terça-feira, 11 de dezembro de 2018

Eu, Tu e o Emplastro. Será assim?


Eu, Tu e o Emplastro. Será assim?

Com a modernização do Direito Administrativo ultrapassou-se a visão tradicional das decisões administrativas configurada em moldes bilaterais, construindo-se então, relações administrativas multilaterais que passaram a valorizar a posição de determinados terceiros visto que, estes podem ser directamente beneficiados ou prejudicados nas intervenções administrativas, para além dos destinatários directos dessas decisões, acarretando estas um "fenómeno de efeito pulverizador".
É nestes termos que surge a figura do "contra-interessado", prevista nos artigos 57 e 68/2 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, doravante desigando por CPTA. Daqui retira-se que constituem contra-interessados, devendo ser demandados, aqueles que sejam titulares de interesses contrapostos aos do autor, nos processos de impugnação de actos administrativos e nos processos de condenação à prática de actos administrativos, em situação de litisconsórcio necessário passivo, ou seja, são pessoas que podem ser prejudicadas através da procedência da acção ou que têm um interesse em manter determinada situação que é trazida a juízo pelo autor. Na acção administrativa comum, os contra-interessados são chamados ao processo nos termos do artigo 10/1 do CPTA.
Os contra-interessados são titulares de direitos subjectivos que podem ser lesados em actuações processuais de outras pessoas, o que implica uma garantia da tutela jurisdicional efectiva, prevista nos artigos 20 e 268/4 da Constituição da República Portuguesa. Deste modo, encontramos um fundamento jurídico-constitucional para que haja chamamento ao processo dos contra-interessados, assegurando assim a possibilidade de participarem no processo em causa e, respeitando então o princípio do contraditório e o princípio da igualdade das partes.
É debatido na doutrina se os contra-interessados são verdadeiras partes no processo ou apenas terceiros, questão que nos parece que tem vindo a convergir.
O Professor Vasco Pereira da Silva entendeu desde sempre que, os contra-interessados são, nas suas palavras, verdadeiros "sujeitos principais da relação jurídica multilateral, enquanto titulares de posições jurídicas de vantagem conexas com as da Administração, intervindo nesses termos no processo". Como argumentos para esta qualificação, refere a interpretação sistemática do CPTA, bem como o facto de as referidas posições de vantagem serem juridicamente protegidas e ainda, a questão das relações administrativas do moderno contencioso administrativo assentar em moldes multilaterais, implicando uma revalorização da posição daqueles "terceiros".
O Professor Mário Aroso de Almeida perfilha esta posição, pois entende, desde logo, que os artigos 10/1/parte final, 57 e 68/2 atribuem o estatuto de partes à figura em análise. Indo ainda mais longe, refere que, "o universo dos contra-interessados é mais amplo, estendendo-se a todos aqueles que, por terem visto ou poderem vir a ver a respectiva situação jurídica defendida pelo acto administrativo praticado ou a praticar, têm direito de não serem deixados à margem do processo". Deste modo, o Professor considera que, o que está em causa não é a titularidade de um interesse contraposto ao do autor na acção, mas sim assegurar que o processo não corra à revelia de pessoas que podem vir a ser prejudicadas ou beneficiadas.
Posição contrária chegou a ser defendida pelo Professor Vieira de Andrade. Partia do entendimento que são consideradas partes as pessoas ou entidades que requerem e aquelas contra a qual é requerida a providência judiciária, tendo chegado a defender que, os contra-interessados não eram partes principais pois ocupavam uma posição secundária relativamente à entidade demandada, pelo que poderiam ser designados como partes "quase-principais" ou "quase-necessárias". No entanto, como na acção administrativa especial há uma obrigação legal de se indicar na petição inicial e de se citar eventuais contra-interessados, isto confere-lhes poderes processuais próprios das partes, com por exemplo o de contestar e o de alegar, logo não parece existir dúvidas para o referido Professor de que, actualmente, os contra-interessados são configurados na lei como partes.

No âmbito das acções de impugnação de actos administrativos, o artigo 57 do CPTA enuncia quem deve ser considerado contra-interessado.
Ainda assim, no caso concreto, a identificação dos contra-interessados constitui uma questão complexa, pois a doutrina tem vindo a propor várias soluções neste campo. Os critérios identificadores daquela figura apontados pela doutrina são:
- Critério do acto impugnado: através do qual se identifica o contra-interessado quando o acto administrativo atribua uma vantagem específica àquele terceiro;
- Critério da posição substantiva do terceiro: segundo este, o contra-interessado tem de ser titular de um interesse, pessoal, directo e actual ao do autor, embora contrário;
- critério dos efeitos da sentença: identifica o contra-interessado através de um juízo de prognose pelo qual se conclui que a esfera jurídica daquela pessoa será directamente afectada pela decisão que venha a ser tomada.
Na opinião do Dr. Francisco Paes Marques, este último critério é o mais adequado visto que, a lesão na esfera do terceiro só ocorre, efectivamente, depois da decisão final do processo, assim há que prever essa afectação através da antecipação desses efeitos5.
No entanto, parece-nos que o moderno contencioso administrativo adopta um critério misto, combinando os critérios supra referidos, não sendo a melhor opção6.
Adoptando, quanto a este ponto, a posição do Dr. Francisco Paes Marques, só deverá ser considerado contra-interessado os seguintes terceiros:
- quem esteja investido numa posição de vantagem atribuída directamente pela ordem jurídica, possuindo assim um direito subjectivo, não sendo suficiente um mero interesse de facto;
- existência de uma colisão directa entre o interesse do autor e o do terceiro;
- o benefício ou a lesão decorra directamente e imediatamente dos efeitos da sentença7.
Quanto às acções de condenação à prática do acto administrativo legalmente devido, regulada no artigo 68/2 do CPTA, parece-nos que, sempre que estiver em juízo uma pretensão de condenação da Administração à prática de determinado acto administrativo extractivo que sobrevenha na esfera de um outro particular, o mesmo tem de constituir-se como contra-interessado nesse processo.

Em jeito de conclusão, não nos parece existir dúvidas que o novo contencioso administrativo, ao adoptar um modelo multipolar de relações jurídicas administrativas, valorizou a posição dos contra-interessados, figura original do contencioso administrativo face ao processo civil.

Teresa Sande Lemos
140115030

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