
em termos generalizados, mas não faz sentido fazer uma distinção artificial que
não se baseia em critérios processuais, mas sim em critérios substantivos.
Em 2015, verificaram-se algumas mudanças, na
medida em que existiu uma unificação das ações, acabando com a distinção artificial
entre ação comum e ação especial. Esta nova ação administrativa, como meio
principal não urgente, permite a tutela de todos os direitos, o que implica a
formulação de todos os pedidos e dá origem à existência de todo o tipo de sentenças
por parte dos tribunais administrativos. Este novo meio processual garante
então a tutela plena e efetiva dos direitos dos particulares, e não introduz
distinções esquizofrénicas.
Mas, apesar de tudo isto, o Professor Vasco
Pereira da Silva mantém uma crítica, na medida em que, no momento em que o
legislador unificou os meios processuais, passa a existir, efetivamente, uma
única ação administrativa, mas nas normas que regulam essa ação administrativa,
chega-se á conclusão que o legislador continua a distinguir, dentro da ação
administrativa especial, subespécies de ações, determinadas não apenas por
razões processuais mas pelas mesmas razões substantivas, designadamente o
recurso às formas de atuação administrativa, e tal é errado na lógica de um
código de processo.
O legislador criou então um único meio
processual e quatro diferentes subespécies determinadas por razões de natureza
substantiva. A realidade unitária é assim mais aparente do que real, sendo que
o legislador não unificou os meios processuais como pretendia.
Bibliografia: Vasco Pereira da Silva, “O Contencioso Administrativo no Divã da Psicanálise”, 2ª edição, Almedina, 2009.
Bibliografia: Vasco Pereira da Silva, “O Contencioso Administrativo no Divã da Psicanálise”, 2ª edição, Almedina, 2009.
Francisco
Calheiros - 140115143
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