sábado, 3 de novembro de 2018

Legitimidade Processual


A legitimidade no Contencioso Administrativo

Em primeiro lugar, os pressupostos processuais são os estabelecidos na lei do processo administrativo, no entanto, também podem decorrer de normas processuais especiais ou do Código de Processo Civil (C.P.C.), que aplica-se subsidiariamente nos termos do artigo1.º do Código de Processo dos Tribunais Administrativos (C.P.T.A.).

O pressuposto processual que vai estar ser aqui objecto de estudo é a legitimidade, considerado como um pressuposto dos sujeitos. A Legitimidade corresponde ao modo como são chamados ao processo os sujeitos processuais. Assim, serve como instrumento que permite chamar a juízo os titulares dos direitos nas relações jurídicas materiais. Esta divide-se em legitimidade ativa e passiva, conforme estejamos perante quem tem a titularidade do direito ou a entidade contra quem se formula o pedido, tendo estas duas realidades uma relação de correspondência.

Importa referir que conceito de legitimidade surgiu no Direito francês onde se dava primazia a uma lógica clássica, de acordo com a qual, o contencioso administrativo era uma verificação da legalidade da actução administrativa. Aqui, nem o particular nem a administração participavam no processo para defender o seu próprio interesse mas sim para defender o interesse público. Em suma, estes dois sujeitos não podiam ser considerados sujeitos processuais.

Com a Constituição de 1976, esta visão clássica foi afastada, e adoptando-se um concepção subjectivista, de acordo com a qual, o particular passou a ser considerado sujeito processual, sendo-lhe garantida a tutela jurisdicional efectiva  dos seus direitos e interesses legalmente protegidos. Também a Administração passou a ser considerada parte no processo, podendo defender a sua posição individualmente considerada perante um juiz (terceiro na relação jurídica administrativa).

Num regime inteiramente jurisdicionalizado e de natureza subjetivista está plasmado o princípio da igualdade das partes, isto é, tanto a Administração como o particular encontram-se na mesma situação processual. Neste contencioso a Administração é chamada a juízo para e A legitimidade processual pode ser activa ou passiva.

Legitimidade ativa (artigo 9.º do C.P.T.A.)
Entende-se por legitimidade activa aquela que, nos termos do nº1 e do nº2 do artigo 9º, pertence àquele que alega ser parte numa relação material controvertida. Aqui o sujeito alega ser titular de um direito sendo que, a questão de saber se efectivamente o direito lhe pertence, só se saberá no próprio processo.

O artigo 9º, nº1 refere que o autor é parte legítima em razão dos direitos subjectivos ou posições de vantagem de que é titular. Neste âmbito, na esteira do Professor Doutor Vasco Pereira da Silva, encontramos aqui a função subjectiva do contencioso administrativo. Nesta norma a posição consagrada foi a de considerar como parte legitima o autor, sempre que este alegue ser parte na relação material controvertida, em razão dos direitos subjetivos ou das posições de vantagem, de que alegadamente é titular na relação jurídica administrativa, saber se o é verdadeiramente ou não pertence ao fundo da causa, nos termos do artigo 9.º/1 do C.P.T.A.
Na opinião do professor Vasco Pereira da Silva, que defende uma concepção unitária, todos os direitos são subjetivos, e não existem direitos de 1ª, 2ª e 3ª. Assim, todas a posições de vantagem devem ser entendidas como direitos subjectivos.

Por outro lado, a concepção trinitária distingue 3 especies de direitos, fazendo uma distinção de ordem formal. Deste modo, distingue três espécies de direitos, em função da norma e da forma como esta atribui o direito:
1)direitos subjetivo: direito estabelecido expressamente pela AP.
2)interesses legítimos: o dever estabelecido á AP corresponde apenas um interesse legitimo. MAS o professor VPS diz que um dever da AP corresponde a um direito do particular. Um dever e um direito encontram-se numa relação de reciprocidade.
3)interesses difusos: Está em causa também um direito subjetivo; nasceu com um alargamento dos direitos fundamentais de 3ª geração (ex.: direito ao ambiente, á autodeterminação informática, etc.). Na altura, aqueles que negavam a determinação de direitos, assentavam na ideia de que aquilo que estava a ser protegido era um bem objetivo (CARLA AMADO GOMES)- o que é protegido é um bem objetivo (neste caso, o meio ambiente), e se é um bem objetivo não é possível a apropriação desse bem, e não há por isso direitos subjetivos nesta matéria.
VASCO PEREIRA DA SILVA não concorda uma vez que sobre bens públicos e do domínio público, podem existir direitos dos particulares. O facto de existir um bem objetivo não invalida que exista um bem subjetivo.

