quarta-feira, 5 de dezembro de 2018

Cadernos de Justiça Administrativa- Mai./Jun. 2018


Estado deixa fugir homicida. Quem é o responsável e quem decide?


Revisitando os Cadernos de Justiça Administrativa, desta vez trago um texto do Sr. Prof. Ricardo Pedro sobre o fundamento da responsabilidade civil do Estado e de que forma se relaciona com a Jurisdição administrativa.

A minha concepção não jurídica da responsabilidade do estado está altamente influenciada pelo últimos anos de governação. Aliás, a única responsabilidade pedida é a responsabilidade política tão adorada pelas “oposições” que vão passando pela Assembleia da República. Neste post vou apenas cingir-me a questões bem mais pragmáticas (jurídicas), sob pena de escrever um longo texto sobre o “Estado da Nação”.

O acórdão comentado nesta edição dos CJA é do Supremo Tribunal de Justiça e é o Processo 1537/15.2T8SNT.L1.S1. No que diz respeito à matéria de facto, muito sucintamente, o que se passou foi que um cidadão Brasileiro matou um cidadão português. Foram-lhe aplicadas medidas de coação(proibição de se ausentar de Portugal) e em violação das mesmas, o cidadão brasileiro conseguiu fugir para o Brasil. Posteriormente, os pais da vitima interpuseram uma ação administrativa comum contra o Estado Português, junto dos Tribunais Administrativos. O tribunal Administrativo considerou-se incompetente, declarando procedente a exceção dilatória invocada pelo Ministério Público (que representou o Estado Português). Desta forma, o processo chegou à Relação e consequentemente, ao Supremo Tribunal de justiça. 

O STJ começa por imputar a responsabilidade ao Estado em consequência do mau funcionamento da justiça. Esta questão do Mau Funcionamento da Justiça distingue-se da Administração da Justiça (que se prende mais com as condutas dos órgãos da administração que “aplicam” a justiça, como os Juizes, a policia…). O Mau Funcionamento da Justiça pode ser definido, nas palavras do Professor Ricardo Pedro, como “um conceito indeterminado que inclui as ações ou omissões processuais, deveres de natureza administrativa ou constitucional ocorridos no âmbito da administração da Justiça (…) que estejam em desacordo com o Standard adequado de garantia de tutela jurisdicional efetiva.” Ora, neste caso parece estar verificada esta situação, dado que o tribunal sabia que o arguido pretendia ausentar-se do território nacional, indeferiu esse pedido e depois não foi feita uma comunicação ao SEF, para que a autoridade que controla as fronteiras pudesse inserir no sistema a proibição do arguido de se ausentar do território nacional. Prossegue o tribunal, encontrando fundamento para a indemnização na frustração da confiança dos pais da vítima, uma vez que já tinha havido condenação e mesmo assim o homicida conseguiu fugir do país. Aliás, como de resto, resulta de doutrina autorizada do direito civil e do direito administrativo ao estarem verificados todos os pressupostos de violação da tutela da confiança. O STJ acaba por condenar o Estado no pagamento de uma indemnização aos pais da vítima com fundamento na violação da Tutela da confiança.

Pode parecer estranho trazer uma decisão do STJ para um blog de contencioso administrativo, No entanto, é a questão da competência dos Tribunais administrativos que está em causa. Não sendo por isso o STJ competente para proferir esta decisão. Assim, a jurisdição competente para decidir um caso de responsabilidade civil do Estado(neste caso, pelo mau funcionamento da justiça) é a jurisdição administrativa. Aliás, é o que resulta do saudoso e “bem legislado” artigo 4º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF). Não tratando este caso de erro judiciário, não se aplica a exceção de não aplicação do ETAF do nº4, devendo ser aplicada a alínea g) ou até a alínea a) do número 1 do artigo 4º do ETAF. 

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