Em Portugal, até
os dias de hoje o Supremo subsiste sendo simultaneamente Tribunal de
primeira instância dos órgãos superiores do Estado e Tribunal de recurso de
todas as outras atuações da Administração, que são antes apreciadas pelos
Tribunais Administrativos de Círculo e pelos Tribunais Centrais Administrativos.
Ou seja, temos um Supremo com esquizofrenia- em vez de ser apenas um Supremo Tribunal
Administrativo, na prática são 3 Supremos Tribunais Administrativos.
Como enunciado, há os juízos do pleno de cada secção (quer das secções do Contencioso Administrativo, quer das do Contencioso Tributário), que
estabelecem recursos de acórdãos proferidos pela Secção em 1º grau de jurisdição e dos recursos para a uniformização de jurisprudência; há o plenário da secção que funciona como
Tribunal de recurso, competindo-lhe conhecer dos conflitos de competência entre tribunais administrativos e fiscais ou entre as Secções de Contencioso Administrativo e de Contencioso Tributário; e ainda, dentro do contencioso Administrativo, há um Supremo de primeira instância porque há uma secção do Supremo
Tribunal Administrativo que aprecia os atos dos órgãos superiores do Estado. Portanto há 3
Supremos, 3 órgãos distintos dentro do Supremo.
Portugal é o
único país na Europa em que existe esta realidade neste momento. Na perspetiva do
Professor Doutor Vasco Pereira da Silva ela é inadmissível e não faz sentido
que continue no Estatuto porque o Supremo deve ser um verdadeiro Supremo, deve
ser apenas um Tribunal de Recurso que aprecia das decisões vindas já de
Tribunais inferiores, como observamos no Direito Civil em Portugal e nos
restantes países da Europa em relação ao contencioso Administrativo também. Não
faz sentido que o Supremo seja esquizofrénico, que haja três em um, um Tribunal
simultaneamente de primeira instância e de recurso, uma vez que não é
necessário este desdobramento de funções que em mais nenhum país e em mais
nenhum ramo do Direito em Portugal se verifica.
Consequência da esquizofrenia
Isso gera aquela
situação, a vários títulos insatisfatória, em que o Supremo tem, por um lado,
que atuar como Tribunal de Recurso, só conhecendo as questões de Direito das decisões
dos outros Tribunais inferiores; e de atuar enquanto Tribunal de primeira instância,
tendo que julgar e fazer prova testemunhal dos atos praticados pelos órgãos
superiores do Estado. Portanto realiza duas tarefas distintas que esbatem o seu
âmbito de jurisdição.
Para além disso,
consequência deste tal mimetismo- haverem três realidades dentro do Supremo, faz
com que este precise de muitos juízes. Por isso é que há mais lugares no STA do
que no STJ, o que gera com que os juízes em final de carreira que não encontre
lugar no STJ se candidatem ao STA sem terem conhecimentos profundos sobre as
matérias administrativas.
E se não houver cura?
A verdade é que
os chamados traumas da infância difícil que o Contencioso Administrativo teve,
que marcaram muito a sua história e ainda hoje deixam consequências, ajudam a
explicar algumas realidades que ainda hoje se verificam no contencioso Administrativo
como neste caso. A ideia de um privilégio que a Administração tinha sobre os
particulares, não podendo ser julgada nos mesmos termos que estes porque era
superior a eles, ajuda a compreender porque razão ainda hoje os atos dos órgãos
superiores do Estado são decididos em primeira instância diretamente pelo Supremo
Tribunal Administrativo. E se já for tarde demais para mudar esta realidade?
Na opinião do Professor
Doutor Vasco Pereira da Silva, se fosse absolutamente necessário entender que
as decisões dos órgãos de soberania do Estado merecessem ser julgadas num nível
superior de justiça administrativa, coisa que o Professor entende que não pelas
razões acima expostas, mas se fosse absolutamente necessário aceitar tal
realidade, então o Professor acolhe a opinião de que deveriam ser julgadas no
Tribunal Central Administrativo, mas nunca no Supremo. Mais valia que o
Tribunal Central fosse esquizofrénico do que o Supremo o fosse, porque o
Supremo é o Tribunal superior ao nível da justiça administrativa, o que
significa que deveria ser um Tribunal de recurso de todas as decisões administrativas, mesmo das dos órgãos superiores
do Estado.
Contudo, é
importante frisar que o objetivo do psiquiatra neste caso deveria sempre ser o
de tentar erradicar esta esquizofrenia na justiça administrativa e fazer com
que nenhum Tribunal fosse esquizofrénico, alcançando o sucesso se conseguisse
que em Portugal se implementasse a solução que já existe nos outros países da
Europa é a de os Tribunais de primeira instância, normalmente chamados de
Tribunais Administrativos de Círculo, conhecerem de todos os litígios administrativos.
Leonor Cid
(140115087)
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