HAEBERLE diz que aquilo que corresponde aos bens fundamentais é o estatuto jurídico que permite o aproveitamento desse bem- o que está em causa é a permissão normativa de aproveitamento de um bem, que é público, embora possa ser aproveitado individualmente. Portanto, o professor VPS abrange assim na concepção unitária qualquer um destes direitos- em ultima analise tudo tem a ver com a norma.
Já no artigo 9º, nº 2, o que está em causa é a defesa da legalidade e do interesse público estando aqui presente a função objectiva do contencioso administrativo. Assim, o CA assume uma função predominantemente subjetiva, realizada mediante a intervenção do sujeitos privados que atuam para a proteção dos respetivos direitos subjetivos (art.9º, nº1), mas desempenha também função objetiva, a qual na nossa ordem jurídica, para além de resultar indiretamente da ação para defesa de direitos, é realizada, de forma imediata, pela intervenção do ator público e do ator popular. Estes dois agem em juízo independentemente de terem interesses no litígio, prosseguindo a tutela objetiva de bens e valores constitucionalmente protegidos.

A ação pública constitui atualmente o principal poder de intervenção processual do Ministério Público, que atua como auxiliar do juiz.

Quanto á ação popular, estabelece-se que tanto o ator público como ator popular agem para defesa da legalidade e do interesse público- independentemente de terem interesse pessoal na demanda (art.9º, nº2)- prosseguindo a tutela objetiva de bens e valores constitucionalmente protegidos-
“A caracterização legal da ação popular como forma de defesa e prossecução de direitos uti civis, e já não uti singuli, traduz-se no alargamento da legitimidade ativa a todos os cidadãos, pessoas coletivas e Ministério Público, concebendo-se a parte processual como categoria-universo geral e abstrata, não cabendo indagar da especifica titularidade do interesse em demandar de cada sujeito em cada caso concreto. Na ação popular a legitimidade ativa é um atributo da sociedade e não uma competência do Ministério Público enquanto órgão do Estado.”
Deve existir uma separação entre a legitimidade para a defesa de interesses próprios e a legitimidade dos indivíduos, das pessoas coletivas, das autarquias locais e do Ministério Público, no exercício da ação pública ou da ação popular.
A função do contencioso português pode alternar consoante os sujeitos e os interesses, públicos ou privados, que prosseguem, mas o que nunca muda é a posição de parte que qualquer desses sujeitos ocupa no processo.

Em suma, no artigo 9º podemos encontrar a legitimidade activa tanto para a defesa de interesses próprios no nº1, como legitimidade dos indivíduos, das pessoas colectivas e do Ministério Público no seunº2.
Legitimidade passiva (artigo 10.º/1 a 4 do C.P.T.A.)
Quanto à legitimidade passiva, ela afere-se em função de contra quem deverá ser proposta a acção conforme o artigo 10. Aqui a legitimidade decorre da alegação da posição de parte numa relação material controvertida que tem que se basear numa ligação entre a relação substantiva e a relação processual. A averiguação desta também é feita através do critério a cima enunciado, ou seja, ser parte da relação material controvertida.

