A questão dos sujeitos é uma questão
relativamente nova no Contencioso Administrativo. Quando se começou a questionar, era em termos muitos especiais,
havia a ideia de que o Contencioso Administrativo era de natureza objetiva,
isto é, aquilo que estava em causa era um juízo que incidia sobre uma atuação
administrativa.
Tal
consideração fazia chegar a duas conclusões: em primeiro lugar, que o particular
não era parte, ou seja, segundo a lógica tradicional do Direito Administrativo, o particular
era um objeto do poder jurídico; em segundo lugar, a administração
também não era parte, pois
a administração e o juiz pertenciam ao mesmo poder do Estado. Existia,
portanto, uma realidade onde não havia sujeitos processuais, o ato era tudo e
todas as coisas, era a única realidade que se observava no Contencioso Administrativo.
O Contencioso Francês do século XIX (e seguidamente a este vieram
todos os juízes dos tribunais administrativos) sempre disse que não fazia
sentido abrir o processo a todos – sendo esta uma consequência
lógica de se definir o
processo como objetivo. Se é objetivo
como diz a doutrina tradicional, então os particulares não precisavam de ter
qualquer relação social com esse ato, estavam a colaborar com a justiça e com o
direito na procura da resolução da forma mais adequada para aquele caso
concreto.
No entanto, nem os tribunais do século XVIII até aos tribunais dos dias de hoje, nem a
doutrina do Processo e do Direito Administrativo, alguma vez admitiram isso. A
lógica é que
o Contencioso não podia estar aberto para todos, pelo que não podia haver uma
ação tutelar. Então colocava-se a questão de: como se conseguia restringir o
acesso de todos ao processo? A doutrina do Processo e do Direito Administrativo
vai, por um lado, continua a afirmar a ideia de que o particular não tem
direitos na relação jurídica substantiva, mas por outro lado, do ponto de vista
processual, vai dizer que não há
partes, porque não
tem de haver. A atuação dos particulares e da administração serve para que o
juiz descubra da melhor forma a verdade. O critério que vai ser utilizado para limitar o
juiz é o Critério da Legitimidade, desligando a
legitimidade da relação material controvertida.
A doutrina vai dizer que não há direito,
mas a legitimidade define-se em função de um interesse não jurídico, com 3
características que surgiram no processo administrativo: carácter direto,
interesse legítimo invocado pelo demandante e o pessoal (particular poder ir a
juízo). Ou seja, a doutrina negava ao particular a titularidade de direitos,
mas vai caracterizar o interesse como se fosse um direito, sendo o mesmo que
dizer que o interesse corresponde a um direito do particular - um verdadeiro
direito subjetivo. É aquilo que o Professor Vasco Pereira da Silva faz
referência ao dizer que deixaram entrar pela janela aquilo que não era
permitido entrar pela porta.
Havia, portanto, um trauma profundo,
sendo que na Reforma de 85 houve uma tentativa de equiparar a posição do
particular e da administração, mas continuava-se a negar a existência do
direito do particular e consequentemente a reconhecer a administração como
autoridade recorrida. Só em 2004 foi superado este trauma, baseado numa
realidade contraditória. O legislador vai construir um Contencioso Administrativo
à imagem e semelhança do modelo constitucional e europeu, que parte do
pressuposto que o particular é titular de direitos e deveres nas relações
jurídicas administrativa, e o particular que ocupa esse lugar vai estar em
juízo.
A legitimidade deixa de ser vista como
era até então, como uma
realidade única e independente da relação substantiva e que determinava em
exclusivo a acesso ao juíz, passando a ser vista no Contencioso Administrativo
da mesma maneira que é vista
no Processo Civil ou no Processo Penal - como característica processual para
chamar ao processo os sujeitos da relação material controvertida. É isto que
diz o artigo 9º/1 quando diz que o autor é considerado parte legítima, parte na relação material
controvertida. O mesmo se diz no artigo 10º/1, dizendo que a ação é proposta contra a outra parte na relação
material controvertida, são
as duas partes no quadro de uma relação jurídica, que são chamadas a juízo.
Em suma, no Contencioso
Administrativo, tradicionalmente não
haviam partes, de seguida surgiram as partes do ponto de vista processual mas
continuava-se a negar a ideia das partes em sentido substantivo (as partes
foram definidas em função daquele processo e em função da legitimidade), sendo
que agora o Contencioso é determinado
nos mesmos termos do Processo Civil, e a legitimidade serve para chamar a juízo
o titular da relação material controvertida.
Maria Forjaz Pereira
140115078
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