A História do
Contencioso Administrativo Português
Convido-vos
a ler um resumo da viagem de Darwin no HMS Beagle ao Contencioso administrativo
Português do século XIX ao século XXI.
Neste sentido, a primeira conclusão a que se
chegou foi que a evolução do contencioso administrativo em termos de modelo organizativo
em Portugal pode ser distinguida em três fases: época liberal (1832 a 1924),
período autoritário-corporativo (1930 a 1976) e a fase atual.
No
Liberalismo, existia um modelo judicialista, ou seja, um modelo que revelava um recurso excessivo ou
inapropriado às vias judicias do contencioso administrativo uma vez que, existiam
vários órgãos da função administrativa que detinham competência decisória fora
da ordem judicial (Conselhos de prefeitura, Conselhos de distrito, tribunais
administrativos distritais, etc.). Entre 1835-1842 e 1892-1896 houve tentativas
de modelo judicialista de tribunais comuns. A nível central, a partir de 1845
vigorou um modelo administrativista mitigado, com intervenção consultiva
obrigatória do Conselho de Estado (mais tarde do Supremo Tribunal
Administrativo). Tínhamos, portanto, um modelo misto, de predominância
administrativista, embora mitigada. No período autoritário-corporativo tínhamos
um modelo quase-judicialista ou judicialista mitigado, dependendo dos autores.
A nível local tínhamos as auditorias administrativas e a nível central havia o
Supremo Tribunal Administrativo, ou seja, órgãos independentes não integrados
na orgânica dos tribunais, sendo que a natureza administrativa ou jurisdicional
é depois debatida pela doutrina. Na terceira fase, na qual nos encontramos
atualmente, é instituído um modelo judicialista de contencioso
jurisdicionalizado.
Em
relação à evolução do modelo processual de contencioso administrativo em
Portugal, destacam-se também três períodos: de 1832 a 1985; de 1985 a 2002 e de
2002 até ao momento.
No primeiro momento a maioria da doutrina
considera que o modelo predominante foi o modelo francês adotado por Mouzinho
da Silveira, com um contencioso de recursos meramente anulatório e de base
objetivista. Quanto aos meios de acesso, valia o princípio da enumeração:
recurso contra atos enumerados, logo, o particular tinha de esperar ou provocar
um ato para poder recorrer. Os
particulares encontravam-se bastante desprotegidos porque a Administração tinha
uma posição totalmente dominante e os formalismos eram excessivos, dificultando
assim o acesso ao direito dos particulares. Marcello Caetano, desde os anos 30
do séc. XX, que considerava que órgãos administrativos no exercício da função
judicial faziam parte da administração, vai seguir a orientação de Otto Mayer e
fazer uma síntese dos dois modelos e trazer a influência alemã. Marcelo Caetano,
veio também apresentar o modelo do contencioso anulatório (o contencioso de
mera legalidade e não de ações) como decorrência lógica de pressupostos que não
podem ser contestados, mas na verdade era uma razão política. Percebemos isso
indo ao fim do recurso: o fim do recurso era a execução da sentença anulatória,
mas não há força que obrigue a Administração a executar essa sentença. Isto
significa que, se o Governo não quiser executar a sentença, não executa, ou
seja, esta construção lógica era para deixar nas mãos do Governo o respeito
pela legalidade administrativa. Ou seja, significa que não havia qualquer
separação de poderes quanto ao poder executivo e judicial em relação aos litígios
de Contencioso Administrativo.
Após a Revolução de 1974, a primeira alteração foi a
inserção dos tribunais administrativos na órbita do poder judicial. Segue-se a
Constituição de 1976 que, na verdade, apresenta elementos contraditórios.
Recupera-se o direito fundamental de recorrer dos atos jurídicos, mas artigo
18.º diz que as normas sobre direitos, liberdades e garantias têm
aplicabilidade direta, ou seja, há certas normas que, mesmo sendo de natureza
administrativa, gozam de aplicabilidade direta. A aplicabilidade direta põe em
causa a base do modelo pois o particular pode invocar diretamente o seu
direito, não tem de haver decisão inicial da Administração. A prerrogativa da
primeira aplicação da lei ao caso concreto da administração cai por terra,
embora esta questão não tenha sido logo entendida. Em 1977 surge o Decreto-Lei
n.º 256-A/77 que regulava a execução de sentenças administrativas, impondo o
dever geral de fundamentação dos atos desfavoráveis. Este diploma foi relevante
também porque veio dizer, em última análise, que um tribunal pode enunciar os atos
que a Administração deve praticar na execução da sentença, ou seja, é como se
fosse uma sentença condenatória. A revisão de 1982 introduziu uma alteração que
também só se veio a perceber depois: dispôs que os particulares podem pedir ao
tribunal para reconhecer os seus direitos, o que, mais uma vez, vai contra o
modelo original do contencioso de recursos.
Já no período
pós 1985 destaca-se a alteração da legislação processual (após a revisão de 82)
que veio alargar o âmbito do contencioso administrativo e intensificar a
proteção dos interesses legalmente protegidos dos cidadãos. Foi nesta época que
se deu a primeira adaptação do contencioso administrativo ao novo quadro
vigente, apear de tudo, muito insatisfatória. Estas alterações permitiram,
ainda assim, o alargamento dos meios de acesso aos tribunais administrativos e
consagraram a ação de reconhecimento de direitos e interesses legítimos.
Em 1989 dá-se
uma revisão constitucional em que se altera o artigo 268º nº4 para que se
abandone de vez a ideia do contencioso meramente anulatório. O objetivo do
contencioso administrativo é agora claramente a tutela jurisdicional efetiva
dos direitos e não a tutela da legalidade. Impulsionada por esta revisão,
começa a terceira fase da evolução do sistema processual de contencioso
administrativo em Portugal.
Revisão
constitucional de 1997: categorias de sentenças; tutela cautelar (muito
relevante na perspetiva dos direitos dos particulares – não era importante no
contencioso clássico, mas passa a ter consagração no contencioso moderno);
Em 2002 dá-se
uma grande reforma com a revisão do Estatuto dos Tribunais Administrativos e
Fiscais e o Código de Processo dos Tribunais Administrativos. Procurou-se
ultrapassar as limitações e formalismos desnecessários existentes, reconhecendo
um princípio do favorecimento do processo. Afastou-se definitivamente do modelo
clássico. Esta fase iremos aprofundar melhor com o estudo da disciplina.
Hoje
em dia, caminhamos para o reconhecimento da necessidade de especialização dos
tribunais. No entanto existe um problema: -poucos juízes. Para solucionar isto
existem reformas a serem desenvolvidas actualmente. Mas a evolução é assim, e
as mutações do Contencioso Administrativo Português vão continuar a
desenvolver-se e aperfeiçoar-se para assegurar a sua a sua existência que se
justifica pela tutela dos Direitos Fundamentais dos administrados para com a
administração.
Lourenço Paour
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