Nestas circunstâncias, o legislador adotou um critério que, querendo ser subjetivo, não parece ser o mais adequado para a realidade jurídico-administrativa. O legislador decidiu assimilar essa legitimidade passiva ao regime do processo civil, e veio dizer que seriam as pessoas coletivas que estariam em litígio. Como sujeitos passivos, o legislador fala das pessoas coletivas como aquelas que seriam sujeitos no processo (nº2). Deste modo, usar o critério da pessoa coletiva de direito público não parece que seja adequado para a realidade da AP de hoje.
Embora os órgãos sejam chamados a juízo, quem está a ser julgado é a pessoa coletiva. No entanto o professor VPS tem duvidas que se possa fazer isto no direito público como se faz no direito privado, pois há uma generalidade de pessoas coletivas públicas. No contencioso Adiministrativo português sabemos que os privados podem praticar atos administrativos (art.4º)- esta distinção não faz sentido. No quadro do estado, o princípio da legalidade cria regra para todos os que atuam no âmbito do domínio público, e quem atua são os órgãos. São os órgãos que praticam atos imputáveis à pessoa coletivas.

O legislador português, ainda que com boas intenções, adotou um critério que não parece ser o mais adequado para o direito público na medida em que considera tudo o que se passa no seio da pessoa jurídica coletiva é juridicamente relevante. O professor VPS não percebe porque é que os nº2 e seguintes do art.10º adota este conceito de “pessoa coletiva de direito público”. Quando se está perante uma ação relativa a atos ou omissões administrativas a parte que deve ser demandada é “a pessoa coletiva de direito público ou, no caso do Estado, os ministérios a cujo os órgãos seja imputável o ato jurídico impugnado ou sobre cujo os órgãos recaia o dever de praticar os atos jurídicos ou observar os comportamentos pretendidos.”
Do elenco dado pelo legislador nesta norma verifica-se uma preferência pela pessoa coletiva pública, como sujeito paradigmático do contencioso, mas não ignora a intervenção no processo dos órgãos administrativos.
Esta opção legislativa é criticada pelo Prof. Vasco Pereira da Silva, pois este considera que a noção de pessoa coletiva pública não pode continuar a operar como único sujeito de imputação de condutas administrativas, devido ao fato da complexidade da organização administrativa e da natureza multifacetada das modernas relações administrativas multilaterais.

A Administração Pública sofreu diversas mudanças no Estado Pós-Social, tais como: a multiplicidade e a variedade da natureza dos entes que exercem a função administrativa, incluindo os que se inserem na estrutura da Administração Pública; a multiplicação de competências decisórias autónomas e como consequência o descentramento da atividade administrativa; o aumento da relevância das relações interorgânicas e intraorgânicas; o afastamento da teoria das relações especiais de poder tem como consequência levar à consideração que tudo o que sucede no interior de uma pessoa coletiva também possuí natureza jurídica, mesmo as relações internas estão sujeitas à lei e aos direitos fundamentais.
Estas mudanças na Administração Pública levam à necessidade de refletir sobre os conceitos de pessoa coletiva pública e de órgão. Há uma propensão de autonomizar o papel das autoridades administrativas enquanto sujeitos de relações jurídicas, verificando-se, tal como refere o Prof. Vasco Pereira da Silva, uma dessubjetivação da organização administrativa. Este fenómeno tem-se dado em vários ordenamentos jurídicos, como o alemão e o italiano. Também na opinião do autor supra mencionado, o ordenamento português tem vindo a relativizar a ideia de personalidade jurídica das entidades públicas, dando primazia à atuação dos seus órgãos. Estes respondem perante as suas atuações exceto quando esteja em causa uma atuação de natureza patrimonial.
A opção legislativa, no plano teórico, não é a mais adequada, no entanto é suficientemente aberta. Na prática consagra-se a possibilidade de a pessoa coletiva e os órgãos serem sujeitos processuais. É possibilitada a intervenção processual das autoridades administrativas, que são responsáveis pelo comportamento em questão, ou que são dotadas da necessária competência decisória, não deixando que seja uma atuação exclusiva da pessoa coletiva.,

Deve-se interpretar o texto legal, segundo o qual, quem deve estar em juízo é a autoridade administrativa responsável pelo comportamento litigado, seguindo assim, a opinião do Prof. Vasco Pereira da Silva, por todos os argumentos anteriormente apresentados.
Bibliografia:
- aulas
- Vasco Pereira da Silva, “O Contencioso Administrativo no Divã da Psicanálise”, 2ª edição, Almedina, 2009.

Catarina Barbosa 140115037

Sem comentários:

Enviar um comentário