A
questão coloca-se na necessidade de determinar se faz sentido ainda, nos nossos
dias, considerar que a pessoa coletiva é o único e exclusivo sujeito de
imputação de conduta administrativa.
Consequentemente será necessário analisar e fazer uma
avaliação sumária da vida administrativa, visto que só nesse momento será
passível a apreciação da efetiva necessidade, ou desnecessidade, de existir um
único sujeito de imputação de condutas administrativas – a pessoa coletiva.
Assim
deverão ser analisadas dois pontos importantes. Um relativo à organização
administrativa, e o outro relativo às relações jurídicas administrativas.
Do
ponto de vista organizativo, a administração, sendo considerada, anteriormente,
enquanto um bloco unitário – formalmente independente na sua aparência, contudo
substancialmente dependente – não coincide com a realidade atual.
Visto que passou a ter uma
“pluralidade de Administrações”, considerando os entes que exercem a função
administrativa, tendo em conta que já não serão apenas os que se integram na
própria estrutura da Administração publica, nas suas diversas modalidades
(Administração estatual, indirecta, autónoma e sob a forma privada) como também
os privados que colaboram.
Este
consequente desmembramento, da atividade administrativa em várias células
distintas e com as suas particularidades, acabou por implicar a atribuição de
competências decisórias autónomas. Sendo que já não é apenas o Governo que
poderá deter exclusivamente a competência decisória. Visto que tal seria
incompatível com a realidade atual e com a dinâmica administrativa, e pela natureza
multifacetada das modernas relações jurídicas administrativas
O
segundo ponto referente às relações jurídicas administrativas implica analisar
a mudança de paradigma que resultou no afastamento da teoria das “relações
especiais de poder”, sendo que tal como Maurer determina “as relações especiais
de poder são consideradas enquanto um instituto do passado”(1) – nota de rodapé
67 PG 276. Visto que o principio da legalidade e o regime dos direitos
fundamentais acaba por assumir uma nova dimensão e inserção dogmática que não
poderá ser descredibilizada, ou até ignorada.
Ainda
deverá ser analisada que em consequência do principio da legalidade obrigam a
atribuir uma importância crescente às relações jurídicas interorgânicas eintraorgânicas,
ou seja atribuindo-lhes significado às suas actuações, sem ignorar ou esquecer
uma delas.
Chegando aqui, volto a questionar “ a noção de pessoa coletiva, de acordo com o entendimento clássico,
será apta a ser o único sujeito processual?”
As
próprias normas constitucionais não se referem apenas a pessoas coletivas,
abrangem também os órgãos, tal como o código de procedimento administrativo,
que centra a sua relevância no papel dos órgãospúblicos e ainda atribui aosórgãos
autárquicos a legitimidade de intervenção.
O
professor Vasco Pereira Da Silva na sua análise (2), sobre esta questão,
considera que se garante uma primazia à atuação dos órgãos, fazendo-os assim
enquanto sujeitos funcionais de relações jurídicas, “dotados de capacidade
jurídica própria,admitindo-sepor isso a existência de relações interorgânicas.
Ainda
se tem vindo a procurar uma regra tendencial, que considera ser relevante a
atuação dos sujeitos, a não ser que se trate de uma atuação de natureza
patrimonial, visto que neste caso considerar-se-á sujeito primordial a pessoa
coletiva.
E no seguimento do entendimento do professor, considero que
não faz qualquer sentido, que em toda e em qualquer situação, seja chamado
apenas um sujeito, que não praticou o ato, e desconhece da sua razão de ser, e
dos circunstancialismos, que estará em juízo a defender o ato praticado.
Teoricamente e
logicamente, tal não faria, na minha opinião, qualquer sentido.
Considerando a perspetiva
do legislador…
À prima facie, considera-se que o
legislador tendeu a adoptar uma noção mais clássica, tal como o determinado no
artigo 10º/2 e 3, ao estabelecer “nos processos intentados contra entidades
publicas, parte demandada é a pessoa coletiva de direito publico” e “os
processos que tenham por objeto atos ou omissões de entidade administrativa
independente, destituída de personalidade jurídica, são intentados contra o
Estado ou outra pessoa coletiva de direito publica a que essa entidade
pertença”
Esta é
a regra determinada no Código de processo nos Tribunais administrativos,
contudo este efectua uma ressalva. Ou seja, sempre que esteja em causa a pessoa
coletiva Estado, é autonomizado o respetivo ministério, atribuindo-lhe a
posição de sujeito efetivo da relação jurídicaquer esteja em causa a actuação
de órgãos dele directamente dependentes quer não, considerando que os
ministérios prosseguem atribuições diferenciadas. Contudo segundo a opinião do
professor, tal ainda é insuficiente.
Assim o
professor considera que a solução que teria sido mais adequada teria sido a de
considerar “as autoridades administrativas como sendo o efetivo sujeito das
relações processuais, na medida das suas competências decisórias“(2)
Considerando assim o artigo 10º,
este literalmente não corresponde às expectativas, visto que a sua leitura
ainda encontra alguma identidade com a teoria clássica.
Contudo nem tudo é mau, visto que a clausula
em si permite albergar a possibilidade de serem considerados outros sujeitos
processuais, não só as pessoas coletivas como também os órgãos administrativos,
através de uma leitura sistemática, recorrendo aos artigos 10º/4 do Código do
processo administrativo, onde refere o “órgão que praticou o ato” e “indicação
do órgão que praticou ou deveria ter praticado, considerando o artigo 78/3CPA,
sendo que através das duas normas conseguimos retirar uma solução substantiva
do chamamento a juízo das autoridades administrativas responsáveis pelos atos.
Em conclusão, e em resposta à
minha pergunta, a pessoa coletiva não poderá ser considerada como único sujeito
das relações de contencioso administrativo, ainda que por vezes se possa
“fingir em beneficio da beleza do conjunto”
(1) Maurer H. “Allgemienes V”
(2)Silva, Vasco Pereira da. "O
contencioso administrativo no divã da psicanálise: ensaio sobre as acções no
novo processo administrativo." 2º edição, Almedina, Lisboa (2009)
Beatriz Da Silva Ribeiro 140115104
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