quarta-feira, 5 de dezembro de 2018

A unificação da Contratação Pública

É no  sec XIX que surge a primeira “manifestação da dicotomia esquizofrénica” entre os contratos que se mantiveram da competência dos tribunais judiciais e os contratos que eram da competência dos tribunais administrativos. Distinguia-se entre contratos administrativos dos contratos de direito privado da Administração. Contudo, esta distinção carece de alguma incoerência uma vez que, quer o plano substantivo quer o plano processual era idêntico. A única diferenciação que se estabelecia, na prática, é que eram de competências judiciais diferentes, não se definindo um critério lógico de distinção.
     A própria noção de contrato administrativo era algo contraditória. Sendo o contrato administrativo um acordo de vontades entre o particular e a Administração, aquele, na sequência da celebração do mesmo ficaria numa situação de subjugação em relação ao poder administrativo. Há uma contradição nos termos, ou é obrigatório ou é um acordo de vontades. Apesar dessa distinção ilógica, no seguimento dos contratos celebrados com a Administração uns vão ser regulados pelo direito administrativo e outros pelo direito civil e como tal, as consequências a nível processual e substantivo vão ser diferentes. Do ponto de vista substantivo, considera-se dever existir um regime jurídico especial do direito público para os contratos administrativos e outro regime para os demais contratos realizados com a Administração. Entendia-se o direito administrativo como um conjunto de exceções ao direito “comum”. Na prática a Administração tinha poderes especiais no que dizia respeito à interpretação dos contratos, fiscalização, sanção, etc.
     Numa lógica de direito comparado, era apenas na Itália, Espanha, Franca e Portugal que se estabelecia esta distinção contraditória. Esta diferenciação entre contrato de direito administrativo e contrato de direito privado era adotada pela legislação consubstanciando-se, num duplo regime jurídico no exercício das funções administrativas.
É já nos anos 70/80 do séc. XX que em Portugal, a Professora Maria João Estorninho, começa a contestar esta distinção afirmando que não fazia sentido essa dúvida no domínio da Contratação Publica. Defende a unificação do contencioso contratual na Administração. Foram vários aqueles que aderiram a esta tese entre os quais, o Professor Marcelo Rebelo de Sousa, o Professor Vasco Pereira da Silva, entre outros. Provou-se de forma indiscutível que as únicas diferenças diziam respeito aos contratos em si, uns do interesse público e outros do interesse privado. Contudo, os resultados eram os mesmos – “ o que refletia desde logo uma eventual aproximação entre todos os contratos da Administração Pública”. De forma exemplificativa: podemos ter empreitada de obra pública e de obra privada mas os poderes são os mesmos do domínio do direito privado (poderes do dono da obra sancionar o empreiteiro). Independentemente de ser realizado por privados ou ser do interesse público, os contratos conduzem-se a uma realidade idêntica que não justifica o regime diverso.
      Nesta medida, vai ser a União Europeia a estabelecer um conjunto de regras reguladoras da Contratação Pública. Justificado pelo facto de ser uma unidade do ponto de vista de área de livre circulação de bens, pessoas e capitais seria necessário, a existência de regras comuns na Contratação Pública. Só assim, será possível, a título de exemplo, um estrangeiro participar num Concurso Público em Portugal. Daqui resultou um regime radical unificado do qual, resultaram várias fontes de Direito Administrativo Europeu – as diretivas que estabeleceram esse regime unificado tanto a nível substantivo como de processo. Estipulou-se que todos os contratos correspondentes à função administrativa seriam considerados contratos públicos abrangendo assim, a empreitada, a concessão e a própria compra e venda de imoveis ( arts. 431º,437º,450º CCP). Resultou assim um verdadeiro Direito Europeu da Contratação Pública.
Com a elaboração de um código da contratação pública revogou-se a disciplina geral do contrato administrativo. Contudo, apesar desta regulação, o legislador persistiu em manter, ainda que nominalmente, a distinção entre contrato administrativo e os demais contratos da Administração ( art 1º., 1 CCP) Ainda assim, a jurisprudência e a doutrina entendem que essa referência não tem relevância dado  o universo da Administração e todo o universo da Contratação Pública. Os contratos administrativos são apenas uma espécie de contratos pelo que não têm um regime diferente.
       Uma das diferenças que se estabelecia anteriormente e que, também ela discutida pela Escola de Lisboa, no âmbito da Contratação Pública, era a questão relativa ao pressuposto da legitimidade. Apenas se considerava como partes as que celebravam os contratos (parte em sentido próprio). Todavia, tendo em conta a função administrativa, deveriam ser partes todos aqueles afetados pelo contrato – em última análise, os utentes da concessão pública ( ex. utentes do metro). Exigia-se assim um alargamento no conceito de legitimidade, algo a que o novo código correspondeu no seu artigo 77º-A do CPTA. Alargou-se a noção de parte a qualquer sujeito público ou privado afetado pelo contrato público. No entanto, o legislador foi longe demais na alínea h) desse mesmo artigo. Não faz sentido considerar, por exemplo, um sujeito que não seja afetado pelo contrato e que ainda assim, seja possível ser parte alegando apenas o seu interesse público. Se o contrato é um acordo de vontades não deve abranger qualquer pessoa – exagero do Código. O Professor Vasco Pereira da Silva diz que faria mais sentido que houvesse mais legitimidade em relação aos contratos de execução. O número 3 remete para o numero1 mas ambos tratam da mesma realidade, para quê distinguir? Na alínea a) temos um alargamento da legitimidade para o Ministério Público.
 Em relação a este, faz todo o sentido que o Ministério Público possa ser parte legítima.

António Mendes
140115150

Sem comentários:

Enviar um comentário