sábado, 3 de novembro de 2018

Cadernos de Justiça Administrativa-Mar./Abr. 2018

                                              O contencioso dos procedimentos de massa

Na edição de março/abril de 2018 saiu nos Cadernos de Justiça Administrativa (CJA) uma anotação da Professora Ana F. Neves ao acórdão do Tribunal Central Administrativo (TCA) Sul de 5.7.2017, P.60/16.2BEPDL. O caso foi decidido pelo Tribunal Administrativo de Círculo de Ponta Delgada em 1ª instância e pelo TCA Sul em sede de recurso.

O caso é sobre uma Professora que foi candidata ao concurso interno de pessoal docente para o ano 2016/2017, ao grupo de recrutamento 500 - Matemática, do 3º ciclo do Ensino Básico e Secundário. A Autora pretende impugnar o ato administrativo que a excluiu do concurso em causa, através do processo urgente do Contencioso dos Procedimentos de Massa, que foi introduzido pelo reforma de 2015 do CPTA no artigo 99º do mesmo código.

Este processo urgente tem como pressupostos para a sua aplicação: a prática ou omissão de atos administrativos no âmbito de procedimentos com mais de 50 participantes (i); no domínio de a) concursos de pessoal, b) procedimentos de realização de provas e c) procedimentos de recrutamento (ii). Estabelece ainda um regime de tramitação do processo urgente, através da definição de prazos mais curtos para a apresentação da contestação e da decisão.

Em 1ª instância, foi decidido que a ré (Região Autónoma dos Açores) fosse absolvida do pedido por falta do pressuposto processual (i) do artigo 99º do CPTA, constituindo assim uma exceção dilatória, por força do artigo 89º do CPTA. No entendimento do tribunal, o concurso em causa só teria 43 interessados intervenientes não estando assim preenchido o número mínimo de 51 interessados intervenientes no procedimento, requerido pelo número 1 do artigo 99º.

Em recurso, o TCA Sul tentou responder a duas questões essenciais, por um lado se falha o pressuposto relativo ao número de intervenientes e, por outro lado, faltando o pressuposto, se deve ou não convolar a ação de contencioso dos procedimentos de massa em ação administrativa comum. Acaba por concluir que, de facto, apenas estão no procedimento 43 participantes. Em relação à questão da convolação, o tribunal decidiu que, podendo a Petição Inicial ser aproveitada para a forma de processo adequada, o réu não deveria ser absolvido da instância e que, portanto esta ação de contencioso dos procedimentos de massa, deve ser convolada numa ação administrativa comum, segundo o artigo 193º do CPC, que é supletivamente aplicável ao CPTA, nos termos do artigo 1º do mesmo código.

Na sua anotação a este acórdão, a Professora refere que há uma questão prévia que tem se ser resolvida para ser possível julgar este caso de forma adequada. Essa questão passa por uma clarificação do que é que o legislador do CPTA quis dizer no seu artigo 99º quando se refere a “procedimento com mais de 50 participantes”. Primeiro tem que se fazer a distinção entre um concurso de pessoal (“procedimento de seleção em que os participantes disputam entre si emprego (…) sendo avaliados por comparação”) e um procedimento de recrutamento (“admitir um trabalhador para um posto de trabalho ou emprego”). Neste caso em concreto, trata-se de um procedimento de recrutamento e para este tipo de procedimento a contabilização dos participantes deve ser feita de acordo com o critério dado no CPTA anotado por Carlos Fernandes Cadilha e Mário Aroso de Almeida em que “ os requisitos processuais de que depende a propositura da ação definem-se no âmbito do próprio procedimento administrativo. Tendo-se iniciado um procedimento para qualquer das finalidades enunciadas no qual tenham intervindo mais de 50 interessados, é aplicável o artigo 99º, independentemente do número de ações que venham a ser propostas ou do número de interessados que se coliguem para a propositura de uma ação conjunta”.

Assim, a autora conclui que se devia ter aplicado o artigo 99º, na medida em que se se tivesse tido em conta a distinção e o critério acima descritos, se teria chegado à conclusão de que haveria mais de 50 interessados neste procedimento.

Sugere ainda que este problema acerca da qualificação do procedimento e as consequências que essa qualificação comporta poderia ser facilmente resolvido com uma notificação da administração ao particular em que explicita o tipo e amplitude do procedimento em que se está a inscrever e também refere qual o meio processual a ser usado com vista a obter a tutela jurisdicional efetiva dos seus direitos.

Concluindo, e assumindo que o Juiz conhece o verdadeiro e correto alcance da letra de lei, e tendo como motivação a tutela jurisdicional efetiva dos direitos dos particulares, talvez fosse sensato permitir ao Juiz uma maior intervenção na adequação das peças processuais ao processo, salvaguardando sempre o cerne do Princípio do dispositivo. Aliás, como finaliza a Professora na sua anotação, “Parece que afinal o juiz deve ser interventivo cum granis salis e que o princípio do dispositivo poderia ter sido no caso o “melhor amigo de todos””




Francisco Soares de Sousa- 140115114

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