terça-feira, 27 de novembro de 2018

Pessoa coletiva – Único sujeito com legitimidade processual?


                 A questão coloca-se na necessidade de determinar se faz sentido ainda, nos nossos dias, considerar que a pessoa coletiva é o único e exclusivo sujeito de imputação de conduta administrativa.
Consequentemente será necessário analisar e fazer uma avaliação sumária da vida administrativa, visto que só nesse momento será passível a apreciação da efetiva necessidade, ou desnecessidade, de existir um único sujeito de imputação de condutas administrativas – a pessoa coletiva.
                Assim deverão ser analisadas dois pontos importantes. Um relativo à organização administrativa, e o outro relativo às relações jurídicas administrativas.
                Do ponto de vista organizativo, a administração, sendo considerada, anteriormente, enquanto um bloco unitário – formalmente independente na sua aparência, contudo substancialmente dependente – não coincide com a realidade atual.
Visto que passou a ter uma “pluralidade de Administrações”, considerando os entes que exercem a função administrativa, tendo em conta que já não serão apenas os que se integram na própria estrutura da Administração publica, nas suas diversas modalidades (Administração estatual, indirecta, autónoma e sob a forma privada) como também os privados que colaboram.
                Este consequente desmembramento, da atividade administrativa em várias células distintas e com as suas particularidades, acabou por implicar a atribuição de competências decisórias autónomas. Sendo que já não é apenas o Governo que poderá deter exclusivamente a competência decisória. Visto que tal seria incompatível com a realidade atual e com a dinâmica administrativa, e pela natureza multifacetada das modernas relações jurídicas administrativas
                O segundo ponto referente às relações jurídicas administrativas implica analisar a mudança de paradigma que resultou no afastamento da teoria das “relações especiais de poder”, sendo que tal como Maurer determina “as relações especiais de poder são consideradas enquanto um instituto do passado”(1) – nota de rodapé 67 PG 276. Visto que o principio da legalidade e o regime dos direitos fundamentais acaba por assumir uma nova dimensão e inserção dogmática que não poderá ser descredibilizada, ou até ignorada.
                Ainda deverá ser analisada que em consequência do principio da legalidade obrigam a atribuir uma importância crescente às relações jurídicas interorgânicas eintraorgânicas, ou seja atribuindo-lhes significado às suas actuações, sem ignorar ou esquecer uma delas.
Chegando aqui, volto a questionar “ a noção de pessoa coletiva, de acordo com o entendimento clássico, será apta a ser o único sujeito processual?”
                As próprias normas constitucionais não se referem apenas a pessoas coletivas, abrangem também os órgãos, tal como o código de procedimento administrativo, que centra a sua relevância no papel dos órgãospúblicos e ainda atribui aosórgãos autárquicos a legitimidade de intervenção.
                O professor Vasco Pereira Da Silva na sua análise (2), sobre esta questão, considera que se garante uma primazia à atuação dos órgãos, fazendo-os assim enquanto sujeitos funcionais de relações jurídicas, “dotados de capacidade jurídica própria,admitindo-sepor isso a existência de relações interorgânicas.
                Ainda se tem vindo a procurar uma regra tendencial, que considera ser relevante a atuação dos sujeitos, a não ser que se trate de uma atuação de natureza patrimonial, visto que neste caso considerar-se-á sujeito primordial a pessoa coletiva.
E no seguimento do entendimento do professor, considero que não faz qualquer sentido, que em toda e em qualquer situação, seja chamado apenas um sujeito, que não praticou o ato, e desconhece da sua razão de ser, e dos circunstancialismos, que estará em juízo a defender o ato praticado.
 Teoricamente e logicamente, tal não faria, na minha opinião, qualquer sentido.
Considerando a perspetiva do legislador…
                À prima facie, considera-se que o legislador tendeu a adoptar uma noção mais clássica, tal como o determinado no artigo 10º/2 e 3, ao estabelecer “nos processos intentados contra entidades publicas, parte demandada é a pessoa coletiva de direito publico” e “os processos que tenham por objeto atos ou omissões de entidade administrativa independente, destituída de personalidade jurídica, são intentados contra o Estado ou outra pessoa coletiva de direito publica a que essa entidade pertença”
                Esta é a regra determinada no Código de processo nos Tribunais administrativos, contudo este efectua uma ressalva. Ou seja, sempre que esteja em causa a pessoa coletiva Estado, é autonomizado o respetivo ministério, atribuindo-lhe a posição de sujeito efetivo da relação jurídicaquer esteja em causa a actuação de órgãos dele directamente dependentes quer não, considerando que os ministérios prosseguem atribuições diferenciadas. Contudo segundo a opinião do professor, tal ainda é insuficiente.
                Assim o professor considera que a solução que teria sido mais adequada teria sido a de considerar “as autoridades administrativas como sendo o efetivo sujeito das relações processuais, na medida das suas competências decisórias“(2)
Considerando assim o artigo 10º, este literalmente não corresponde às expectativas, visto que a sua leitura ainda encontra alguma identidade com a teoria clássica.
 Contudo nem tudo é mau, visto que a clausula em si permite albergar a possibilidade de serem considerados outros sujeitos processuais, não só as pessoas coletivas como também os órgãos administrativos, através de uma leitura sistemática, recorrendo aos artigos 10º/4 do Código do processo administrativo, onde refere o “órgão que praticou o ato” e “indicação do órgão que praticou ou deveria ter praticado, considerando o artigo 78/3CPA, sendo que através das duas normas conseguimos retirar uma solução substantiva do chamamento a juízo das autoridades administrativas responsáveis pelos atos.
Em conclusão, e em resposta à minha pergunta, a pessoa coletiva não poderá ser considerada como único sujeito das relações de contencioso administrativo, ainda que por vezes se possa “fingir em beneficio da beleza do conjunto”
(1) Maurer H. “Allgemienes V”
(2)Silva, Vasco Pereira da. "O contencioso administrativo no divã da psicanálise: ensaio sobre as acções no novo processo administrativo." 2º edição, Almedina, Lisboa (2009)
Beatriz Da Silva Ribeiro 140115104

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