sábado, 20 de outubro de 2018

ação administrativa ÷4 =ação administraviva × 4



Não é só matematicamente que esta equação faz confusão. Também para o contencioso administrativo há algo aqui que parece não fazer sentido.

É verdade que, com a reforma de 2015, verificam- se algumas mudanças positivas no que diz respeito aos meios processuais. Em particular, deixa de haver a infeliz distinção entre ação comum e ação especial, fundada nos conhecidos traumas de infância do contencioso administrativo.

Esta distinção, mais artificial do que outra coisa, baseava-se em critérios substantivos e não, como deveria ser, em critérios processuais: ou seja, “pertenciam à ação comum todos os litígios administrativos não especialmente regulados, integrando a ação especial os processos relativos a atos e regulamentos administrativos” (in O contencioso administrativo no divã da psicanálise). Significa isto que havia um tratamento especial para duas diferentes formas da atuação administrativa, o ato e o regulamento.  Facilmente se percebe que foi mais uma das vezes em que o legislador não conseguiu ignorar os traumas de uma infância difícil, agarrando-se a uma ideia da excecionalidade do “poder administrativo”, permanecendo no quadro de uma administração agressiva.
Esta distinção merecia ainda outra critica relacionada com a inadequação das expressões “especial” e “comum”: isto porque os pedidos relativos aos atos e regulamentos dão origem a maior parte dos litígios no contencioso administrativo e, para além disso, sempre que houvesse uma cumulação com um pedido de ato ou regulamento, a ação a utilizar era a ação especial. Ou seja, eram muito mais as ações especiais (que supostamente deveriam ser a exceção) do que as comuns. Assim, por um lado, aquilo que era a ação especial era uma ação comum, uma vez que correspondia a 99% dos litígios do contencioso administrativo. Por outro, a ação comum era antes uma ação especial, raramente utilizada.

Desta forma, o legislador vem, na reforma de 2015, pôr fim a esta distinção criando (aparentemente) uma única ação administrativa.
Contudo, fazendo uma leitura mais atenta do código de processo dos tribunais administrativos, parece não ser assim tão evidente esta unificação das ações numa única ação administrativa. É que, nas normas que regulam essa ação administrativa, chega-se à conclusão que o legislador continua a distinguir, dentro da ação administrativa especial, subespécies de ações, correspondentes a formas de atuação administrativa (critério substantivo, mais uma vez). Assim, a lei vem distinguir a ação administrativa em: pedidos de impugnação de atos administrativos (50ºe ss do CPTA); pedidos de condenação à pratica dos atos devidos (66ºe ss do CPTA); impugnação de normas e condenação à emissão de normas (72º e ss do CPTA); ações relativas à validade e execução de contratos (77º-A e ss do CPTA). Quatro verdadeiras ações independentes e autónomas entre si, tendo o legislador criado diferentes pressupostos processuais para cada uma delas, especificando-as individualmente.

A realidade unitária é, assim, mais aparente do que real, continuando a existir uma distinção processual assente nas diferentes atuações da administração e não, como deveria ser, nos pedidos feitos ao tribunal e nas sentenças que resultariam desses pedidos.

E assim se explica esta estranha equação que dá o titulo a este post: sendo a suposta única ação administrativa dividida em 4 subespécies de ações, temos, na verdade, quatro diferentes ações administrativas, o que comprova que o contencioso administrativo não conseguiu ainda, apesar das evoluções que tem vindo a fazer, livrar- se totalmente dos traumas da infância difícil.


Deve, de facto, ser o único caso em que da divisão da unidade obtemos o efeito contrário: a multiplicação da mesma.

Mariana Moreira d'Orey
140115109

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