sexta-feira, 14 de dezembro de 2018

A Responsabilidade civil no âmbito do contencioso administrativo

A Responsabilidade civil no âmbito do contencioso administrativo


                 Este post vai incidir sobre a responsabilidade civil no âmbito do contencioso administrativo. Podemos perguntar-nos: O que é a responsabilidade civil? Em que consiste a responsabilidade civil? Podemos delinear de forma simplificada a responsabilidade civil como a obrigação de responder pelos danos causados. 
                  João Caupers determina este conceito jurídico como a “ideia de sujeição às consequências de um comportamento”. E a responsabilidade da administração? Diogo Freitas do Amaraldefine a responsabilidade da administração como“a obrigação jurídica que recai sobre qualquer pessoa coletiva pública de indemnizar os danos que esta tiver causado aos particulares, seja no exercício da função administrativa, seja no exercício de atividades de gestão privada.” 

                  O que é que podemos retirar daqui? Podemos retirar que a administração publica não só é responsável pelos atos e omissões praticados ao abrigo da gestão pública como também por aqueles praticados ao abrigo da gestão privada.
                  Uma das patologias esquizofrénicas que ainda hoje persegue o contencioso administrativo é a diferenciação, sem qualquer cabimento entre os atos de gestão pública e os atos de gestão privada que vamos esclarecer de seguida. 
                A responsabilidade civil pelos atos de gestão privada da administração é disciplinada pelo código civil. 
                  Já a responsabilidade civil pelos atos de gestão pública pode ser de dois tipos como acontece no direito privado: pode ser contratual ou extracontratual. A responsabilidade civil contratual vai ser pautada pelos códigos dos contratos públicos, já a extracontratual vai ser regulada por um ato de gestão pública- regulada pela 67/2007, de 31 de Dezembro retificado pela Lei n.º 31/2008, de 17/07.
Ou seja, quando o estado causa um dano aos particulares este não vai estar sujeito às regras gerais da responsabilidade civil, mas a um estatuto especial presente na lei 67/2007, de 31 de Dezembro,retificada pela Lei n.º 31/2008, de 17/07.

                  A responsabilidade do Estado no ordenamento jurídico português está presente na Constituição da República Portuguesa no artigo 22º- Responsabilidade das entidades públicas- esta norma tem de conjugada com o artigo 271º da CRP sobre a responsabilidade dos funcionários e agentes do Estado. 
                  Contudo as duas normas versam sobre diferentes perspetivas, o artigo 22º tem em conta a figura máxima do Estado e as entidades públicas que atuam em representação deste, visto que o Estado pode atuar interferindo na esfera jurídica de outrem; já o artigo 271º versa sobre aqueles que se encontram vinculados às entidades estatais, e que em seu nome agiram e tomaram decisões, ou seja, vão ser responsabilizados pelas suas ações.
                  
                  Contudo, a responsabilidade do Estado no ordenamento jurídico português não está apenas presente na CRP. Existe um diploma que regula grande parte desta matéria que foi mencionado acima- 67/2007, de 31 de Dezembro - Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e demais Entidades Públicas. 
                  Podemos, no entanto, verificar que existem diversas normas que se assemelham ao regime civil. Isto fez com que durante muito tempo houvesse uma confusão no ordenamento jurídico português, por interpretação discordante com o espírito da lei ou mesmo pela tentativa de aplicação de um regime mais favorável. Vamos agora aprofundar as alterações/modificações que foram feitas ao longo dos anos subjacente a esta matéria.

EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO

                   A responsabilidade civil da administração pública é um assunto relativamente recente, é uma realidade que tem vindo a sofrer alterações ao longo do tempo, nomeadamente na sua aplicação ao Estado e às entidades públicas. 
                  Durante muito tempo, o Estado não teve nenhum estatuto específico de responsabilidade- “O Estado não podia errar”.Ou seja, quem é que podia errar neste caso? Somente aquelas pessoas que estavam a cargo do estado, essas sim podiam ser responsabilizadas pela prática de atos ilegais. O Estado não era responsável perante qualquer dano que provocasse aos privados, ou seja, mesmo que o Estado provocasse danos na esfera do privado (exemplo caso de Agnès Blanco), este não era responsável, não tinha assim de pagar os danos que tinha causado ao privado.

                  Contudo, o constitucionalismo moderno trouxe algumas inovações em relação a esta matéria. Uma das inovações foi a limitação por lei da atuação de todos os órgãos do estado, ou seja, estes tinham de respeitar o famoso princípio da legalidade.  A ideia errónea de que o “Estado não podia errar e consequentemente não era alvo de responsabilidades”,foi alterada radicalmente com a Revolução Francesa de 1789.

                  Contudo, em Portugal esta situação prolongou-se até mais tarde concretamente até à constituição de 1822. Na constituição de 1822 já estavam presentes várias indicações relativamente à responsabilidade dos funcionários do reino pelos danos ilícitos cometidos no exercício das suas funções públicas- por exemplo: artigo 6º do título I- ou seja, em relação a matérias respeitantes ao direito de propriedade e o artigo 14º relativamente à responsabilidade dos funcionários/empregados públicos.
Embora já tenha estado presente a responsabilidade por erro judiciário no código de 1867 mais concretamente no seu artigo 2403º, só mais tarde, concretamente, com a reforma do código civil feita em 1930 (artigo 2399º) e com o código administrativo de 1936(Relativamente à responsabilidade das autarquias locais- artigos 366º e 367º) - viria a ser consagrada a responsabilidade civil extracontratual das entidades públicas.

