domingo, 25 de novembro de 2018

O enganador art 5º do CPTA



No seguimento de muitos processos serem deixados sem resposta no final dos anos 90, o contencioso administrativo em 2002 foi alvo de reformas muito significativas, nomeadamente no domínio do regime da cumulação de pedidos, revelando uma aproximação à legislação processual civil e representando um passo muito importante para assegurar uma tutela jurisdicional efectiva.
 A cumulação de pedidos no procedimento administrativo tem como vantagens a celeridade e economia processuais, facilitando assim o cumprimento do objetivo do autor. Este princípio encontra a sua consagração legal no disposto no art. 4º do CPTA.
Perante a consagração deste princípio, a cumulação de pedidos é uma inovação que permite ao particular, em vez de propor separadamente várias ações, poder combinar o conteúdo dessas mesmas numa só. Portanto, a primeira nota a ter em consideração é que a figura da cumulação de pedidos é sempre uma faculdade do particular. O particular pode ou não cumular, consoante seja sua vontade, segundo o art.º 4/1Regulado CPTA.
Quando pode haver cumulação de pedidos? Para se poder verificar a figura da cumulação de pedido, é necessário que se verifiquem 3 pressupostos: a compatibilidade substantiva, a conexão de pedidos e por fim a compatibilidade processual
Em primeiro lugar é imperativo uma compatibilidade substantiva entre os pedidos que se traduz na circunstância de os efeitos dos pedidos cumulados terem de ser substancialmente compatíveis entre si quando o autor pretenda a produção de efeitos. De referir que a sua falta determina a ineptidão da petição inicial conforme estipula o artigo art. 193º/2 c) CPC por força do art. 1º CPTA)
Em relação ao pressuposto da conexão de pedidos a lei diz que o particular pode cumular pedidos que tenham uma única causa de pedido de acordo com o art 4/1 a) ou que estejam numa relação de prejudicialidade ou dependência ou ainda estejam em causa a apreciação dos mesmos factos ou a interpretação e aplicação dos mesmos princípios e regras de direito de acordo com o art. 4º/1 b).
Em relação ao primeiro requisito, em primeiro lugar convém referir que causa de pedir consiste nos factos com base nos quais o autor fundamenta o seu pedido. A afirmação de um direito que o particular faz em juízo funda-se numa determinada factualidade. É esta factualidade que se chama causa de pedido, que é o facto jurídico que fundamenta a pretensão do autor. Portanto, se houver vários pedidos que nasçam todos da mesma causa, esses podem ser cumulados numa única acção
O segundo requisito, alternativo ao primeiro, prende-se com a relação dos pedidos entre si, sendo esta um relação de interdependência, mas no âmbito da mesma Relação jurídica material. Neste caso falamos de pedidos em que a causa de pedir não é a mesma, todavia, entre os dois pedidos há uma relação de prejudicialidade ou interdependência. Ou seja, para um pedido proceder é necessário que o outro tenha procedido, sob pena de estarmos perante uma cumulação aparente.
Mas a lei permite ainda que haja cumulação de pedidos, quando a procedência de todos os pedidos cumulados dependa, essencialmente, dos mesmos factos ou da aplicação das mesmas normas. Esta norma do art 4/1 b) é justificada pelo princípio da economia processual. A lei é generosa aqui. Temos vários atos praticados em vários procedimentos, é possível cumular a impugnação de atos praticados em vários procedimentos? O legislador diz que sim, pela economia processual. Se a apreciação da validade dos atos depender dos mesmos factos ou das mesmas normas, ficciona-se que foram praticados no mesmo procedimento, e portanto, junta-se tudo.
Temos, no nº2 do art.º 4, uma enumeração exemplificativa, que vai, no fundo, especificar a cláusula geral de cumulabilidade, que consta do nº1.
A falta de conexão entre os pedidos constitui uma excepção dilatória nominada (art. 89º/4 j) CPTA)
No entanto existem limites ao principio da cumulação de pedido, sendo estes de dois tipos:
  • ·       Não é possível cumular quando falte alguma das causas de conexão do art.º 4/1;
  • ·      Quando a competência para conhecer um dos pedidos formulados, pertence a um tribunal alheio à jurisdição administrativa.

 O terceiro requisito consiste numa compatibilidade processual de pedidos teremos de analisar este requisito em duas divisões tal como o analisamos em processo civil: forma de processo e competência do tribunal.
Relativamente à forma do processo, a ação administrativa é a forma processual comum do Contencioso Administrativo, mas há outras, e algumas dessas formas têm caráter urgente. A circunstância de, aos pedidos formulados, corresponderem formas diferentes, nomeadamente, um ser urgente e outro não, impede a cumulação?
O Art. 5º tem uma epígrafe enganadora.  A cumulação é admitida nos processos urgentes para além dos processos comuns. O problema é que o nº2 e o nº3 não dizem apenas respeito à cumulação de pedidos em processos urgentes, mas sim a todos os processos. São de aplicabilidade geral, não só os urgentes.
Temos um processo com tramitação normal, e temos um processo de tramitação acelerada, como é que conciliamos as coisas? O art.º 5 vem dizer que é possível cumulação, adotando, para ambos os pedidos, a forma processual urgente, com as necessárias adaptações. Aqui o legislador tem uma louvável intenção de acelerar o processo, até onde seja possível.
Portanto, a diferença na forma de processo não é incompatível com a cumulação de pedidos, apenas dá lugar a uma adaptação da forma do processo, ou seja, como dispõe o art. 5.º, n.º 1 do CPTA, a acção adequada passa a ser a acção especial.
Em relação á competência do tribunal é exigida ao tribunal competência material para conhecer de todos os pedidos formulado no art. 5º/3 CPTA), ou seja, a competência para conhecer do mérito da causa tem de recair sobre o âmbito da jurisdição administrativa. Quando não se verifique este requisito haverá lugar à absolvição da instância. Assim se o tribunal competente para um dos pedidos, é judicial, então não pode haver cumulação, segundo o art.º 5/3
O art. 21º estabelece soluções para a cumulação de pedidos nos casos em que a apreciação de cada um deles, caso tivessem sido formulados isoladamente, caberia a tribunais administrativos diferentes. Aqui pertencem ambos a tribunais administrativos, mas pertencem a tribunais administrativos diferentes. O regime generoso do nº3 e 4. O nº3 diz que havendo cumulação sem que entre os pedidos haja a conexão exigida, o juiz notifica o autor ou autores para que no prazo de 10 dias indiquem o pedido que querem ver apreciado no processo. Se não disserem nada, absolvição da instância quanto a todos. A acção nova retroage ao momento da primeira acção. O nº3 e nº4 correspondem ao princípio pro actione, as normas do contencioso devem ser elaboradas, interpretadas e aplicadas de modo a garantir uma decisão de fundo. Não houve inicialmente uma decisão de fundo porque houve absolvição da instância.
Em suma, A flexibilização do regime da cumulação de pedidos foi um dos importantes pilares da reforma de 2002 a par da introdução do princípio da livre cumulabilidade de pedidos, que vem permitir não só uma maior flexibilização da conformação do objecto do processo mas também a possibilidade de o alargamento, a cumulação passou a estar dependente de requisitos materiais, relativos ao objecto do processo, e não a regras formais, referentes à identidade de forma.

140115037 Catarina Barbosa

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