terça-feira, 20 de novembro de 2018

A " Metamorfose" no plano da impugnabilidade do ato administrativo

Desde o seculo XVIII que os tribunais é que têm, através da sua noção de ato impugnável, vindo a recortar de uma forma mais ampla a noção de ato administrativo. Historicamente a noção de ato administrativo tem sido influenciada, determinada pelas condições politicas, económicas e socias, pelo modelo de Estado, pelo modelo de administração em jogo.
    Com efeito, a noção de ato administrativo tem vindo a alagar-se em função da transformação do modelo da administração e do Estado, decorrentes das alterações das formas de atuação administrativa respeitantes à passagem de uma Administração exclusivamente agressiva a Prestadora e consequentemente, a uma lógica infra-estrutural. Como tal, numa primeira fase, numa lógica de administração liberal, o ato administrativo era a principal forma de atuação da administração, uma forma autoritária clássica – ato de autoridade ou “ de polícia”. É neste plano que surgem as conceções de Otto Mayer: ato administrativo é que define os direitos dos súbditos no caso concreto – “ manifestação da Administração autoritária que determina o direito aplicável ao súbdito no caso concreto”. A Administração define o direito do súbdito, em termos de admitir a execução coativa; de Maurice Hauriou, falando em privilégios exorbitantes da Administração que tem poder de definição do direito, tanto em matérias decisórias como executórias. É numa mesma logica, com as suas diferenças, que o professor Marcelo Caetano fala no privilegio de execução previa e no ato definitivo executório – “ manifestação por excelência de autoridade da Administração”. Temos aqui uma construção em que o conceito de ato administrativo é restrito a estas categorias de atos agressivos.
     Com a passagem de Estado Liberal para Estado Social, a noção de ato administrativo vai sofrer algumas vicissitudes. No Estado Social temos uma Administração prestador, ou seja, o que está agora em causa é a prestação de serviços e satisfação das necessidades coletivas através da AP. Isto vem introduzir uma alteração radical na lógica do funcionamento da administração e na noção de atos administrativos, que devem ser tidos em conta no quadro desta nova realidade – “ Administração Prestadora”.
Atos administrativos virados para a atribuição de benefícios materiais ou “constitutivos de direitos” como afirma o professor Vasco Pereira da Silva.
Como consequência, houve uma modificação radical na logica do funcionamento da administração e na noção de ato administrativo, a qual deve ser considerada no quadro desta nova realidade. Ou seja, a partir do momento em que a administração passa a satisfazer necessidades coletivas, prestando bens e serviços, a administração vai ter novas formas de atuação (regulamentos, contratos), mas do ponto de vista do ato afasta as construções autoritárias do ato administrativo.
Sendo estes atos pedidos pelos particulares e sendo atos que satisfazem as suas necessidades, não faz sentido falar na possibilidade de execução coativa contra a vontade dos particulares. Assim sendo, a execução coativa deixa de ser pressuposto de imputabilidade do ato. A partir de 89 a CRP passou a estabelecer a impugnabilidade dos atos administrativos em função da lesão de direitos dos particulares, o que esta em causa não são as características dos atos, mas sim o facto do ato lesar os direitos dos particulares. Há uma “ metamorfose” no conceito de  ato impugnável que decorre das transformações da Administração.
    Se tivermos em conta o Estado Pós-social, a Administração ganha uma dimensão infra-estrutural, em que a Administração concede mecanismos de colaboração com os particulares para o exercício das suas funções – atos administrativos com eficácia múltipla (“eficácia em relação a terceiros”) que nada tem de definitivo ou executório. Pegando no exemplo dado pelo professor Vasco Pereira da Silva, na abertura de um estabelecimento, deixam de ser apenas atos singulares, relativos a indivíduos determinados, passando a regular determinado setor económico, em razão dos efeitos produzidos aos terceiros afetados (vizinhos, empresas concorrentes, etc).
O legislador nos artigos 51 ss vai mostrar como está a alterar o modelo de impugnabilidade e a construir uma nova noção de ato administrativo no quadro destas regras sobre a impugnabilidade. Na logica constitucional da lesão de direitos, independentemente do momento da lesão, o particular pode impugnar o ato que lesa o seu direito – art51 – permitindo assim, que o particular escolha o momento em que procede a essa impugnação.
     Em ultima analise, a impugnabilidade dos atos administrativos passa a ser determinada em função da eficácia externa e da lesão dos direitos aos particulares. Assim a norma 51/1 do código vai ao encontro do disposto do artigo 268/4 da CRP que estabelece um direito fundamental de impugnação dos atos administrativos lesivos dos particulares, na esfera de um Contencioso Administrativo “plenamente jurisdicionalizado e de natureza predominantemente subjetiva, porque destinada a garantir a tutela integral e efetiva dos particulares”

António Mendes
140115150

Sem comentários:

Enviar um comentário