quarta-feira, 12 de dezembro de 2018

Um Supremo que precisa urgentemente de ir ao psiquiatra

Em Portugal, até os dias de hoje o Supremo subsiste sendo simultaneamente Tribunal de primeira instância dos órgãos superiores do Estado e Tribunal de recurso de todas as outras atuações da Administração, que são antes apreciadas pelos Tribunais Administrativos de Círculo e pelos Tribunais Centrais Administrativos. Ou seja, temos um Supremo com esquizofrenia- em vez de ser apenas um Supremo Tribunal Administrativo, na prática são 3 Supremos Tribunais Administrativos.
Como enunciado, há os juízos do pleno de cada secção (quer das secções do Contencioso Administrativo, quer das do Contencioso Tributário), que estabelecem recursos de acórdãos proferidos pela Secção em 1º grau de jurisdição e dos recursos para a uniformização de jurisprudência; há o plenário da secção que funciona como Tribunal de recurso, competindo-lhe conhecer dos conflitos de competência entre tribunais administrativos e fiscais ou entre as Secções de Contencioso Administrativo e de Contencioso Tributário; e ainda, dentro do contencioso Administrativo, há um Supremo de primeira instância porque há uma secção do Supremo Tribunal Administrativo que aprecia os atos dos órgãos superiores do Estado. Portanto há 3 Supremos, 3 órgãos distintos dentro do Supremo.

Portugal é o único país na Europa em que existe esta realidade neste momento. Na perspetiva do Professor Doutor Vasco Pereira da Silva ela é inadmissível e não faz sentido que continue no Estatuto porque o Supremo deve ser um verdadeiro Supremo, deve ser apenas um Tribunal de Recurso que aprecia das decisões vindas já de Tribunais inferiores, como observamos no Direito Civil em Portugal e nos restantes países da Europa em relação ao contencioso Administrativo também. Não faz sentido que o Supremo seja esquizofrénico, que haja três em um, um Tribunal simultaneamente de primeira instância e de recurso, uma vez que não é necessário este desdobramento de funções que em mais nenhum país e em mais nenhum ramo do Direito em Portugal se verifica.

Consequência da esquizofrenia
Isso gera aquela situação, a vários títulos insatisfatória, em que o Supremo tem, por um lado, que atuar como Tribunal de Recurso, só conhecendo as questões de Direito das decisões dos outros Tribunais inferiores; e de atuar enquanto Tribunal de primeira instância, tendo que julgar e fazer prova testemunhal dos atos praticados pelos órgãos superiores do Estado. Portanto realiza duas tarefas distintas que esbatem o seu âmbito de jurisdição.
Para além disso, consequência deste tal mimetismo- haverem três realidades dentro do Supremo, faz com que este precise de muitos juízes. Por isso é que há mais lugares no STA do que no STJ, o que gera com que os juízes em final de carreira que não encontre lugar no STJ se candidatem ao STA sem terem conhecimentos profundos sobre as matérias administrativas.

E se não houver cura?
A verdade é que os chamados traumas da infância difícil que o Contencioso Administrativo teve, que marcaram muito a sua história e ainda hoje deixam consequências, ajudam a explicar algumas realidades que ainda hoje se verificam no contencioso Administrativo como neste caso. A ideia de um privilégio que a Administração tinha sobre os particulares, não podendo ser julgada nos mesmos termos que estes porque era superior a eles, ajuda a compreender porque razão ainda hoje os atos dos órgãos superiores do Estado são decididos em primeira instância diretamente pelo Supremo Tribunal Administrativo. E se já for tarde demais para mudar esta realidade?
Na opinião do Professor Doutor Vasco Pereira da Silva, se fosse absolutamente necessário entender que as decisões dos órgãos de soberania do Estado merecessem ser julgadas num nível superior de justiça administrativa, coisa que o Professor entende que não pelas razões acima expostas, mas se fosse absolutamente necessário aceitar tal realidade, então o Professor acolhe a opinião de que deveriam ser julgadas no Tribunal Central Administrativo, mas nunca no Supremo. Mais valia que o Tribunal Central fosse esquizofrénico do que o Supremo o fosse, porque o Supremo é o Tribunal superior ao nível da justiça administrativa, o que significa que deveria ser um Tribunal de recurso de todas as decisões administrativas, mesmo das dos órgãos superiores do Estado.
Contudo, é importante frisar que o objetivo do psiquiatra neste caso deveria sempre ser o de tentar erradicar esta esquizofrenia na justiça administrativa e fazer com que nenhum Tribunal fosse esquizofrénico, alcançando o sucesso se conseguisse que em Portugal se implementasse a solução que já existe nos outros países da Europa é a de os Tribunais de primeira instância, normalmente chamados de Tribunais Administrativos de Círculo, conhecerem de todos os litígios administrativos.

Leonor Cid (140115087)

Sem comentários:

Enviar um comentário