Construir para mais tarde destruir, avançar para depois retroceder?
No contexto da reforma de 2004, com a concretização de um novo modelo administrativo destinado à proteção plena e efetiva dos Direitos dos particulares, surgiu uma europeização do Contencioso Administrativo.
Pode dizer-se que este movimento possui uma estrutura dual, caracterizada pela existência de relações horizontais e de relações verticais. As primeiras têm que ver com a comunicação dos Institutos e Conceitos entre os Sistemas Nacionais, enquanto que as segundas se prendem com a criação de um Direito Comum europeu na matéria, concretizado por normas de Direito da União Europeia.
Estas normas inicialmente inspiraram-se em institutos de sistemas nacionais, evoluindo até serem elas próprias uma fonte de transmissão de novas soluções processuais.
A União Europeia enquanto instituição procurou as soluções normativas que mais se identificassem com os seus valores, nomeadamente o bem comum e interesse geral da Comunidade e passou a ser modelo de conformação de todas as ordens jurídicas que lhe pertencem, prevalecendo sobre as normas da ordem jurídica internamas misturando-se com as mesmas porque estas também vão integrar o regime jurídico europeu.
Houve várias manifestações concretas deste Processo Administrativo Europeu. O alargamento dos meios processuais à medida das necessidades da aplicação do Direito da União Europeia, por exemplo, a possibilidade de o juiz decretar medidas cautelares, mesmo que esta possibilidade não se encontre prevista na legislação Nacional.
Outra manifestação de elevada importância é a existência de meios processuais próprios de fonte europeia, sobretudo as sucessivas gerações da Diretiva de Recursos e o seu papel fundador de um Direito Processual Europeu dedicado à contratação pública, no qual se encontra prevista a aplicação de medidas provisórias/providências cautelares – artigo 132º CPTA.
Uma terceira manifestação bastante relevante é o reconhecimento pelo próprio Tribunal de Justiça de um direito à tutela jurisdicional efetiva nas hipóteses de atividades administrativas nacionais que sejam contrárias ao Direito da União Europeia. A União Europeia introduziu assim um aumento na eficácia do Direito Administrativo.
Deu-se assim a criação das providências cautelares como realidade efetiva no contencioso administrativo.
O TJUE afirmou um princípio pretoriano de estabelecer que, quando não haja uma norma aplicável para um litígio europeu, é o próprio tribunal que a cria através do direito comparado dos países da União Europeia, reconhecendo assim as fontes jurisprudenciais, para além das legais.
Aquilo que existe hoje é uma verdadeira e própria Constituição. Não há normas formalmente constitucionais, mas normas que materialmente têm uma função constitucional.
Ora bem, mas se atualmente se pode considerar o Direito Administrativo português como Direito Europeu concretizado, que influências será que uma mudança no panorama Europeu tão relevante como o Brexit terá no nosso sistema legal? Como se conciliará com o Brexit? Infelizmente isso é muito difícil de prever, pelo que neste momento nos encontramos numa situação de total incerteza cujas consequências se podem repercutir nas mais diversas áreas, nomeadamente no Contencioso Administrativo.
É irónico o facto de muitas das lacunas do Sistema Britânico serem integradas através do recurso ao Direito Europeu. Assim, muitas das normas presentes nas diretivas e regulamentos da União Europeia teriam de ser transpostas para o ordenamento jurídico interno para evitar a falta de regulação de determinadas matérias.
Sabemos que nos dias seguintes à votação para a aprovação da monção, a pesquisa mais realizada no Google foi curiosamente “Brexit”, “efeitos do Brexit” e outras expressões similares. Isto demonstra a falta de informação total que a população possuía quando exerceu o seu voto. A questão continua a ser muito fraturante, quer para a população em geral quer para o próprio Governo, que enfrenta uma grande divisão interna. Sabemos agora que cerca de 100.000 pessoas pelo menos desejam um novo referendo. Perante tanta dúvida, incerteza e divisão, será que esta é uma decisão que deve ser tomada de ânimo leve? Não me parece.
O antigo primeiro Ministro britânico Tony Blair, ciente dos riscos que a decisão poderá acartar, exprimiu a sua opinião relativamente ao assunto recentemente na Web Summit.
Deixo aqui o linkpara que possam consultar:
Podemos estar perante o início do regresso do Direito Contencioso Administrativo a uma lógica estatocêntricae fechada no Reino Unido. Porém, certamente que a União Europeia e os seus Estados Membros, nomeadamente a nossa ordem jurídica irão sofrer as repercussões desta decisão.
Foi percorrido um caminho, foram realizados muitos avanços positivos decorrentes da europeização do Direito, esperemos que o Brexit não se manifeste num retrocesso, numa destruição ou num início de uma deseuropeização.
Mafalda Romão Mateus 140114042
Mafalda Romão Mateus 140114042
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