sexta-feira, 14 de dezembro de 2018

Procedimento cautelar - Uma necessidade do Contencioso

Foi uma necessidade do Contencioso Administrativo o surgimento dos processos cautelares de forma a “ assegurar a utilidade da sentença a proferir nesse processo” (art.112 nº1 CPTA). As providências cautelares visam precisamente impedir que, durante a pendência de qualquer ação, a situação de facto se altere de modo a em que a sentença nela proferida, sendo favorável, perca toda a sua eficácia ou parte dela. Pretende-se, deste modo, combater o periculum in mora (prejuízo da demora inevitável do processo), a fim de que a sentença não se torne uma decisão puramente platónica.  As providências cautelares identificam-se, então pela sua função, ou seja, aquilo para que servem – objetivo de garantir a utilidade da sentença futura da ação. É uma medida que visa revelar a situação de facto entre as partes de uma ação, de forma provisória, na pendência, estando a ação já proposta ou a propor, com o objetivo de garantir que a sentença final seja útil. O direito de ação é o direito a uma tutela jurisdicional efetiva ( art.º 20 da CRP) – não temos só o direito a obter uma sentença no final da ação, mas sim, a obter uma sentença que seja útil e que torne o direito efetivo.
Assim sendo, estas medidas cautelares surgem numa relação de instrumentalidade em relação ao processo principal.
       Com efeito, é com a reforma de 2002/2004 que em Portugal se vai instaurar estes mecanismos de tutela cautelar. Estes mecanismos são fundamentais para a defesa dos interesses dos particulares uma vez que permitem, a esses, o requerimento de uma medida judicial quando tiverem sério receio de uma lesão grave de forma a assegurar a efetividade do direito ameaçado. No artigo 112 do CPTA temos presente um Principio de Cláusula Aberta nos procedimentos cautelares – todos são possíveis para salvaguardar o efeito útil das sentenças. Temos no nº2, a título exemplificativo, mas que correspondem à maior parte das situações do contencioso em que se justifica uma medida provisória. Apesar de em larga medida este artigo ter sido bem recebido pela doutrina, na sequência de todas as transformações que ocorreram no contencioso, a alínea i) gerou alguma polémica. O professor Freitas do Amaral, na sua publicação Cadernos de Justiça Administrativa, elogia o legislador por ter aberto a realidade cautelar para o contencioso mas que essa alínea era um pouco excessiva visto que ponha em causa o sistema da justiça administrativa. Segundo essa alínea, há uma obrigação da Administração Pública ir a tribunal antes de tomar uma decisão de forma a garantir a eficácia das suas decisões. Contudo, o professor Vasco Pereira da Silva não concorda de todo com o argumento utilizado pelo professor Freitas do Amaral uma vez que peca pelo seu exagero. A alínea i) consiste num procedimento cautelar de natureza preventiva - antecipa-se ao comportamento da Administração Pública visto que há uma alegada contrariedade ou receio de contrariedade de uma norma jurídica. Se há no quadro do comportamento da AP uma ameaça de lesão ou receio de lesão efetiva do direito e mesmo que a lesão só aconteça no futuro, o particular pode adotar uma medida de forma a reagir contra essa eventual lesão. Essa alínea é rigorosa nos pressupostos que fixa – possibilidade de uma atuação preventiva mas perante uma situação séria de ameaça. De forma exemplificativa: um particular tem um fundado receio que a execução de um ato administrativo pela AP ponha em causa as disposições do PDM (plano diretor municipal), há uma ameaça de lesão pelo que a AP deve omitir esse ato administrativo. Há uma antecipação pela ameaça de lesão que só se concretizará no futuro mas também, há um fundado receio da existência dessa lesão. Assim, é perfeitamente plausível a adoção de medidas cautelares nestes casos de forma a evitar essas lesões. Salientar que estas medidas cautelares não põem em causa a AP, o que poderia por em causa seria a ocorrência da efetiva lesão num momento posterior. Encontramos assim uma lógica de procedimento cautelar alargada à tutela integral efetiva dos direitos particulares, defendida pelo princípio de cláusula aberta e pela enumeração exemplificativa.
      De seguida iremos fazer uma breve análise a alguns artigos do CPTA referentes ao procedimento cautelar. O processo cautelar pode ser apresentado antes da instauração do processo judicial, conjuntamente com a petição inicial ou ainda, já no decorrer do processo. Concluímos então que pode ser requerido a todo o tempo – art.º. 114. Há uma relação de dependência/instrumentalidade com a causa principal e tem uma tramitação autónoma – art.º 113. Há também várias regras em relação á caducidade das providências cautelares visto que há vários prazos a respeitar – art.º 123. Por exemplo, se apresentar a providência e não expor a petição inicial dentro do prazo, aquela caduca. Segundo o artigo 115 há a possibilidade de chamar a juízo outros particulares – os contrainteressados. Em relação aos critérios de decisão cautelar, a partir de 2015 houve uma alteração referente às regras que vigoravam desde 2002/2004. Antes estabelecia-se uma presunção de providência cautelar – o juiz atendia à gravidade da decisão para as partes e, se o procedimento acarretasse lesão grave para AP presumia-se uma ameaça para o interesse público. Esta presunção não fazia qualquer sentido uma vez que estamos perante uma questão de mérito. Em 2015 acabou-se com esta presunção e agora, o que o juiz faz é comparar os interesses dos particulares e da AP e adotando regras de proporcionalidade decidir quem tem razão e a quem causa mais prejuízo o procedimento, mas tendo sempre em conta critérios de proporcionalidade.
      Numa última análise, iremos fazer uma breve referência ao artigo 128 do CPTA. Segundo o professor Vasco Pereira da Silva este artigo é absurdo e carece de inconstitucionalidade por pôr em causa o artigo 268 da CRP. Concluímos pelo 128 nº1 que pode haver possibilidade de suspensão automática da execução. É estranho que seja automática uma vez que deve ser o juiz, dentro de um prazo, a decidir de pode executar ou não. Permitir que se possa discutir sobre um ato administrativo e só depois sobre a providência cautelar consubstanciará num procedimento ainda mais demorado.

António Mendes
140115150

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