quinta-feira, 1 de novembro de 2018

A Jurisdição Administrativa

Síntese da análise realizada por José Carlos Vieira de Andrade, “Âmbito e Limites da Jurisdição Administrativa”, in “Cadernos de Justiça Administrativa”, nº 22, Julho/Agosto, 2000

O autor propõe-se a realizar uma análise da lei atual com o objetivo de “provocar uma discussão frutuosa” sobre o problema da delimitação do âmbito da jurisdição administrativa. Assim, começa por qualificar o critério escolhido pela lei atual como um critério misto, composto por uma cláusula geral que é completada por uma enumeração puramente negativa e que declara os limites intrínsecos da jurisdição administrativa.

Na sua análise, começa muito logicamente por abordar a limitação imposta ao legislador ordinário pelas normas da Constituição. Nesse quadro, distingue dois tipos de vinculações constitucionais: (1) as normas que definem o enquadramento da jurisdição normativa; e (2) as normas que regulam diretamente a matéria. 
Quanto às primeiras — normas que definem o enquadramento da jurisdição normativa—, faz uma referência sintética e bastante elucidativa do pano de fundo que vem a servir de enquadramento constitucional e contextualiza as opções legislativas atuais. Nesse sentido, importa replicar aqui que, de início, a Constituição apenas estabelecia a possibilidade de existência dos Tribunais Administrativos e garantia o recurso de anulação contra atos administrativos, o que por si só explica que a abordagem dos limites da jurisdição administrativa não se considerasse tão relevante. Estávamos então, nas palavras do autor, perante uma jurisdição administrativa como “jurisdição diminuída”. Com a revisão de 1989 a jurisdição administrativa passa a jurisdição obrigatória e plena, o que impõe que o legislador a trate os Tribunais Administrativos como tribunais comuns. Ainda que se tenha dado um passo em frente com a referida revisão, devemos manter em mente que os Tribunais Administrativos estão dentro do âmbito de incidência do princípios da separação de poderes e do princípio da legalidade que, antigamente, proibiam respetivamente os Tribunais de julgar a Administração e de resolver questões de mera oportunidade ou conveniência. Hoje, apenas se proíbe (e bem) que os tribunais exerçam a função administrativa propriamente dita e que conheçam de atos ou relações internas dentro da própria Administração.
Quanto às segundas — normas que regulam diretamente a matéria —, Vieira de Andrade coloca duas questões principais relativamente ao artigo 212º da Constituição da República Portuguesa. A primeira questão é “o que deve entender-se por litígios emergentes de relações jurídicas administrativas?” e, quanto a ela, apenas salienta que, de facto, as relações jurídicas administrativas podem sê-lo em sentido subjetivo (qualquer relação em que intervenha a Administração Pública) ou em sentido objetivo (qualquer relação em que intervenham entes públicos regulados pelo Direito Administrativo). Considera depois ser esta uma opção política, principalmente em face da complexidade atual das relações entre direito público e privado no âmbito da atividade administrativa. A segunda questão que levanta é “qual o significado normativo do preceito enquanto reserva de jurisdição?”. O Tribunal Constitucional e o Supremo Tribunal Administrativo têm-se debruçado sobre a questão de saber se se trata de uma reserva material absoluta. Deverá entender-se que existe uma delimitação e um espaço deixado que é benéfico sobretudo para o fenómeno da interpenetração ente o direito público e o direito privado. Consequentemente, não será inconstitucional que o legislador confira aos Tribunais Administrativos a competência para conhecer de ações relativas a atuações de direito privado da Administração Pública, bem como questões de responsabilidade civil.

A segunda parte da análise prende-se com a delimitação legislativa do âmbito da jurisdição administrativa. Neste campo, Vieira de Andrade propõe que se distingam várias zonas de questões que deverão ser enquadradas em face da zona em que se coloquem. 
As zonas seriam as seguintes. Uma zona verde, em que se incluem as questões típicas da justiça administrativa (recursos contra atos, ações fundadas em interesses legalmente protegidos, ações nas relações inter-administrativas). Uma zona vermelha, constituída pelas questões que não podem ser apreciadas pelos Tribunais Administrativos por força da Constituição. Essas são as questões de direito privado em que não intervenha a Administração nem tenham a ver com o direito administrativo; e questões que consistam na impugnação direta de atos típicos de outras funções estaduais (política ou legislativa) e de natureza jurisdicional.
Existiriam também zonas intermédias que se poderiam qualificar como zona vermelha-amarela e zona amarela-verde. Na primeira encontram-se as questões que não pertencem em princípio à jurisdição administrativa mas excecionalmente são atribuídas pelo legislador aos tribunais administrativos; na segunda deparamo-nos com as questões em princípio incluídas na reserva própria dos Tribunais Administrativos mas excecionalmente o legislador poderá fundadamente atribuir a outra jurisdição.

O autor conclui com uma proposta global em que se podem agrupar quatro sugestões fundamentais.
Em primeiro lugar, o legislador deveria qualificar expressamente a cláusula geral no sentido de clarificar o conceito de relação jurídica administrativa e não apenas limitar-se a repetir o texto constitucional.
Em segundo lugar, deveria ser feita uma enumeração expressa de certas matérias, ainda que essas pudessem resultar já da leitura e interpretação da cláusula geral.
Em terceiro lugar, questiona se se deve continuar a atribuir o contencioso das contraordenações aos tribunais comuns. Acrescenta que só se deveria subtrair esta questão à jurisdição administrativa no caso de não ser possível proceder a um alargamento da cobertura nacional de Tribunais Administrativos a nível geográfico e aumentar o número de juízes.
Em quarto lugar, é apologista da atribuição de competência aos Tribunais Administrativos para conhecer as questões relativas aos contratos de direito privado celebrados pela Administração, bem como as relativas à responsabilidade civil por atos de gestão privada da Administração.


Esta síntese da contribuição de José Carlos Vieira de Andrade para a discussão sobre o tema em causa teve como objetivo proporcionar uma leitura adicional sobre a matéria da jurisdição administrativa, com uma abordagem simples e concisa que não deixa, no entanto, de ser inovadora e  produtiva para o estudo da disciplina. 

Filipa Lima de Matos, aluna nº 140114034

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