Europeização
do Contencioso Administrativo
Após um período de constitucionalização do Direito
Administrativo iniciado após a 2ª Guerra Mundial na Alemanha com a Constituição
de Bona (tinha no seu artº 19/4 a norma perfeita), até aos anos 80 do séc. XX,
eis que se inicia então um novo tempo para o Contencioso Administrativo: a “Europeização”.
Assiste-se à afirmação do Direito Administrativo nas
jurisdições nacionais e europeias, uma ordem jurídica própria que congrega fontes
nacionais com fontes europeias. Entre nós, temos o artº8/4 da Constituição que
consagra o “efeito direto” de normas europeias. Não é possível que o Direito Administrativo
Ignore os fenómenos europeus, são cada vez mais as fontes europeias relevantes
no domínio administrativo (o que vai aproximando as várias jurisdições), como
impossível é que o Direito Europeu ignore o Direito Administrativo pois é
através deste, que aquele se realiza.
Os Tribunais Administrativos aplicam cada vez mais o Direito
Europeu, criando e atualizando o Direito Administrativo a nível nacional e
comunitário. É uma espécie de movimento legislativo e jurisprudencial que vai
criando Direito Administrativo Europeu.
Há processo de uniformização do Contencioso Administrativo
que vai gerando um Direito Comum neste domínio. As fontes de direito são mais
permeáveis à influência europeia, o que conduz uma europeização crescente de
sistemas, combatendo assim os problemas antagónicos existentes nos primórdios
do Processo Administrativo, caminhando-se assim para um Direito Comum Europeu.
Olhando mais em específico para aquilo que aconteceu nos
diversos países europeus e tentando fazer uma condensação daquilo que aconteceu
nessas jurisdições, sob pena de incorrer num exercício meramente enunciativo das
transformações legislativas, vemos que em França, por exemplo, dá-se uma
transformação profunda no Processo Administrativo – há dever de fundamentação
das decisões administrativas, surge a tutela cautelar urgente que antes era só de
eficácia suspensiva havendo uma presunção de legalidade, entre outras. Estas
mudanças foram algumas daquelas que ocorreram em França com a reforma do Processo
Administrativo em 2000 que marcou um “virar de página” naquele país e foram de
encontro à tutela dos direitos dos particulares.
Na Alemanha, por seu lado, que se tinha antecipado na
constitucionalização e portanto a europeização não trouxe grandes mudanças,
parece que se assistiu ao processo inverso destacando-se a diminuição das
garantias do processo cautelar, diminuindo-se para 2 anos o prazo máximo de
impugnação de normas regulamentares. Resta esperar para se perceber como irão
ao longo dos tempos, os juízes compatibilizar a constitucionalização primeiramente
alcançada, com a europeização do Direito Administrativo e o âmago deste ramo de
direito que é a tutela plena dos direitos dos particulares.
Itália teve reforma na Justiça Administrativa em 2000 que
confirma a europeização do sistema e donde se destacam o fim da distinção entre
direito subjetivo e interesse legítimo (distinção relevante para efeitos de
acesso aos Tribunais), criação de regime próprio de responsabilidade civil
extra-contratual da Administração e aperfeiçoamento da tutela dos particulares.
Esta reforma foi levada a cabo, tanto por opções legislativas como por decisões
jurisprudenciais.
Em Espanha a Reforma do Contencioso de 1998 é também fruto da
exigência europeia sendo decisiva para a constitucionalização e europeização da
Justiça Administrativa, estabelecendo um sistema destinado a garantir a
proteção plena e efetiva dos direitos dos particulares.
No Reino Unido também houve influência europeia no Direito
Administrativo, nomeadamente nas garantias dos particulares face à
Administração. Dá-se aos particulares a possibilidade de impugnar decisões de
autoridades administrativas independentes (os “Tribunals” – amostra da
promiscuidade que existiu entre Administração e Justiça) junto dum tribunal (“Court”).
Também se estendeu a aplicação do Contencioso Administrativo a todas as
atuações da Coroa inglesa (alguns dos seus atoas iam resistindo às mudanças,
mas já não à europeização), direito cautelar foi introduzido para proteger os
direitos dos particulares em face da atuação da Administração.
Em Portugal apesar da constitucionalização promovida pelas
revisões de 1989 e 1997, estava-se muito longe de ser concretizada pela lei e
jurisprudência, dificultando a europeização do nosso sistema. Só com a Reforma
de 2002/2004 se concretizou um Processo Administrativo plenamente
jurisdicionalizado com vista à proteção dos particulares e dos seus direitos e
integra de forma adequada o modelo europeu.
Resumindo, surge um Direito Processo Administrativo Europeu
de fonte legislativa e/ou jurisprudencial, e cada vez mais vão convergindo os
sistemas de Contencioso Administrativo.
Contudo, esta lógica de integração horizontal pode estar em
perigo pela saída do Reino Unido da União Europeia. Para se ter uma melhor
noção, e embora seja muitas vezes arriscado e até injusto fazer comparações,
mas o Reino Unido terá mais importância para a EU, do que a Catalunha para
Espanha (a propósito dos movimentos separatistas que se verificam naquela
região).
Tendo a saída do Reino Unido tal importância fica a questão
de como irá reagir (no longo prazo) a EU depois da saída. Vai-se aumentar a
integração, caminhar-se-á para uma desintegração, uma outra possibilidade que
ninguém esteja a prever?
Por mais irónico que pareça, uma das coisas que o Reino Unido
terá que fazer após o Brexit será nacionalizar o Direito da EU pois já faz
parte da tradição britânica.
Ninguém sabe o que irá acontecer, irá também depender da
forma como se irá proceder o próprio Brexit – hard ou soft Brexit? Se a Europa
ceder pode ser que haja um soft Brexit onde o Reino Unido se irá adaptando mas
nunca saindo verdadeiramente da EU, sendo uma espécie de Estado associado que
faz parte do mercado comum.
A Europa tem sido um fator de integração entre sistemas,
normas jurídicas e muitas outras realidades cada vez mais aproximadas, mas o
Brexit parece ser um sinal forte de que nem tudo está bem. A saída do Reino
Unido parece ainda não estar a alarmar muita gente, mas a verdade é que se pode
estar perante um marco decisivo para o caminho da história. O Brexit poderá
trazer mudanças muito profundas no sistema de Processo Administrativo Europeu
que está consolidado, mas isso parece uma realidade a que muitos ainda não
entregam a devida atenção.
Aguardemos pelos próximos episódios de história que ainda tem
muito para contar.
João Portas Fontes
140115163 – Turma 1
Bibliografia:
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Silva, Vasco Pereira da. "O contencioso
administrativo no divã da psicanálise: ensaio sobre as acções no novo processo
administrativo." 2º edição, Almedina, Lisboa (2009)
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Aulas de Contencioso Administrativo do professor Vasco
Pereira da Silva 2018/2019
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