Não é só matematicamente que esta
equação faz confusão. Também para o contencioso administrativo há algo aqui que
parece não fazer sentido.
É verdade que, com a reforma de
2015, verificam- se algumas mudanças positivas no que diz respeito aos meios
processuais. Em particular, deixa de haver a infeliz distinção entre ação comum
e ação especial, fundada nos conhecidos traumas de infância do contencioso
administrativo.
Esta distinção, mais artificial
do que outra coisa, baseava-se em critérios substantivos e não, como deveria
ser, em critérios processuais: ou seja, “pertenciam à ação comum todos os
litígios administrativos não especialmente regulados, integrando a ação
especial os processos relativos a atos e regulamentos administrativos” (in O contencioso administrativo no divã da
psicanálise). Significa isto que havia um tratamento especial para duas
diferentes formas da atuação administrativa, o ato e o regulamento. Facilmente se percebe que foi mais uma das
vezes em que o legislador não conseguiu ignorar os traumas de uma infância difícil,
agarrando-se a uma ideia da excecionalidade do “poder administrativo”, permanecendo
no quadro de uma administração agressiva.
Esta distinção merecia ainda
outra critica relacionada com a inadequação das expressões “especial” e “comum”:
isto porque os pedidos relativos aos atos e regulamentos dão origem a maior
parte dos litígios no contencioso administrativo e, para além disso, sempre que
houvesse uma cumulação com um pedido de ato ou regulamento, a ação a utilizar
era a ação especial. Ou seja, eram muito mais as ações especiais (que
supostamente deveriam ser a exceção) do que as comuns. Assim, por um lado,
aquilo que era a ação especial era uma ação comum, uma vez que correspondia a
99% dos litígios do contencioso administrativo. Por outro, a ação comum era
antes uma ação especial, raramente utilizada.
Desta forma, o legislador vem, na
reforma de 2015, pôr fim a esta distinção criando (aparentemente) uma única
ação administrativa.
Contudo, fazendo uma leitura mais
atenta do código de processo dos tribunais administrativos, parece não ser
assim tão evidente esta unificação das ações numa única ação administrativa. É
que, nas normas que regulam essa ação administrativa, chega-se à conclusão que
o legislador continua a distinguir, dentro da ação administrativa especial,
subespécies de ações, correspondentes a formas de atuação administrativa
(critério substantivo, mais uma vez). Assim, a lei vem distinguir a ação
administrativa em: pedidos de impugnação de atos administrativos (50ºe ss do
CPTA); pedidos de condenação à pratica dos atos devidos (66ºe ss do CPTA); impugnação
de normas e condenação à emissão de normas (72º e ss do CPTA); ações relativas
à validade e execução de contratos (77º-A e ss do CPTA). Quatro verdadeiras ações
independentes e autónomas entre si, tendo o legislador criado diferentes
pressupostos processuais para cada uma delas, especificando-as individualmente.
A realidade unitária é, assim,
mais aparente do que real, continuando a existir uma distinção processual
assente nas diferentes atuações da administração e não, como deveria ser, nos
pedidos feitos ao tribunal e nas sentenças que resultariam desses pedidos.
E assim se explica esta estranha equação que dá o titulo a este post:
sendo a suposta única ação administrativa dividida em 4 subespécies de ações,
temos, na verdade, quatro diferentes ações administrativas, o que comprova que
o contencioso administrativo não conseguiu ainda, apesar das evoluções que tem
vindo a fazer, livrar- se totalmente dos traumas da infância difícil.
Deve, de facto, ser o único caso em que da divisão da unidade obtemos o
efeito contrário: a multiplicação da mesma.
Mariana Moreira d'Orey
140115109
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