O artigo 8º, número 17 da Constituição de 1933 já consagrava entre os direitos dos cidadãos, o da reparação de toda a lesão efetiva. Contudo este artigo muitas vezes foi interpretado de forma errónea, ou seja, quem saia prejudicado era os particulares e não o Estado.

Posteriormente, o decreto-lei nº48.051 de 21 de Novembro alargou o âmbito à administração pública, fixando o quadro legal da responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais pessoas coletivas públicas por atos de gestão pública. O artigo 1º afirmava que a responsabilidade civil extracontratual do estado e as pessoas públicas no domínio da gestão pública regiam-se por esse decreto-lei se não estivesse previsto em leis especiais. Já o seu artigo 3º focava-se na responsabilidade civil extracontratual dos titulares dos órgãos administrativos do estado e das demais pessoas coletivas públicas perante terceiros quando estivessem perante atos ilícitos que ofendessem os direitos dos terceiros ou as disposições legais destinadas a proteger os seus interesses- por exemplo, quando tivessem excedido os limites das suas funções, ou se houvesse dolo quando as praticassem.

                  Contudo, só com a constituição de 1976 é que se deu a completa afirmação deste princípio- artigo 22º da CRP. No entanto, um dos passos mais importantes em relação a esta matéria deu-se com a lei nº67/2007 de 31 de Dezembro, retificada posteriormente pela lei nº 31/2008 de 17 de Setembro.    Esta é a lei reguladora da responsabilidade civil pública. Esta lei vai ser inovadora em Portugal, visto que é a primeira a consagrar um regime da responsabilidade civil pública que abrange todos os poderes do Estado regulando não só a responsabilidade civil do exercício da função administrativa como também o exercício da função legislativa e jurisdicional; também é inovadora porque acaba por instituir a responsabilidade solidaria da administração pública- uma exigência constitucional.

                  Contudo, apesar de este diploma ter marcado um momento importante no quadro da evolução do contencioso da responsabilidade civil pública, estas normas não tiveram condições para resolver um dos problemas mais importantes do Contencioso Administrativo: o de acabar com a distinção esquizofrénica entre responsabilidade por atos de gestão pública e atos de gestão privada. Segundo o professor Vasco pereira da silva o regime acaba por ser equívoco, gerando duvidas hoje em dia. Os professores Marcelo rebelo de sousa e André salgado de matosconsideram que o legislador não afastou a distinção. 
                  No artigo 1º nº2 o legislador fala em prorrogativas de poder público, o que aponta para a manutenção da esquizofrenia. O professor Vasco Pereira da Silva concorda com os professores Marcelo Rebelo de Sousa André Salgado Matos relativamente à equivocação que o legislador provocou, contudo acaba por acrescentar que o legislador incorreu em responsabilidade civil por ato da função legislativa pois não regulou aquela única coisa que não podia deixar de regulamentar, o legislador tinha a obrigação de resolver esta esquizofrenia. 
                  No entanto, o professor Vasco Pereira da Silva encontra um sentido, e isto faz com que considere que os professores Marcelo Rebelo de Sousa e André Salgado Matos não tenham necessariamente razão, há um “ou” que diz respeito aos princípios de direito administrativo.
                  O artigo 2º nº 3 do CPA diz-nos que, “os princípios gerais da atividade administrativa e as disposições do presente código que concretizam preceitos constitucionais são aplicáveis a toda e qualquer atuação da Administração Pública, ainda que meramente técnica ou de gestão privada”.
                  Ou seja, podemos entender que esta remissão do artigo 1º/2 para os princípios de direito administrativo permite a unificação de toda a responsabilidade civil no âmbito de aplicação destas normas- o que está em causa é a responsabilidade civil decorrente da violação de disposições ou princípios de direito administrativo e estes, por sua vez, aplicam-se a atividades de gestão técnica e privada. Ou seja, o legislador tomou a opção adequada, mas de forma disfarçada.A jurisprudência, no entanto, tem-se mantido na logica da gestão púbica. 

Em 2015 deu-se a “reforma da reforma”, contudo esta não teve alterações significativas. O legislador estabeleceu em 2004 a obrigatoriedade de revisão ao fim de 4 anos do balanço do modo como os tribunais administrativos estavam a atuar e se era preciso efetuar algumas alterações à reforma de 2004. Esta reforma deveria ter sido realizada em 2008, no entanto só foi realizada em 2015. Contudo, não houveram alterações significativas, apenas algumas alterações a certas normas.



Bibliografia:

Aulas lecionadas pelo Excelentíssimo professor Vasco Pereira da Silva no âmbito da cadeira de Contencioso Administrativo – turma 1- ano letivo 2018/2019

Do Amaral, Diogo Freitas, and Lino Torgal. Curso de Direito Administrativo, Almedina, 2011.

Silva, Vasco Pereira da. "O contencioso administrativo no divã da psicanálise: ensaio sobre as acções no novo processo administrativo." 2º edição, Almedina, Lisboa (2009).


Inês Sofia Marques Alfacinha- 140115073

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