segunda-feira, 15 de outubro de 2018


Europeização do Contencioso Administrativo



Após um período de constitucionalização do Direito Administrativo iniciado após a 2ª Guerra Mundial na Alemanha com a Constituição de Bona (tinha no seu artº 19/4 a norma perfeita), até aos anos 80 do séc. XX, eis que se inicia então um novo tempo para o Contencioso Administrativo: a “Europeização”.

Assiste-se à afirmação do Direito Administrativo nas jurisdições nacionais e europeias, uma ordem jurídica própria que congrega fontes nacionais com fontes europeias. Entre nós, temos o artº8/4 da Constituição que consagra o “efeito direto” de normas europeias. Não é possível que o Direito Administrativo Ignore os fenómenos europeus, são cada vez mais as fontes europeias relevantes no domínio administrativo (o que vai aproximando as várias jurisdições), como impossível é que o Direito Europeu ignore o Direito Administrativo pois é através deste, que aquele se realiza.

Os Tribunais Administrativos aplicam cada vez mais o Direito Europeu, criando e atualizando o Direito Administrativo a nível nacional e comunitário. É uma espécie de movimento legislativo e jurisprudencial que vai criando Direito Administrativo Europeu.

Há processo de uniformização do Contencioso Administrativo que vai gerando um Direito Comum neste domínio. As fontes de direito são mais permeáveis à influência europeia, o que conduz uma europeização crescente de sistemas, combatendo assim os problemas antagónicos existentes nos primórdios do Processo Administrativo, caminhando-se assim para um Direito Comum Europeu.

Olhando mais em específico para aquilo que aconteceu nos diversos países europeus e tentando fazer uma condensação daquilo que aconteceu nessas jurisdições, sob pena de incorrer num exercício meramente enunciativo das transformações legislativas, vemos que em França, por exemplo, dá-se uma transformação profunda no Processo Administrativo – há dever de fundamentação das decisões administrativas, surge a tutela cautelar urgente que antes era só de eficácia suspensiva havendo uma presunção de legalidade, entre outras. Estas mudanças foram algumas daquelas que ocorreram em França com a reforma do Processo Administrativo em 2000 que marcou um “virar de página” naquele país e foram de encontro à tutela dos direitos dos particulares.

Na Alemanha, por seu lado, que se tinha antecipado na constitucionalização e portanto a europeização não trouxe grandes mudanças, parece que se assistiu ao processo inverso destacando-se a diminuição das garantias do processo cautelar, diminuindo-se para 2 anos o prazo máximo de impugnação de normas regulamentares. Resta esperar para se perceber como irão ao longo dos tempos, os juízes compatibilizar a constitucionalização primeiramente alcançada, com a europeização do Direito Administrativo e o âmago deste ramo de direito que é a tutela plena dos direitos dos particulares.

Itália teve reforma na Justiça Administrativa em 2000 que confirma a europeização do sistema e donde se destacam o fim da distinção entre direito subjetivo e interesse legítimo (distinção relevante para efeitos de acesso aos Tribunais), criação de regime próprio de responsabilidade civil extra-contratual da Administração e aperfeiçoamento da tutela dos particulares. Esta reforma foi levada a cabo, tanto por opções legislativas como por decisões jurisprudenciais.

Em Espanha a Reforma do Contencioso de 1998 é também fruto da exigência europeia sendo decisiva para a constitucionalização e europeização da Justiça Administrativa, estabelecendo um sistema destinado a garantir a proteção plena e efetiva dos direitos dos particulares.

No Reino Unido também houve influência europeia no Direito Administrativo, nomeadamente nas garantias dos particulares face à Administração. Dá-se aos particulares a possibilidade de impugnar decisões de autoridades administrativas independentes (os “Tribunals” – amostra da promiscuidade que existiu entre Administração e Justiça) junto dum tribunal (“Court”). Também se estendeu a aplicação do Contencioso Administrativo a todas as atuações da Coroa inglesa (alguns dos seus atoas iam resistindo às mudanças, mas já não à europeização), direito cautelar foi introduzido para proteger os direitos dos particulares em face da atuação da Administração.

Em Portugal apesar da constitucionalização promovida pelas revisões de 1989 e 1997, estava-se muito longe de ser concretizada pela lei e jurisprudência, dificultando a europeização do nosso sistema. Só com a Reforma de 2002/2004 se concretizou um Processo Administrativo plenamente jurisdicionalizado com vista à proteção dos particulares e dos seus direitos e integra de forma adequada o modelo europeu.

Resumindo, surge um Direito Processo Administrativo Europeu de fonte legislativa e/ou jurisprudencial, e cada vez mais vão convergindo os sistemas de Contencioso Administrativo.

Contudo, esta lógica de integração horizontal pode estar em perigo pela saída do Reino Unido da União Europeia. Para se ter uma melhor noção, e embora seja muitas vezes arriscado e até injusto fazer comparações, mas o Reino Unido terá mais importância para a EU, do que a Catalunha para Espanha (a propósito dos movimentos separatistas que se verificam naquela região).
Tendo a saída do Reino Unido tal importância fica a questão de como irá reagir (no longo prazo) a EU depois da saída. Vai-se aumentar a integração, caminhar-se-á para uma desintegração, uma outra possibilidade que ninguém esteja a prever?
Por mais irónico que pareça, uma das coisas que o Reino Unido terá que fazer após o Brexit será nacionalizar o Direito da EU pois já faz parte da tradição britânica.
Ninguém sabe o que irá acontecer, irá também depender da forma como se irá proceder o próprio Brexit – hard ou soft Brexit? Se a Europa ceder pode ser que haja um soft Brexit onde o Reino Unido se irá adaptando mas nunca saindo verdadeiramente da EU, sendo uma espécie de Estado associado que faz parte do mercado comum.
A Europa tem sido um fator de integração entre sistemas, normas jurídicas e muitas outras realidades cada vez mais aproximadas, mas o Brexit parece ser um sinal forte de que nem tudo está bem. A saída do Reino Unido parece ainda não estar a alarmar muita gente, mas a verdade é que se pode estar perante um marco decisivo para o caminho da história. O Brexit poderá trazer mudanças muito profundas no sistema de Processo Administrativo Europeu que está consolidado, mas isso parece uma realidade a que muitos ainda não entregam a devida atenção.
Aguardemos pelos próximos episódios de história que ainda tem muito para contar.


João Portas Fontes
140115163 – Turma 1

Bibliografia:
×          Silva, Vasco Pereira da. "O contencioso administrativo no divã da psicanálise: ensaio sobre as acções no novo processo administrativo." 2º edição, Almedina, Lisboa (2009)

×          Aulas de Contencioso Administrativo do professor Vasco Pereira da Silva 2018/2019

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