segunda-feira, 26 de novembro de 2018

O direito do particular de ir a juízo: o reconhecimento por parte da Administração



       A questão dos sujeitos é uma questão relativamente nova no Contencioso Administrativo. Quando se começou a questionar, era em termos muitos especiais, havia a ideia de que o Contencioso Administrativo era de natureza objetiva, isto é, aquilo que estava em causa era um juízo que incidia sobre uma atuação administrativa.

            Tal consideração fazia chegar a duas conclusões: em primeiro lugar, que o particular não era parte, ou seja, segundo a lógica tradicional do Direito Administrativo, o particular era um objeto do poder jurídico; em segundo lugar, a administração também não era parte, pois a administração e o juiz pertenciam ao mesmo poder do Estado. Existia, portanto, uma realidade onde não havia sujeitos processuais, o ato era tudo e todas as coisas, era a única realidade que se observava no Contencioso Administrativo.

O Contencioso Francês do século XIX (e seguidamente a este vieram todos os juízes dos tribunais administrativos) sempre disse que não fazia sentido abrir o processo a todos – sendo esta uma consequência lógica de se definir o processo como objetivo. Se é objetivo como diz a doutrina tradicional, então os particulares não precisavam de ter qualquer relação social com esse ato, estavam a colaborar com a justiça e com o direito na procura da resolução da forma mais adequada para aquele caso concreto.

No entanto, nem os tribunais do século XVIII até aos tribunais dos dias de hoje, nem a doutrina do Processo e do Direito Administrativo, alguma vez admitiram isso. A lógica é que o Contencioso não podia estar aberto para todos, pelo que não podia haver uma ação tutelar. Então colocava-se a questão de: como se conseguia restringir o acesso de todos ao processo? A doutrina do Processo e do Direito Administrativo vai, por um lado, continua a afirmar a ideia de que o particular não tem direitos na relação jurídica substantiva, mas por outro lado, do ponto de vista processual, vai dizer que não há partes, porque não tem de haver. A atuação dos particulares e da administração serve para que o juiz descubra da melhor forma a verdade. O critério que vai ser utilizado para limitar o juiz é o Critério da Legitimidade, desligando a legitimidade da relação material controvertida.

A doutrina vai dizer que não há direito, mas a legitimidade define-se em função de um interesse não jurídico, com 3 características que surgiram no processo administrativo: carácter direto, interesse legítimo invocado pelo demandante e o pessoal (particular poder ir a juízo). Ou seja, a doutrina negava ao particular a titularidade de direitos, mas vai caracterizar o interesse como se fosse um direito, sendo o mesmo que dizer que o interesse corresponde a um direito do particular - um verdadeiro direito subjetivo. É aquilo que o Professor Vasco Pereira da Silva faz referência ao dizer que deixaram entrar pela janela aquilo que não era permitido entrar pela porta.

Havia, portanto, um trauma profundo, sendo que na Reforma de 85 houve uma tentativa de equiparar a posição do particular e da administração, mas continuava-se a negar a existência do direito do particular e consequentemente a reconhecer a administração como autoridade recorrida. Só em 2004 foi superado este trauma, baseado numa realidade contraditória. O legislador vai construir um Contencioso Administrativo à imagem e semelhança do modelo constitucional e europeu, que parte do pressuposto que o particular é titular de direitos e deveres nas relações jurídicas administrativa, e o particular que ocupa esse lugar vai estar em juízo.

A legitimidade deixa de ser vista como era até então, como uma realidade única e independente da relação substantiva e que determinava em exclusivo a acesso ao juíz, passando a ser vista no Contencioso Administrativo da mesma maneira que é vista no Processo Civil ou no Processo Penal - como característica processual para chamar ao processo os sujeitos da relação material controvertida. É isto que diz o artigo 9º/1 quando diz que o autor é considerado parte legítima, parte na relação material controvertida. O mesmo se diz no artigo 10º/1, dizendo que a ação é proposta contra a outra parte na relação material controvertida, são as duas partes no quadro de uma relação jurídica, que são chamadas a juízo.

Em suma, no Contencioso Administrativo, tradicionalmente não haviam partes, de seguida surgiram as partes do ponto de vista processual mas continuava-se a negar a ideia das partes em sentido substantivo (as partes foram definidas em função daquele processo e em função da legitimidade), sendo que agora o Contencioso é determinado nos mesmos termos do Processo Civil, e a legitimidade serve para chamar a juízo o titular da relação material controvertida.

Maria Forjaz Pereira
140115078

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