domingo, 2 de dezembro de 2018

"Contenciosamente Falando" - Episódio sobre o Art.51º, nº4 CPTA



"Contenciosamente Falando" 

Episódio sobre o Art.51º, nº4 CPTA



A: Na cumulação de pedidos, há ou não alternatividade entre o pedido de condenação e o pedido de impugnação? 



B: O artigo 51º nº4 do CPTA resolve este problema! Ora, o tribunal deve convidar o autor a alterar o pedido, na hipótese de o pedido por este formulado for de impugnação - o autor deve, então, alterar o pedido inicial de impugnação para condenação. 





A: Mas o que é que significa isto do “adequado pedido”?




B: A referência ao “adequado pedido” deve ser lida em conjugação com o preceituado nos artigos 66º e 67º, pois sempre que esteja em causa um ato de conteúdo negativo, como uma omissão, o pedido adequado é o de condenação.


A: Então é correto dizer-se que o legislador optou por estabelecer que é o pedido de condenação aquele que deve ser pedido?


B: Exatamente! Isto introduz uma enorme amplitude para as ações de condenação. Dá-se preferência à condenação em todos os casos com conteúdo negativo - daqui resulta que quando está em causa uma omissão de um ato de conteúdo negativo, o pedido adequado é o de condenação e não de anulação. 

O legislador, neste âmbito, ainda acrescenta algo diferente daquilo que constava do projeto de 2004. No projeto dizia-se que o pedido se convertia automaticamente em pedido de condenação; por isso, quando o particular se enganava havia uma conversão automática do pedido. 


A: Mas caso isso acontecesse desse modo, caso fosse o juiz a alterar automaticamente o pedido, teríamos uma violação do principio do dipositivo, certo? 


B: Exato. Aliás, o Professor Vasco Pereira da Silva nessa altura escreveu precisamente isso. 


A: Cá está. Nos meus apontamentos tenho aqui escrito que a solução hoje consagrada, embora conduza ao mesmo resultado prático, respeita todos os princípios: o juiz faz um convite às partes para alterar o pedido apresentado. Este convite formulado pelo juiz significa, na prática, o mesmo que a convolação automática, pois perante um convite deste tipo é certo que todos os particulares vão respeitar e seguir a sua orientação, sob pena de improcedência do pedido que é desvantajosa para o próprio particular.


B: Mas atenção, porque mesmo assim, com esta formulação, ainda se discute se, nalguns casos e a título excecional, não se poderá admitir que possa proceder o pedido de impugnação, em vez de condenação. O Professor Mário Aroso de Almeida, numa versão das suas lições, ia buscar 2 ou 3 casos excecionais, retirados do direito alemão, respeitantes a relações jurídicas continuadas - entendia que, excecionalmente, nesses casos podia ser admitida a anulação em vez da condenação.


A: Podes-me dar um exemplo?

B: Imagina que um particular requer uma licença de construção, apesar de não estar interessado em construir naquele momento. Pede apenas na eventualidade de vir a querer e, desse modo, garantir a possibilidade de construir sobre o seu imóvel.
- Na opinião do Professor Vasco Pereira da Silva, não faz sentido nem do ponto de vista das regras existentes no direito português, nem do ponto de vista da natureza do que está em causa, que se possa admitir a alternatividade: em Portugal, quer a impugnação quer a condenação são duas sub-ações e, por isso, a alteração do pedido não significa começar tudo do zero, ter de apresentar o processo de novo. Um dos motivos que levaram a que, no direito alemão, se considerasse a exceção era para não ser demasiado excessivo que o particular obtivesse primeiro uma sentença de absolvição do pedido e, depois, utilizasse outro meio processual. Em Portugal, havendo uma única ação, tal não se verifica. Os pedidos de impugnação e condenação são sub-ações do mesmo género, pelo que a alteração do pedido não significa ter de iniciar o processo de novo. 
- Por outro lado, o facto de o particular querer ou não construir a habitação é irrelevante do ponto de vista do direito administrativo e do prisma do processo, pois se o particular anula o ato fica numa situação que nunca é mais protegida do que a situação de obter a condenação; se obtém a condenação, isso tem o efeito de afastamento automático do ato de anulação e cria o dever de praticar, do lado da administração, o ato de atribuição da licença que não tem sequer de ser executada imediatamente. Este ponto ainda relacionado com a lógica do direito do urbanismo, que prevê que é possível construir, mas o particular não está obrigado a isso. 

A: Já percebi. 

Então, para concluir: não há vantagem em optar pela anulação uma vez que a condenação tem o efeito que vai sempre além da anulação e já inclui este. 

B: Certíssimo!



BIBLIOGRAFIA: 
Aulas lecionadas pelo Professor Vasco Pereira da Silva, no âmbito da cadeira de Contencioso Administrativo;


Silva, Vasco Pereira da. "O contencioso administrativo no divã da psicanálise: ensaio sobre as ações no novo processo administrativo." 2ª edição, Almeida, Lisboa (2009) 


Inês Espírito Santo nº 149118701




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