Eu, Tu e o
Emplastro. Será assim?
Com a
modernização do Direito Administrativo ultrapassou-se a visão tradicional das
decisões administrativas configurada em moldes bilaterais, construindo-se
então, relações administrativas multilaterais que passaram a valorizar a
posição de determinados terceiros visto que, estes podem ser directamente
beneficiados ou prejudicados nas intervenções administrativas, para além dos
destinatários directos dessas decisões, acarretando estas um "fenómeno de
efeito pulverizador".
É nestes
termos que surge a figura do "contra-interessado", prevista nos
artigos 57 e 68/2 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos,
doravante desigando por CPTA. Daqui retira-se que constituem
contra-interessados, devendo ser demandados, aqueles que sejam titulares de
interesses contrapostos aos do autor, nos processos de impugnação de actos
administrativos e nos processos de condenação à prática de actos
administrativos, em situação de litisconsórcio necessário passivo, ou seja, são
pessoas que podem ser prejudicadas através da procedência da acção ou que têm
um interesse em manter determinada situação que é trazida a juízo pelo autor.
Na acção administrativa comum, os contra-interessados são chamados ao processo
nos termos do artigo 10/1 do CPTA.
Os
contra-interessados são titulares de direitos subjectivos que podem ser lesados
em actuações processuais de outras pessoas, o que implica uma garantia da
tutela jurisdicional efectiva, prevista nos artigos 20 e 268/4 da Constituição
da República Portuguesa. Deste modo, encontramos um fundamento
jurídico-constitucional para que haja chamamento ao processo dos
contra-interessados, assegurando assim a possibilidade de participarem no
processo em causa e, respeitando então o princípio do contraditório e o
princípio da igualdade das partes.
É debatido
na doutrina se os contra-interessados são verdadeiras partes no processo ou
apenas terceiros, questão que nos parece que tem vindo a convergir.
O Professor
Vasco Pereira da Silva entendeu desde sempre que, os contra-interessados são,
nas suas palavras, verdadeiros "sujeitos principais da relação jurídica
multilateral, enquanto titulares de posições jurídicas de vantagem conexas com
as da Administração, intervindo nesses termos no processo". Como argumentos
para esta qualificação, refere a interpretação sistemática do CPTA, bem como o
facto de as referidas posições de vantagem serem juridicamente protegidas e
ainda, a questão das relações administrativas do moderno contencioso
administrativo assentar em moldes multilaterais, implicando uma revalorização
da posição daqueles "terceiros".
O Professor
Mário Aroso de Almeida perfilha esta posição, pois entende, desde logo, que os
artigos 10/1/parte final, 57 e 68/2 atribuem o estatuto de partes à figura em
análise. Indo ainda mais longe, refere que, "o universo dos
contra-interessados é mais amplo, estendendo-se a todos aqueles que, por terem
visto ou poderem vir a ver a respectiva situação jurídica defendida pelo acto
administrativo praticado ou a praticar, têm direito de não serem deixados à
margem do processo". Deste modo, o Professor considera que, o que está em
causa não é a titularidade de um interesse contraposto ao do autor na acção,
mas sim assegurar que o processo não corra à revelia de pessoas que podem vir a
ser prejudicadas ou beneficiadas.
Posição
contrária chegou a ser defendida pelo Professor Vieira de Andrade. Partia do
entendimento que são consideradas partes as pessoas ou entidades que requerem e
aquelas contra a qual é requerida a providência judiciária, tendo chegado a
defender que, os contra-interessados não eram partes principais pois ocupavam
uma posição secundária relativamente à entidade demandada, pelo que poderiam
ser designados como partes "quase-principais" ou "quase-necessárias".
No entanto, como na acção administrativa especial há uma obrigação legal de se
indicar na petição inicial e de se citar eventuais contra-interessados, isto
confere-lhes poderes processuais próprios das partes, com por exemplo o de
contestar e o de alegar, logo não parece existir dúvidas para o referido
Professor de que, actualmente, os contra-interessados são configurados na lei
como partes.
No âmbito
das acções de impugnação de actos administrativos, o artigo 57 do CPTA enuncia
quem deve ser considerado contra-interessado.
Ainda
assim, no caso concreto, a identificação dos contra-interessados constitui uma
questão complexa, pois a doutrina tem vindo a propor várias soluções neste
campo. Os critérios identificadores daquela figura apontados pela doutrina são:
- Critério do
acto impugnado: através do qual se identifica o contra-interessado quando o
acto administrativo atribua uma vantagem específica àquele terceiro;
- Critério
da posição substantiva do terceiro: segundo este, o contra-interessado tem de
ser titular de um interesse, pessoal, directo e actual ao do autor, embora
contrário;
- critério
dos efeitos da sentença: identifica o contra-interessado através de um juízo de
prognose pelo qual se conclui que a esfera jurídica daquela pessoa será
directamente afectada pela decisão que venha a ser tomada.
Na opinião
do Dr. Francisco Paes Marques, este último critério é o mais adequado visto
que, a lesão na esfera do terceiro só ocorre, efectivamente, depois da decisão
final do processo, assim há que prever essa afectação através da antecipação
desses efeitos5.
No entanto,
parece-nos que o moderno contencioso administrativo adopta um critério misto,
combinando os critérios supra referidos, não sendo a melhor opção6.
Adoptando,
quanto a este ponto, a posição do Dr. Francisco Paes Marques, só deverá ser
considerado contra-interessado os seguintes terceiros:
- quem
esteja investido numa posição de vantagem atribuída directamente pela ordem
jurídica, possuindo assim um direito subjectivo, não sendo suficiente um mero
interesse de facto;
-
existência de uma colisão directa entre o interesse do autor e o do terceiro;
- o
benefício ou a lesão decorra directamente e imediatamente dos efeitos da
sentença7.
Quanto às
acções de condenação à prática do acto administrativo legalmente devido,
regulada no artigo 68/2 do CPTA, parece-nos que, sempre que estiver em juízo
uma pretensão de condenação da Administração à prática de determinado acto
administrativo extractivo que sobrevenha na esfera de um outro particular, o
mesmo tem de constituir-se como contra-interessado nesse processo.
Em jeito de
conclusão, não nos parece existir dúvidas que o novo contencioso
administrativo, ao adoptar um modelo multipolar de relações jurídicas administrativas,
valorizou a posição dos contra-interessados, figura original do contencioso
administrativo face ao processo civil.
Teresa Sande Lemos
140115030
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