O alcance do
Princípio do Contraditório presente no Artigo 95º do CPTA
O objecto é, como sabemos, um elemento
essencial em qualquer processo, e como tal também o é nos processos
administrativos. Olhando à constituição do objecto processual, existem
diferentes posições que têm por base diferentes perspectivas, nomeadamente, uma
perspectiva processualista, em que o relevante é aquilo que é levado a
tribunal, independentemente das pretensões do autor, e uma perspectiva
substancialista, em que o que realmente deve relevar são as pretensões que o
autor leva a tribunal e não os factos que sejam levados a juízo. Resumindo,
importa aqui entender qual dos critérios deve ser entendido, se o pedido ou a
causa de pedir.
A doutrina tradicional do Contencioso
Administrativo, olhando para esta questão numa óptica objectivista, dava preferência
ao pedido em detrimento da causa de pedir. Com a reforma do Contencioso, em
2002-2004, esta visão objectivista deixou de ter tanto impacto, na medida em
que foi consagrada uma mudança para um sistema subjectivista que valoriza os
interesses dos particulares, sendo conferidos os poderes necessários ao juiz
para garantir a tutela plena e efectiva destes. Esta reforma do Contencioso,
juntamente com a introdução do Artigo 268º/4 da CRP, veio consagrar uma óptica
subjectivista. Uma das claras manifestações desta lógica subjectivista no
sistema está presente no Artigo 95º do CPTA. Esta é uma lógica adequada a uma
realidade processual, que é a de considerar que o que está em causa no quadro
do processo, é uma realidade assente no princípio do contraditório, que é
levado até às ultimas consequências pelo legislador.
No artigo 95º o legislador regula o objecto e
o limite das decisões e introduz uma série de considerações que têm a ver com
esta nova realidade do Contencioso Administrativo, que agora se quis
estabelecer.
Em primeiro lugar, olhando para o nº1 deste
mesmo artigo, podemos entender que existe uma valorização do objeto do
processo. O juiz deve então conhecer a integralidade daquilo que foi levado a
juízo, ou seja, não pode ficar a meio do caminho. Com isto, o legislador tem
por objectivo que, perante um acto que enferma de uma ilegalidade orgânica, não
seja apenas suficiente verificar essa ilegalidade para anular o ato. Ou seja, o
juiz não pode ficar apenas pela primeira ilegalidade, pois é necessário
verificar todas as ilegalidades que possam existir. Esta realidade é levada, em
termos teóricos, a uma lógica que é a do contraditório e coloca-se então a
questão de saber se há ou não limites a este conhecimento e quais devem ser
eles.
O artigo 95º/3 do CPTA diz-nos o seguinte:
“Nos processos impugnatórios, o tribunal deve pronunciar-se sobre todas as
causas de invalidade que tenham sido invocadas contra o acto impugnado, excepto
quando não possa dispor dos elementos indispensáveis para o efeito, assim como
deve identificar a existência de causas de invalidade diversas das que tenham
sido alegadas, ouvidas as partes para alegações complementares pelo prazo comum
de 10 dias, quando o exija o respeito pelo princípio do contraditório”.
Segundo o Professor Vasco Pereira da Silva,
relativamente à manifestação do Princípio do Contraditório, na primeira parte
há uma repetição do que já havia no nº1. Tem de se analisar a totalidade do ato
e descobrir todas as ilegalidades. Na segunda parte coloca-se a questão de
saber se este poder de identificação de causas de ilegalidade, permite ao juiz
carrear factos novos para o processo ou se permite a realização do
contraditório de forma alargada.
Assim, segundo o Professor, o legislador, ao
identificar as causas de ilegalidade, pode qualifica-las de forma diferente das
que foram feitas pelo particular. O juiz conhece o direito e pode identificar o
pedido e a causa de pedir em função dos factos alegados, sendo que deve
considerar a integralidade das duas realidades. Resumindo, o juiz deve apreciar
a ilegalidade no seu todo, reconstruindo aquela realidade e decidindo sobre
tudo o que é levado a juízo. É este o sentido desta norma, e na lógica do
contraditório.
Considerando a opinião do Professor Vasco
Pereira da Silva, não fará sentido afirmar que o 95º/3 constituí uma excepção à
regra do nº1 deste mesmo artigo e ao Princípio do Contraditório, não se
constituindo assim, nos processos de impugnação de actos administrativos, um Princípio
do Inquisitório. O Professor considera que este artigo é o corolário da
natureza dos processos de plena jurisdição resultante da reforma
Administrativa.
Podemos então concluir que não existe aqui
qualquer "desvio psiquiátrico" por parte do legislador em virtude de
traumas passados, de uma infância que apesar de distante no tempo, deixa sempre
as suas marcas no futuro.
Francisco Calheiros - 140115143
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