sábado, 13 de outubro de 2018

Contencioso Francês no período liberal- Inês Sofia Marques Alfacinha- 140115073


Contencioso Francês no período liberal

             O Contencioso Administrativo nasceu marcado por um encadeamento de traumas do qual ainda hoje não se conseguiu libertar na totalidade - teve, de facto, uma infância bastante dolorosa. 

       A primeira fase da administração é a fase do pecado original e do sistema do administrador juiz. Esta fase coincide com o Estado liberal, vigorou praticamente por toda a Europa, no século XVIII e século XIX. Foi um modelo que esteve ligado ao estado liberal e ao liberalismo politico do Continente Europeu, não obstante, este modelo foi também utilizado posteriormente por alguns estados autoritários no século XX. 

          Podemos salientar dois dos traumas que mais influenciaram o sistema administrativo francês: 

    O primeiro trauma surge logo nos primórdios do contencioso administrativo. Historicamente, o Contencioso Administrativo Francês nasceu com a Revolução Francesa de 1789 - os revolucionários franceses tentaram estabelecer o liberalismo político, impedindo os juízes de controlar o poder administrativo, mas criando, não obstante, uma fatal promiscuidade entre a administração e a justiça - “a administração atuava e julgava-se a si mesma”.A própria lei de 1789 proferia que os tribunais “ne troublent pas”a administração, ou seja, os tribunais comuns não podiam julgar a administração. No entanto podemos admitir que esta proibição acabaria por violar a separação de poderes, estabelecendo- se um sistema heterodoxo que comprometia a separação entre o poder administrativo (decorrência do poder executivo) e o poder judicial.

        O “pecado original” do contencioso administrativo decorre assim da confusão entre o poder administrativo e judicial- “a recordação de cobertura”. Proclamava-se a separação de poderes, no entanto proibia-se os juízes de controlar a administração. Foram assim criados órgãos administrativos especiais (juízes privativos) que ficariam encarregues ao mesmo tempo de julgar e controlar a administração- os chamados juízes domésticos.Foi assim criado na França o Conselho de Estado Francês - “o juiz era administrador e o administrador era juiz.”

        O segundo trauma decorre do entendimento de que os tribunais existem para proteger a administração e que o direito administrativo é o direito da administração autoritária. O direito criado pelo Conselho de Estado é o direito da administração toda-poderosa. O poder administrativo acaba por se impor aos cidadãos. Os particulares não eram assim sujeitos de direito, eram apenas objeto desse direito. Os tribunais existiam para proteger a administração, não o particular. Emblemático foi o caso de Agnès Blanco de 1872.

    Este período foi evoluindo no sentido de uma maior independência dos órgãos incumbidos de fiscalizar a administração. Foi feita a divisão em 3 subperíodos: De 1789 a 1799 ocorreu um período de total confusão entre quem administra e quem julga; De 1799 a 1872 deu-se a primeira grande autonomização dentro da administração: Napoleão Bonaparte criou o Conselho de Estado, órgão da administração, órgão de controle de qualquer órgão da administração. Este órgão tinha funções de julgamento, é assim um órgão administrativo e judiciário ao mesmo tempo. Era o chamado sistema da justice retenue; Em 1872 dá-se um progresso no quadro da autonomia do sistema: O chefe de estado delega no Conselho de Estado a faculdade de decidir. Esta delegação faz com que os pareceres do Conselho de Estado se transformem em decisões definitivas. 

       São assim características do sistema administrativo de tipo francês:

    • O estado de direito influenciado pelas ideologias dos autores Locke e Montesquieu; 
    • A subordinação da Administração ao direito administrativo, como foi dito anteriormente os particulares não se encontravam numa posição de igualdade relativamente aos órgãos administrativos, estes dispunham de poderes de autoridade relativamente aos seus cidadãos; 
    • A separação de poderes proclamada pela revolução Francesa de 1789, assim como a sujeição da administração aos tribunais administrativos- ideia de promiscuidade entre a administração e a justiça referida anteriormente. Havia uma divisão entre o poder judicial e o poder executivo, o poder judicial não podia interferir no funcionamento da administração pública; 
    • A centralização através de uma organização administrativa sistemática e austera; 
    • Os poderes exorbitantes que a administração pública tinha em relação aos particulares, como por exemplo, o privilégio da execução prévia; 
    • Por fim, outra das características do sistema administrativo de tipo francês caracterizou-se pelo conjunto de garantias jurídicas que eram oferecidas aos particulares contra os abusos e ilegalidades da administração.



Bibliografia:

Aulas lecionadas pelo Excelentíssimo professor Vasco Pereira da Silva no âmbito da cadeira de Contencioso Administrativo – turma 1- ano letivo 2018/2019

Do Amaral, Diogo Freitas, and Lino Torgal. Curso de Direito Administrativo, Almedina, 2011.

Entrena Cuesta, Rafael. Curso de derecho administrativo 1999.

Hauriou, Maurice. Précis élémentaire de droit administratifRecuieil Sirey (société anonyme), 1930.

Silva, Vasco Pereira da. "O contencioso administrativo no divã da psicanálise: ensaio sobre as acções no novo processo administrativo." 2º edição, Almedina, Lisboa (2009).


Inês Sofia Marques Alfacinha- 140115073





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