Resolução do Caso Prático 1
Na sequência da aplicação de sanção de descida de divisão
pela Comissão Disciplinar da Liga Portuguesa de Futebol ao clube FC
Axadrezados, os jogadores desse clube pretendem impugnar a referida decisão
alegando para o efeito a perda de visibilidade e o estatuto a que ficaram
sujeitos como jogadores da 2ª Liga, sentindo-se igualmente prejudicados com a
decisão da Comissão Disciplinar os principais patrocinadores do clube preparam
reação judicial que incluirá igualmente um pedido de indemnização. Quid Juris?
E se o Ministério Público pretender igualmente impugnar a
decisão, pode fazê-lo?
E se em vez do Ministério Público, fosse uma claque
organizada do clube a pretender reagir invocando para o efeito “interesse
público da entidade desportiva”, pode fazê-lo?
- Jurisdição competente
O âmbito de jurisdição
encontra-se no Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF) art.º
4. Uma das entidades envolvidas é a
Comissão Disciplinar da Liga de Futebol que é entidade privada que exerce
atividade administrativa. Questão que se poderia aqui colocar é a de saber se o
estatuto da Liga é idêntico ao da Federação Portuguesa de Futebol (FPF) que é
uma associação privada de utilidade pública.
Em relação à FPF não
sobram dúvidas que exerce função administrativa e em resultado disso irá
regular a atividade desportiva, que é uma atividade administrativa art.º
79 CRP. Estado tem como tarefa
promover, organizar e fiscalizar o exercício do desporto, isso significa que o
desporto é uma tarefa pública realizada em colaboração com entidades privadas
(fenómeno típico do Período Pós-Social).
Outro prenúncio de que o
desporto é uma tarefa administrativa, é que o maior órgão administrativo do
Estado, o Governo, tem um Secretário de Estado do Desporto e portanto o
desporto é uma tarefa pública concretizada com auxílio de privados.
E a Liga? Não tem
estatuto de utilidade pública, mas como também exerce a função administrativa,
e encarrega-se de funções que eram da FPF, é do domínio público porque regula o
futebol profissional. Isto significa que a Liga se acomoda dentro do Contencioso
Administrativo arts. º 4 als. b), h), k) e o) ETAF.
O critério para
distinguir a jurisdição dos Tribunais Civis e Tribunais Administrativos está na
relação controvertida em questão, se for do âmbito administrativo e/ou fiscal,
será apreciada pelos Tribunais Administrativos e Fiscais.
Neste caso, há várias
relações jurídicas administrativas, portanto este seria um caso considerado nos
Tribunais Administrativos por várias vias do art.º 4 ETAF.
- Legitimidade processual
Será que os jogadores
dispõem de legitimidade ativa (autores), tal como, o próprio clube dispõe? Pode
efetivamente, haver interesse da sua parte por serem titulares de uma relação
material controvertida, podendo assim, exercer o seu direito de ação.
No caso concreto,
estamos perante uma relação multilateral pois a sanção irá produzir efeitos lesivos nos
jogadores diretamente (estarão a competir num campeonato de menor competitividade,
menos visibilidade para outros clubes interessados, etc.). Assim, os jogadores
também são parte legítima pois têm posição de vantagem a defender.
E os patrocinadores? Têm contrato com o clube, mas será que são parte legítima? A verdade é
que a sua posição não congénere com a dos jogadores que são diretamente
afetados pela sanção disciplinar, já os patrocinadores não.
Porém, a questão do contrato
Clube Û Patrocinadores, ajuda a resolver a questão. Havendo contrato válido entre os
patrocinadores e o clube, os patrocinadores também serão prejudicados, contudo,
isso já não é um problema da Justiça Administrativa, isso tem a ver com a
relação entre os patrocinadores e o clube. Se patrocinadores podem ficar
prejudicados com a descida de divisão, isso terá efeitos na relação jurídica
com o clube, não com a Justiça Administrativa. A sanção disciplinar causa
indiretamente problemas à atividade económica, portanto o que aqui está é outra
possibilidade de ação nos Tribunais Judiciais.
De referir, que os patrocinadores que só
indiretamente eram afetados pela sanção poderiam eventualmente intervir no
processo na forma de assistentes processuais (não constituem objeto do processo) trazendo novos atos
ou qualificando outros de forma diferente. São as partes quem determinam o
objeto do processo, os assistentes intervém com posição secundária.
Isto corresponde ao
alargamento da legitimidade no quadro do Contencioso Administrativo, que é
também uma das transformações do moderno Contencioso Administrativo. No momento
da “Constitucionalização” e “Europeização”, uma das coisas que se fez foi
alargar o âmbito da Justiça Administrativa e alargar a legitimidade dos
sujeitos que podem recorrer ao Processo Administrativo para defesa dos seus
direitos.
Quanto ao Ministério Público já estamos no domínio da ação pública. Há regras
diferentes consoante se trate de ação pública ou ação popular. Têm também algo
de equívoco na redação, “independentemente de interesse pessoal”. A ação
pública e a ação popular só fazem sentido quando não há interesse pessoal. É
aqui preciso fazer interpretação corretiva, na ótica do Professor Vasco Pereira
da Silva, acompanhado por Sérvulo Correia. A norma, ao falar em “independentemente”
está a dizer demais, o legislador devia ter sido mais comedido.
E a claque que pretende agir? Goza do direito de ação jurídica subjetiva art.º
9/1 ETAF? A claque não é afetada
pela decisão, portanto não faz sentido poder agir, não parece haver aqui um
interesse juridicamente protegido, Se assim for, só poderia atuar para defesa
da legalidade e do interesse público, nos termos amplos como está definido o
direito de ação tutelar.
Sem comentários:
Enviar um comentário