quinta-feira, 13 de dezembro de 2018

Providências Cautelares — Parte II. Na Cauda da Serpente é Que Está o Veneno, A Polémica

PROVIDÊNCIAS CAUTELARES — PARTE II. NA CAUDA DA SERPENTE É QUE ESTÁ O VENENO, A POLÉMICA

       Alínea i) do artigo 112º CPTA: “intimação para adoção ou abstenção de uma conduta por parte da Administração ou de um particular por alegada violação ou fundado receio de violação do direito administrativo nacional ou do direito da União Europeia.”

       A análise foca-se na possibilidade de esta providência ser requerida contra a Administração. A hipótese comum será a do particular se encontrar numa situação em que a Administração já começou a violar uma norma de direito administrativo, violação essa que o prejudica, ou então ele tem fundado receio de que essa norma venha a ser violada brevemente. Por isso, antes que esses efeitos negativos se consolidem o particular pode, a título preventivo, dirigir-se ao tribunal e alegar que a Administração Pública está a violar ou há fundado receio de que venha a violar, uma norma de direito administrativo. Desta forma, pede ao tribunal que intime a Administração para que esta adote a conduta devida, ou se abstenha de adotar a referida conduta.
Este é mais um dos casos em que a lei permite, por decisão judicial e a título de providência cautelar, que um tribunal administrativo interfira na atuação planeada da Administração, criando obstáculos a que prossiga com a sua atuação.

       Ora, nos termos do CPA a Administração Pública tem o dever de ouvir em audiência prévia o interessado a quem apresenta um projeto de decisão desfavorável, devidamente fundamentado. A partir desse momento o particular toma obviamente conhecimento de que a Administração se prepara para praticar um ato contra ele. A consequência desta alteração legislativa é precisamente que, enquanto até aqui o particular tinha apenas uma preocupação — a de responder na audiência prévia para tentar convencer a Administração a mudar a sua posição —, agora ele vai ter duas preocupações. Afirma o professor Freitas do Amaral: “a partir de agora o interessado, se calhar, já nem responde à audiência prévia, vai mas é ao tribunal e interpõe uma providência cautelar para ver se consegue evitar que o ato seja praticado antes mesmo da Administração Pública o praticar”.
O professor prossegue com a sua análise: “eu acho que isto não vai ser bem assim porque porque muitas pessoas são sensatas, mas em todo o caso vai haver a tentação, por parte de muitos dos nossos advogados, de seguir este caminho.” Apela posteriormente à “prudente prudência” do julgador, qualificando agravadamente a sua convicção interior sob pena de uma paralisação da Administração. De notar que não defende a hipótese extrema de supressão da norma mas aponta no sentido de uma muito ponderada interpretação e aplicação desta norma. Parece portanto que, na ponderação entre a continuidade da ação da Administração e o correspondente funcionamento da máquina do sistema, em confronto com a possibilidade de lesão de um direito do particular, o professor por princípio irá privilegiar a primeira realidade, que só deverá ceder perante argumentos bastante sólidos, perspetivados à luz de um juízo de “prudente prudência” do juiz.

       Conclui, revelando metaforicamente a sua visão acerca desta providência cautelar, considerando-a como um “presente precioso que é colocado nas mãos dos cidadãos e dos seus advogados mas que pode ser completamente estragado se, quais criancinhas na idade infantil, começarem a brincar mal com este brinquedo, e começarem a aplicá-lo a torto e a direito sem critério”. 

       O ilustre professor propõe uma interpretação razoável deste meio cautelar.
       Em primeiro lugar, convém referir que os requisitos gerais das providências cautelares não permitem pura e simplesmente que os tribunais decretem esta providência com excessiva facilidade. Nunca esquecer que a providência só será decretada se for evidente ou provável o fumus bonis juris do requerente em relação à sua pretensão principal. Para além disso aplica-se sempre o princípio da proporcionalidade. Há ainda uma sanção da leviandade (art. 126º), que acaba por contrabalançar a ponderação levada a cabo pelo juiz.
       Considera, no entanto, que o risco se mantém porque é sempre possível que o tribunal conceda esta providência e proíba à Administração que adote uma conduta absolutamente necessária ao interesse público.
       Enumera em seguida alguns critérios de interpretação. O tribunal deve ter em mente o princípio da separação de poderes e não se imiscuir naqueles que são os poderes da Administração, não tendo a função de indagar sobre se aquele ato é correto do ponto de vista do dever de boa administração. Aquilo que o tribunal tem de decidir é se há ou não fortes indícios de que aquele ato é ilegal. Se, finda esta análise, ainda restarem dúvidas, deve distinguir-se entre o fundado receio de lesão de um direito fundamental do particular — caso em que o tribunal deverá decretar a providência cautelar — e o fundado receio de lesão de direito não fundamental do particular, em que a Administração Pública alega com boas razões a necessidade de prosseguir com caráter urgente um interesse público incluído nas suas tarefas fundamentais, tal como definidas pela Constituição. Neste caso, o tribunal deverá indeferir o requerimento.


       Não concordamos que esta providência cautelar possa ter efeitos excessivos, uma vez que, como refere o professor Freitas do Amaral, os requisitos das providências cautelares estabelecem determinadas exigências que vão precisamente no sentido de limitar uma utilização porventura discricionária dos meios cautelares. Devemos estar perante uma situação séria de ameaça aos direitos dos particulares, caso em que se inclui nos poderes do juiz decretar a imediata paralisação daquela ação em concreto. Não se considera portanto existir um risco de maior associado à possibilidade oferecida pela providência cautelar prevista na alínea i) do art. 112º. Antes pelo contrário, acreditamos derivar de uma boa intenção e concretização legislativa no sentido do alargamento dos mecanismos cautelares à disposição dos particulares e da consagração devida da tutela plena e efetiva dos seus direitos. 

Bibliografia:
Apontamentos das aulas teórico-práticas, professor Vasco Pereira da Silva, 2018 
Artigos, Cadernos de Justiça Administrativa, nº43, Freitas do Amaral

Filipa Matos, nº 140114034

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